Marcelo Zero: O Brasil só será Brasil com grandeza
Parafraseando
Charles De Gaulle, o Brasil não pode ser Brasil sem grandeza.
O
Brasil não pode ser pequeno. Tudo nele, tamanho geográfico, volume
populacional, tamanho da economia, abundância de recursos estratégicos, maior
biodiversidade do planeta, detentor da maior parte do bioma crucial para o
equilíbrio climático (a Amazônia), cultura riquíssima e singular etc., o torna
uma nação destinada à grandeza.
Infelizmente,
nos últimos anos, o país, governado por medíocres, foi apequenado. Governantes
pequenos tornam um país pequeno. Tornamo-nos párias insignificantes.
Por
isso, é alentador ver, de novo, Lula percorrendo o mundo agigantando o Brasil.
Lula
caminha de cabeça erguida tanto na ruela de uma favela quanto na Casa Branca.
Com
ele dirigindo do Brasil, podemos estar certos de que não veremos espetáculos
degradantes de submissão canina, como os que Bolsonaro com frequência promovia,
quando salivava profusamente frente ao seu líder, o criminoso e antidemocrata
Trump.
Pode-se
dizer o que quiser da política externa de Lula, mas há de se reconhecer que ela
é audaz, além de “ativa e altiva”. Lula pensa grande e não enquadra o Brasil na
mediocridade de papeis pré-definidos por grandes potências.
Além
de ter voltado a defender os interesses brasileiros, Lula é o único líder
mundial de relevo que está falando abertamente em paz. Mais especificamente,
paz na Ucrânia.
Lula
quer criar um “grupo de países da paz” que se empenhe na solução para um
conflito que causa prejuízos ao mundo inteiro e que ameaça o planeta com uma
guerra nuclear.
Alguns,
aqui e lá fora, o criticam por não tomar partido da Ucrânia e se envolver na
guerra, apoiando as draconianas sanções contra a Rússia ou enviando munição
para a zona de batalha.
Seria
um erro crasso.
Em
primeiro lugar, porque tal envolvimento seria incompatível com o papel de
mediador que o Brasil se dispõe a desempenhar. Ademais, o Brasil já condenou
formalmente a invasão.
Em
segundo, porque a guerra na Ucrânia não terá solução militar. Tal solução
militar esteve prestes a acontecer em maio de 2022, quando o rápido avanço
russo levou os ucranianos a quase aceitar um acordo de paz. Foram
desencorajados pelos EUA e aliados europeus, que passaram a incentivar
fortemente a resistência ucraniana.
De
lá para cá, criou-se um equilíbrio militar que dificilmente será rompido
decisivamente por um dos lados. Com isso, a guerra tende a se prolongar, a se
alastrar geograficamente e a se aprofundar. Tornou-se uma espada de Dâmocles
que pode decepar o pescoço do planeta.
Portanto,
a única solução para essa guerra que ameaça a todos se dará pela via da
negociação. E, quanto mais cedo a
negociação vier, melhor.
Em
terceiro, porque a não participação no conflito é amplamente majoritária no
mundo.
Só
participam desse inútil e perigoso esforço de guerra os EUA, aliados europeus,
Japão, Austrália, Nova Zelândia, Coréia do Sul e outros poucos países.
Tais
países representam ao redor de 16% da população mundial. Os outros 84% não
querem participar, ainda que indiretamente, do conflito. Assim, a imensa
maioria das nações do globo deseja permanecer neutra, como o Brasil, e almeja a
paz, como Lula.
Lula
está dando voz a essa maioria.
Mas
a grandeza, que conduz à independência de pensamento e de atitudes, não pode
ficar restrita à política externa. Ela também há de se refletir nas políticas
internas.
Tal
como aconteceu na política externa, a mediocridade e a mesmice se espraiaram
pelas políticas internas, ao longo dos governos retrógrados que se seguiram
após o golpe de 2016.
O
Brasil tornou-se refém da pequenez de anacrônicas e fracassadas políticas
neoliberais, muitas vezes justificadas por um neoudenismo tardio, cevado pela
Lava Jato.
Tome-se
o exemplo do BNDES.
Desde
sua fundação, em 1952, que esse banco esteve à frente do desenvolvimento
nacional. O Brasil não seria o que é hoje sem o BNDES.
Quando
da sua fundação, o Brasil era país predominantemente agrário e rural, com uma
infraestrutura muito precária. Pouco menos de trinta anos depois, o Brasil já
era um país industrial e urbano, com uma infraestrutura razoável. Na época
(início da década de 1980-antes da crise da dívida), a indústria brasileira era
maior que a da Coreia do Sul e a da China, somadas.
O
“fetiche da industrialização”, como o define o jornal O Globo deu muito certo,
enquanto durou.
No
entanto, nos governos pós 2016, houve uma forte ofensiva contra o BNDES.
No
esteio da Lava Jato, que destruiu toda a cadeia da construção civil pesada do
Brasil, esse banco foi acusado de investir seus recursos no exterior, de não
apoiar empresas brasileiras, de apoiar ditaduras, de quebrar o Tesouro e de
toda sorte de acusações sem nenhum fundamento empírico.
Na
realidade, esse banco nunca investiu um centavo no exterior.
O
dinheiro para as chamadas exportações de serviços era dado em reais para
empresas brasileiras, que contratavam mão-de obra brasileira e compravam
insumos brasileiros. E a maior parte dessas obras foi feita nos EUA; não em
Cuba ou na Venezuela. Ademais, esses empréstimos tinham inadimplência de 0,01%.
Poderíamos
escrever vários artigos desmontando essa farsa sobre o BNDES, mas basta dizer
que, nos últimos 25 anos, o BNDES financiou exportações de serviços de
engenharia, no montante de US$ 10,5 bilhões.
Porém,
recebeu, no mesmo período, pagamentos de US$ 12,7 bilhões sobre tais
empréstimos. Ou seja, o BNDES e o Brasil lucraram US$ 2,2 bilhões, com essas
operações.
Mas
o importante destacar aqui é que, em virtude dessas mentiras e dessa tentativa
de criminalização das atividades do BNDES, o banco apequenou-se e passou a, em
vez de financiar o desenvolvimento do país, a financiar o Tesouro.
Passou,
na realidade, a tirar dinheiro da economia. Desde 2015, o BNDES devolveu mais
de R$ 678 bilhões ao Tesouro sob a forma de pagamento de principal, juros,
liquidação antecipada da dívida e dividendos.
Agora,
contudo, sob a direção de Aloizio Mercadante, o BNDES quer voltar a ter papel
de relevo como financiador, principalmente financiador de longo prazo, do
desenvolvimento nacional e da reindustrialização do Brasil, em parceria com o
setor privado.
Mercadante
não quer mais um BNDES acanhado, que pratica uma taxa de juros, a TLP, muito
alta (IPCA + 6%) e volátil, pois embute na sua fórmula a inflação aferida
diariamente.
Quer
um BNDES moderno, verde, inclusivo digital e competitivo, que contribua para
que o Brasil supere os desafios impostos pela imprescindível descarbonização da
economia, o desarranjo das cadeias produtivas globais, a preservação dos biomas
e a necessária geração de empregos de qualidade para todas e todos.
Mas
tem gente que não gosta. Que acha que isso é prender-se a “fetiches do
passado”. É a mesma gente que defende que o Brasil tenha as maiores taxas de juros reais do planeta.
Bom,
é essa gente que vive no passado. Num passado muito pequeno e atrasado.
Sequer
prestam atenção ao que acontece no mundo, que está passando por um célere
rearranjo geoeconômico e por mudanças de paradigmas.
Basta
ver o que acontece nos EUA, por exemplo.
Lá,
Biden e o Partido Democrata estão investindo trilhões em infraestrutura,
transição ecológica, energia limpa, serviços de saúde e reindustrialização.
Sim, reindustrialização.
Tomados
por um invencível “fetiche da reindustrialização”, os EUA aprovaram, em agosto
do ano passado, o CHIPS and Science Act.
Tal
norma prevê investimentos de US$ 52,7 bilhões em pesquisas e implantação de
indústrias de semicondutores e chips nos EUA.
Frise-se que, para fazer jus a esses fundos, as empresas terão de se
comprometer a gerar empregos de qualidade, bem-pagos e sindicalizados, outro
“fetiche” do passado.
Mas
o objetivo principal é voltar a fabricar semicondutores e chips nos EUA. Esse
país produzia ao redor de 40% do chips do mundo, no início do século, mas essa
proporção caiu para menos de 10%, agora. Na pandemia, faltaram chips para a indústria
automotiva norte-americana e até para a indústria de defesa.
Biden
quer que os EUA voltem a fabricar a maior parte dos chips e semicondutores do
mundo, eliminando a dependência, em relação à Taiwan, China etc., e concorrendo
no planeta inteiro com esses países.
Quer
“substituir” essas importações, outro grande “fetiche” de antanho.
Como
disse Biden no seu State of The Union, as grandes cadeias de produção e valor
vão começar nos EUA. Terão lá a sua base. Isso chama-se visão estratégica,
outro “fetiche” que caiu em desuso. Pode até não dar muito certo, mas a
História não poderá acusá-lo de medíocre.
E
bastou o Estado sair à frente para que grandes empresas privadas dos EUA se
somassem à iniciativa, anunciando investimentos próprios de US$ 50 bilhões. É assim que normalmente o capitalismo
funciona, mesmo nos países mais desenvolvidos. O Estado sai à frente, aponta os
caminhos, investe e a iniciativa privada se soma, em parceria.
No
campo da infraestrutura, a ideia de Biden é modernizá-la por inteiro. Os EUA
ocupavam o primeiro lugar em infraestrutura no mundo, mas a falta de
investimentos públicos em décadas o fizeram cair para o 13º lugar.
Agora,
serão investidos centenas bilhões na recuperação de estradas, pontes, portos,
rede elétrica etc. Será maior a iniciativa nesta área desde quando Eisenhower,
outro “fetichista”, criou o Interstate Highway System, o sistema de grandes
autoestradas que revolucionou os EUA.
Sabem
de outra coisa? Biden determinou recentemente que todo o material usado nessa
reconstrução terá de ser fabricado nos EUA.
Outro “fetiche” nacionalista.
Biden
vai ajudar a financiar tudo isso taxando os mais ricos. Em 2020, as 55 maiores
corporações da América tiveram lucros de US$ 40 bilhões e pagaram zero em
impostos federais. A partir deste ano, terão de pagar 15%. Um “fetiche”
socialista, diria, talvez, O Globo.
Na
realidade, quem lê o recente State of The Union de Biden vê que ele contém algo
muito próximo, mutatis mutandi, daquilo Lula pretende fazer no Brasil. Os
princípios e os grandes objetivos são basicamente os mesmos. Os “fetichismos”
também.
Fundamentalmente,
ambos, de formas diferentes e partindo de patamares muito distintos, querem
construir países modernos, sustentáveis, sem pobreza e sem grandes
desigualdades, baseados política, social e economicamente numa grande classe
média.
Talvez
na melhor passagem de seu discurso, Biden fez a seguinte pergunta: E onde está
escrito – onde está escrito que a América não pode liderar o mundo na
manufatura? Eu não sei onde está escrito isso.
A
mesma pergunta pode ser feita no Brasil. Onde está escrito que o Brasil não
pode se reindustrializar?
Onde
está escrito que essa reindustrialização não pode contar com o apoio de um
banco de desenvolvimento e com investimentos estatais, como os EUA estão
fazendo?
E
como todo os grandes países fizeram e ainda fazem? Estaria o Brasil
desrespeitando uma lei econômica fundamental, com a coerção de uma lei natural?
Onde
está escrito que estamos eternamente condenados a ser somente um grande
Fazendão?
Na
realidade, essa lei não está escrita em lugar nenhum, a não ser nas cabeças
pequenas, de pensamentos pequenos, de pessoas pequenas. Os vira-latas de
sempre. Aqueles que têm o terrível fetiche do atraso e um invencível complexo
de inferioridade.
São
o “Velho do Restelo” de quem falava Camões, nos “Os Lusíadas”. Aquele
personagem anacrônico e um tanto patético que condenava os navegantes que
fariam a grandeza de Portugal.
Felizmente,
Lula, Mercadante, Haddad, Marina, Anielle Franco, Celso Amorim e outras tantas pessoas
públicas do atual governo, não padecem desse complexo esterilizante.
Sabem
bem que o Brasil só será Brasil com grandeza.
Frente ampla no governo Lula já acabou,
segundo Marcos Strecker
Durou
pouco o discurso de frente ampla no governo Lula. Os ataques coordenados pelo
mandatário com o PT e seus aliados contra o presidente do Banco Central,
Roberto Campos Neto, não visam apenas atingir um “infiltrado” do bolsonarismo,
nem procuram somente criar um bode expiatório contra os resultados pífios na economia
já contratados para 2023. Eles buscam mostrar que o programa econômico é de
Lula e de sua legenda, sem concessões.
A
economia é a área mais sensível da gestão, e será aquela que definirá o seu
sucesso (ou fracasso). Lula nunca cedeu espaço nesse setor, apesar de ter
abrigado Simone Tebet no Ministério do Planejamento. Geraldo Alckmin também faz
figuração no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, mas apenas
porque o petista ainda sonha em colocar um empresário de peso como fiador do novo
governo – o que até hoje não conseguiu.
Fernando
Haddad é um avatar de Lula para gerenciar a economia, mas quem de fato dará as
cartas é o presidente. É uma péssima notícia. Lula já deixou claro que não
replicará seu primeiro mandato (2003-2006), quando respeitou o tripé
macroeconômico estabelecido pelo Plano Real. Pretende, tudo indica, aprofundar
o que iniciou em sua segunda gestão (2007-2010), com forte intervenção estatal
e uma política antimercado. Essa ideia desenvolvimentista foi aprofundada por Dilma
Rousseff, com o resultado conhecido.
Uma
das principais bandeiras nefastas do governo Dilma foi exatamente baixar a
Selic “na marra”, o que desorganizou o mercado financeiro, fez disparar a
inflação e, no final, levou à disparada dos próprios juros. Hoje, a
ex-presidente se sente à vontade para voltar a vociferar, sem constrangimentos,
para defender a intervenção na Selic, como se todos tivessem apagado da memória
o colapso da sua gestão, que levou à maior recessão da história.
Esse
negacionismo não acontece apenas na economia. O PT já celebra a volta de seu
velho protagonismo. Na festa de 43 do partido, nesta segunda-feira, 13, Zé
Dirceu foi uma espécie de convidado de honra, comemorando e sendo paparicado
como grande líder. A legenda já deixou para trás todos os escândalos de
corrupção e os erros crassos na economia, que geraram há poucos anos mais
pobreza e instabilidade institucional.
Isso
faz parte do jogo, e Lula tem todo o direito de moldar seu terceiro mandato
como quiser. Mas não conseguirá insistir na falácia de que compôs uma gestão de
frente ampla. Em um mês, já montou um cercadinho petista para criticar todos os
economistas ou analistas que discordam da sua política econômica. É o PT, por
meio de sua presidente, que filtra as nomeações em todos os ministérios, em
todos os escalões. E a mão pesada do partido já escanteou na prática todas as
iniciativas do “centro democrático”, falecido nas eleições do ano passado. Esse
é um governo do PT, chapa pura.
De
novo, isso faz parte do jogo. Mas com as pretensões hegemônicas do PT, e a
recusa do partido em admitir qualquer equívoco (ou malfeito), isso indica que
os erros vão se reproduzir (começando pela economia) e a polarização vai se
agravar. O terraplanismo econômico é apenas uma consequência da cegueira
ideológica e da incompreensão de que o Brasil já é outro, mais complexo
politicamente, menos dócil à propaganda populista que fermentava nas
assembleias do passado e menos suscetível às palavras de ordem anacrônicas.
Atacar os juros como “vergonhosos” ou chamar o mercado de “insensível” parece
ser a nova versão do velho “Fora FMI”, mote anticapitalista que embalou a
esquerda até os 90.
O
País hoje aposta no “empreendedorismo” e no aumento de produtividade do
trabalhador, e não em investir contra os patrões. Até porque houve uma forte
desindustrialização, em parte por culpa do próprio PT, que também esvaziou os
sindicatos, e a “especulação” financeira caiu no gosto da classe média. Taxar
os juros altos de estratégia “rentista” soa
démodé, para dizer o mínimo. O próprio Haddad, que tenta se mostrar
moderado (ou com jeito de “tucano”, como uma vez Lula brincou), pode se tornar
vítima da militância. Já começou o ataque especulativo contra ele, e o
serpentário petista tenta emplacar um novo titular na Fazenda, mais com cara de
Aluizio Mercadante. É isso uma frente ampla?
Fonte:
Viomundo/IstoÉ
Nenhum comentário:
Postar um comentário