quarta-feira, 8 de março de 2023


 Maria Clara Bingemer: “Pátria fraturada”

As eleições terminaram e o resultado foi reconhecido inclusive internacionalmente. Mas aqui na Pátria amada esse reconhecimento se viu ameaçado desde o dia seguinte pelas manifestações insólitas de grupos expressivos de pessoas que não aceitavam a derrota e abraçavam caminhões, se reuniam sob chuva intensa diante dos quartéis, clamavam por seres extra terrestres. Também rezavam. Desde terço até cantos carismáticos. De tudo havia para sublinhar o soturno inconformismo com o resultado democrático das urnas.

Depois veio a festa da posse do candidato eleito. E metade do Brasil respirou. Não apenas pelo acontecimento em si, mas pela beleza da diversidade do país sendo exposta sem medo, acolhida, celebrada, cantada e dançada. Foi bonito, digno e confortador para os que ali viam seu voto representado e respeitado. Pensavam que, enfim, iam acabar os dias tensos e sombrios, com ameaças pairando constantemente por todos os lados e a frágil democracia ainda em perigo. Agora era realidade. Tínhamos novo governo e toda a riqueza da nossa diversidade estava representada nos muitos ministérios que prometiam erguer o Brasil do poço profundo onde fora mergulhado nos últimos anos.

Mas veio o dia 8 de janeiro. Eu almoçava com uma amiga muito querida e festejava seu aniversário. À mesa havia vitoriosos e derrotados nas urnas. Reinava, porém, respeito e harmonia. Ao voltar para casa, recebi um telefonema da aniversariante: “Estão quebrando Brasília. Liga a CBN.” Incrédula, liguei. E ouvi o que parecia impossível. Começaram a chegar as notícias alarmantes e assustadoras. O Brasil depredando a si mesmo em uma violência sem sentido nem propósito. As instituições agredidas, os poderes enxovalhados, a pátria fraturada e dolorida.

Presidente presente e enérgico, medidas tomadas, prisões etc. O evento em si foi aparentemente superado. No entanto, a fratura foi grave, exposta e ainda não calcificou. Os acontecimentos do dia 8 de janeiro mostram um Brasil dividido e que não conseguiu unificar-se em torno da democracia legitimamente constituída. O clima, que devia ser de entusiasmo e alegria pelo novo momento que o país começa a viver, mostra-se tímido como se temendo que uma nova calamidade venha a se abater sobre a recém reconstruída democracia.

A pátria está dividida e – o que é pior – aparentemente sem desejo de reconciliação e busca pela unidade. Mais: sem esperança que tal unidade – que inclui e deseja a diversidade – algum dia possa vir a acontecer.

Como agravante dessa fratura visibilizou-se diante de nossos olhos chocados a tragédia do povo yanomami. As imagens dos corpos profanados pela incúria e a ganância recordavam outras tragédias e genocídios da história da humanidade, como Auschwitz, Biafra etc. Pátria fraturada, pátria desnutrida, pátria profanada.

No entanto, ouvir os povos originários serem defendidos pela voz de uma ministra que pertence a uma de suas etnias acende uma esperança. Igualmente sentir que se o cruel desmatamento cessar ou diminuir consideravelmente a floresta poderá ser salva e seus povos poderão dela retomar posse.

Não se pode deixar de esperar. Apesar da fratura, apesar da divisão, apesar das iniquidades. Curar a pátria fraturada, soldar seus ossos quebrados, sanar suas feridas é responsabilidade de todos hoje. E isso pode dar-se pela intransigente defesa da democracia, pela insistência em promover o diálogo, pelo acolhimento das diferenças e a atenção a todas as vítimas.

Nunca talvez se fez tão necessária a cultura do encontro a que tanto convida o Papa Francisco. Em seus dez anos de pontificado, o Brasil lhe daria um bom presente se buscasse o óleo da tolerância e da abertura para ungir fraturas e feridas, a fim de devolver ao povo sua identidade e seu rosto feito de alegria e confiança em dias melhores.

 

       'Fratura de Confiança'. Por Lier Pires Ferreira e Renata Medeiros de Araujo

 

Janeiro foi um mês de grandes agitações no Planalto Central. Se a posse de Lula ocorreu em um clima de aparente segurança e real fraternidade entre seus apoiadores, os atos do dia 8 evidenciaram que as “manifestações patrióticas” nem sempre se limitaram a expressar democraticamente a insatisfação de parte da sociedade à terceira eleição de Lula. Muitos “patriotas” desejavam - e ainda desejam - uma intervenção golpista das Forças Armadas na política, desejo que possui, sim, ecos na caserna.

Por isso, não há dúvidas de que a questão militar é a mais importante da agenda política atual. Desde 1889, as Forças Armadas, com o Exército adiante, tem uma ampla tradição de intervenção na vida política. Parteiros de uma República sem povo, desde sempre os militares se colocaram como “padrinhos” do novo regime, tutelando seus movimentos. Sempre que, a seu juízo, os civis não estiveram à altura de dirigir a pátria, foram perpetradas ações golpistas de que são exemplos a própria República da Espada, comandada por Deodoro e Floriano, e a ditadura militar de 1964-1985.

Diferentemente de países vizinhos como Argentina e Chile, o Brasil não ajustou as contas face aos crimes políticos cometidos por militares. Sob o manto da Lei da Anistia - um “acordão” pelo qual a “linha dura” teve suas ações encobertas em nome da transição democrática -, a Nova República não logrou julgar os crimes cometidos por militares no combate à “subversão comunista”, fazendo com que ainda hoje nomes como o coronel Brilhante Ustra sejam enaltecidos na caserna. Não houve punições aos militares da “linha dura” nem mesmo em eventos como a fatídica bomba que explodiu no Rio Centro, em 1981, um ato de rebelião contra a abertura política levada à cabo por membros do próprio regime, então comandado pelo general João Baptista Figueiredo. Os crimes cometidos durante a ditadura ainda são um tabu frequentemente desconhecido do público, que, hoje, em parte “clama” pelo retorno dos militares ao poder.

O “apadrinhamento” militar sobre o poder civil esteve presente no Congresso Nacional Constituinte, entre 1987 e 1988, sendo refletido na ambígua redação do art. 142 da Constituição. A leitura transversa deste artigo faz crer que as Forças Armadas exercem certo “poder moderador” na República, podendo nela intervir sempre que os civis não estiverem à altura de dirigir o país. Esse “apadrinhamento” foi fortalecido no contexto do governo Bolsonaro, que, desde a campanha, em 2018, soube aproveitar sua condição de ex-militar para envolver parcela significativa das Forças Armadas em seu projeto de poder.

Durante o governo Bolsonaro, consolidou-se entre muitos militares a visão de que os civis, particularmente a classe política, são voláteis, corruptos e sem as virtudes necessárias ao governo da nação. Esta visão foi ampliada com os mais de seis mil militares e ex-militares alocados no governo pelo capitão-presidente, levando a uma militarização jamais vista no país. Nesta relação, nem sempre republicana, muitos militares foram economicamente favorecidos, alçados à condição de ministros, dirigentes de empresas públicas e outras benesses, num processo com nítidos ares de cooptação. Deste modo, quer pela alocação de militares em postos-chaves na República, quer pela perspectiva ideológica de exaltação das virtudes da vida militar, o governo Bolsonaro trouxe à tona as tensões há muito havidas nas relações civis-militares, recolocando a questão militar no centro do debate político brasileiro.

A participação de militares nos crimes contra a democracia no dia 8 de janeiro foi o estopim da presente crise. Muitos deles jogaram pedras, mas agora tentam esconder a mão. O general Arruda, comandante do Exército nomeado nos estertores do governo Bolsonaro, resistia em punir militares que eventualmente estivessem envolvidos nos ataques à sedes do Poderes da República. Outra expressão evidente da leniência relativa de Arruda em relação a aos militares foi sua resistência em retirar o coronel Mauro Cid do comando militar de Goiás, mesmo sendo Cid um nome da estrita confiança de Bolsonaro e frequentemente apontado como um dos pivôs do chamado “gabinete do ódio”. De perfil conciliador, Arruda parecia incapaz de "pacificar" o Exército, reforçando seu caráter de instituição de Estado, não de governo. Deste modo, diante dos insucessos da reunião entre Lula e seu ministro da Defesa, José Múcio, com os comandantes militares na última sexta-feira, 20/01, Lula não tinha alternativa senão a exoneração do general Arruda. Sem confiança no compromisso democrático do Comandante do Exército, a crise estava instalada.

A exoneração de Arruda não foi uma decisão simples. O lacônico pronunciamento de Múcio ao anunciar, no início da noite de sábado, a substituição no comando do Exército deu o tom da gravidade da situação. A expressão “fratura de confiança”, utilizada pelo ministro, conhecido por seu tom frequentemente conciliador, mostra o quanto a caserna está agitada, com consequências ainda imprevisíveis. Se o alto comando segue firme em seu compromisso democrático, é inegável que das praças ao oficialato segue havendo muita rejeição à eleição de Lula. Igualmente, há muita contrariedade com as ações das instituições democráticas, em particular com o STF e com o ministro Alexandre de Moraes.

A necessária “pacificação” do Exército cabe agora ao general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Olhando pelo retrovisor, o sinal mais claro de que esta “pacificação” caberia ao general Tomás deu-se um dia antes, quando o até então Comandante Militar do Sudeste deu declarações inequívocas de que o Exército, como pivô das Forças Armadas, deveria seguir uma orientação legalista, disciplinadora e republicana, cumprindo estritamente suas funções constitucionais, sem compromissos com forças políticas de qualquer natureza. Em uma fala que agora parece um discurso de campanha, o general Tomás, seu nome de guerra, filiou-se à velha perspectiva segundo a qual “quando a política entra nos quartéis pela porta da frente, a disciplina sai pela porta dos fundos”.

Entretanto, mesmo que o novo Comandante do Exército logre êxito em “pacificar” a força, é certo que a questão militar está longe de ter um fim. A politização das força armas e a militarização da política expressam uma transversalidade perversa, que faz com que a democracia caminhe sempre “sob o fio da navalha”. As Forças Armadas, como qualquer corporação, tendem a ser auto-protetoras em particular com membros mais graduados. Foi assim com o então general Hamilton Mourão, quando este logrou insurgir-se contra a presidente Dilma Rousseff, ou mais recentemente quando o general Eduardo Pazuello, ainda na ativa, participou de atos políticos ao lado do presidente Bolsonaro, infringindo abertamente as normas militares. Tanto um quanto outro ficaram impunes e hoje - como expressão da militarização da política nacional - são titulares de elevados cargos políticos, o primeiro como senador pelo Rio Grande do Sul e o segundo como deputado pelo Rio de Janeiro.

Portanto, não há dúvida de que o desafio imediato é despolitizar as forças armadas e desmilitarizar a política. Mas a questão militar é maior. Há que se debater o que o país deseja das suas Forças Armadas, ouvindo, também, o que elas desejam para o país. Não é um debate fácil. Há insatisfações recíprocas entre civis e militares, além, claro, das clivagens internas. Afinal, tal como os civis, os militares também são diversos em suas visões de mundo, bem como em suas expectativas, necessidades e projetos. Se é certo que a história brasileira não permite simplesmente ignorar que os militares exercem um papel na vida política nacional; por outro lado o mundo contemporâneo não comporta mais "apadrinhamentos" ou tutelas militares ao poder civil. Ao contrário! A subordinação militar ao poder civil é um imperativo de todas as sociedades democráticas. Trata-se de um princípio basilar, cuja maior expressão é a figura do presidente da República como comandante em chefe das Forças Armadas. Portanto, se quisermos avançar no Estado Democrático de Direito, precisamos falar das Forças Armadas.

 

       Lula se aproxima de influencers e artistas de olho no universo das redes sociais

 

A versão Lula 3.0 de governo deu indícios, desde antes da campanha eleitoral, que a gestão procuraria novos caminhos para tratar do universo das redes sociais. O presidente parece ter observado uma das estratégias certeiras do último ocupante do cargo, Jair Bolsonaro, e já está colocando ela em prática.

No início de fevereiro, a primeira-dama Rosangela da Silva, a Janja, e o chefe do Executivo se reuniram com influenciadores digitais e artistas no Palácio do Planalto para debater a importância das ações na esfera das redes sociais e mostrar parte da destruição deixada por radicais extremistas. Com os ataques aos prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro, o grande objetivo da reunião foi fortalecer a democracia e combater as fake news.

Dentre os presentes estavam atores como Bárbara Paz, Caio Blat e Ana Hikari, e influencers como Hawk, Foquinha, Malfeitona, Vitor diCastro, Ivan Baron e Raull Santiago. Além do encontro com Janja e Lula, os convidados visitaram o Museu da República e puderam ver alguns dos estragos deixados pelos vândalos no Planalto.

"Foi horrível ver os estragos do dia 8 de janeiro, chocante mesmo. Entrei num banheiro que não tinha pia porque foi arrancada. Foi uma coisa muito forte, ver equipamentos danificados, passei por uma moça que trabalhava em um computador amassado, um Portinari rasgado, é muito chocante. Não à toa, no começo dessa reunião, a Janja lembrou muito bem como eram os estragos, como estavam, acho isso muito importante", contou o ator e apresentador Vitor diCastro ao Correio.

Para ele, alguns dos danos deveriam permanecer inalterados para que os atos nunca sejam esquecidos. "Porque se esquecermos, a história se repete. Essa reunião com influenciadores surgiu a partir disso. Eles (governo) viram que não dá para criar conteúdo e criar discussões de política durante a eleição. A eleição foi em outubro e aí chega janeiro e isso acontece. Então será que não dava para evitar?", pondera.

Vitor publicou em seu Twitter, na semana passada, respostas às críticas feitas por digital influencers com posicionamento mais à direita. Esse núcleo criticou o evento, alegando que teve orientações favoráveis a Lula e seu governo. Na publicação, o influenciador afirma que todos os convidados pagaram todos os custos da vinda a Brasília e "não se falava sobre 'fake news contra Lula' e sim das mentiras contadas sobre as urnas, sobre a constituição, vacina, programas sociais", escreveu.

        Fake news

Um convidado que sentiu na pele as consequências de notícias falsas é o ativista e influenciador digital Raull Santiago. Em 8 de janeiro, ele estava no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, quando começou a surgir o boato de que os ataques ao Planalto, Congresso e Supremo era causada por "infiltrados". Fotos de Raull feitas na semana anterior, na posse presidencial, foram usadas atreladas à notícia de que ele seria uma dessas pessoas.

"Simplesmente por verem uma pessoa negra, de terno e gravata, me colocaram nesse contexto, quando nem em Brasília eu estava. A fake viralizou rápido e nacionalmente. Foram duas semanas de caos na minha vida, tendo que desmentir tal situação, inclusive fazendo um boletim de ocorrência da fake", afirma Santiago.

Essa não foi a primeira vez que o influenciador teve problemas do tipo. "Antes disso, no dia 1º, Preto Zezé da Cufa (Central Única das Favelas), Rene Silva, do Voz das Comunidades, e eu tiramos uma foto com o Alexandre de Moraes. Essa foto, ainda na noite do dia 1º de janeiro começou a viralizar com um texto falso que dizia que 'o Alexandre de Moraes havia tirado fotos com os líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital)'", observa.

Raull avalia que a atenção do governo ao potencial das redes sociais é muito importante, levando em consideração o potencial de alcance das plataformas, que têm como destino os mais diferentes públicos. "O governo terá que ousar. Observar seu quadro formado, avaliar se realmente tem pessoas dentro do campo da comunicação federal que tem astúcia e criatividade desse mundo. É preciso aprender com a juventude, por exemplo. E aproximar esses jovens das esferas decisórias em todos os sentidos, mas principalmente na comunicação", opina.

Ivan Baron, influenciador que subiu a rampa do Palácio do Planalto ao lado de Lula e de outros representantes da sociedade brasileira, concorda com Raull. "Eu acho de suma importância manter esse diálogo nas redes sociais, pois atinge um maior público, em especial os jovens, que estão começando a formar suas opiniões sobre assuntos que impactam diretamente suas vidas".

Baron, que representou no ato simbólico milhões de brasileiros com deficiência, enfatizou que o conteúdo da reunião não foi para de alguma forma orientar um discurso "pró-Lula".

"A importância de continuarmos o debate, isso não inclui deixar de cobrar o governo federal. Pelo contrário, Janja e o presidente Lula querem a sociedade civil cada vez mais presente nesse processo. Um time de influenciadores e formadores de opinião comprometidos com a verdade e desmentindo toda e qualquer fake news que surgir", aponta o influenciador, que também foi escolhido pelo Ministério da Saúde como embaixador da vacina no Brasil.

        Lula antenado

Há tempos que Lula demonstra ter como um de seus públicos de interesse o das redes sociais. Com uma conta no Instagram que mescla postagens informativas com vídeos reels descontraídos, como um em que aparece malhando, o presidente utiliza seus posicionamentos para conquistar jovens e ganhar propriedade de uma ferramenta de comunicação oficial com amplo alcance.

Além das redes, Lula não deixou de explorar novos formatos, em especial no âmbito dos podcasts. Em 2021, foi entrevistado por Mano Brown para o Mano a Mano, exclusivo da Spotify. O episódio foi o mais ouvido naquele ano na plataforma. Já em campanha, em 2022, foi entrevistado no PodPah, onde chegou a bater a marca de 292 mil pessoas acompanhando ao vivo.

 

Fonte: Jornal do Brasil/Correio Braziliense

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