sexta-feira, 10 de março de 2023


 Luta pela terra e pelas necessidades básicas gera emancipação

Que tipo de utopia os camponeses e camponesas Sem Terra cultivam e se nutrem na luta pela terra enquanto pedagogia de emancipação humana? Não pode ser a simples estatização de todas as propriedades rurais. Também não pode ser qualquer tipo de socialização da terra. Há de se considerar as diversidades culturais, regionais, históricas e de identidades do campesinato. A autonomia dos Sem Terra, sujeitos sociais coletivos que lutam pela terra no campo, se torna impossível sem a autonomia dos sujeitos individuais, isto é, das camponesas e dos camponeses Sem Terra que se comprometem em tal luta. Logo, toda e qualquer posição pessoal ou dos movimentos sociais populares, relação interpessoal ou social, que cerceia o processo de autonomização obstaculariza a emancipação pessoal e social, que é um grande objetivo da luta pela terra como pedagogia de emancipação humana. Não nos referimos aqui à autonomia no sentido de poder fazer o que quiser, mas no sentido de fazer história com as próprias mãos desenvolvendo o infinito potencial de humanização existente em cada ser humano.

Ao explanar sobre as necessidades pessoais, Karl Marx estabeleceu a prioridade da satisfação das necessidades materiais objetivas em relação às necessidades espirituais, mas observamos que o povo tem tanta fome de pão – necessidade material (base da vida) – quanto fome de Deus – necessidade espiritual. Óbvio que Marx não se referia à necessidade espiritual no sentido religioso, mas no sentido de tudo o que é simbólico – sonhos, autoestima, desejos, aspirações etc. -, para além da base material da vida. Não dá para relegar as necessidades espirituais/simbólicas para segundo ou terceiro plano e muito menos ignorá-las. Não é inquestionável a afirmação segundo a qual ‘religião, futebol e política não se discutem’.  Muitas vezes, as pessoas brigam mais por questões religiosas do que por questões estritamente políticas, até porque toda questão religiosa é também uma questão política. Nesse sentido, o pensador Ovidio Hernández fez referência a Abraham Maslow, que elaborou uma teoria sobre as escalas de necessidades humanas, assim raciocinando: “Ele coloca, de forma geral, a prioridade da satisfação das necessidades de sobrevivência (alimentação, proteção física etc.); Num lugar intermediário, situa a satisfação das necessidades de autoestima (a importância da consideração, do respeito, da pertença e da identidade na esfera individual e social, e o amor aos outros e a si próprio) e considera que, nestas bases de sustentação, desenvolvem e satisfazem, entre outras, as necessidades superiores de autonomia e autorrealização” (HERNÁNDEZ, 2005, p. 132).

Há uma íntima relação entre as necessidades materiais – necessidades de sobrevivência (alimentação e proteção física; aqui se coloca a moradia, acesso à terra, por exemplo) -, as necessidades de autoestima – consideração, respeito e cultivo da identidade pessoal e amor aos outros e a si mesmo – e as necessidades superiores de autonomia e de autorrealização. Concordamos com o pensador Jorge Acanda e com Abraham Maslow no sentido de que não há como realizar e desenvolver a autonomia pessoal e social e construir autorrealização sem atendimento às necessidades básicas elementares materiais e de autoestima. Aqui está um ponto central da luta pela terra, porque se trata de uma luta concreta que viabiliza o atendimento, primeiro, das necessidades básicas de alimentação, pelo plantio nas terras ocupadas; em seguida, a autoestima das camponesas e dos camponeses Sem Terra, nas ocupações em luta pela terra melhora gradativamente, porque as pessoas passam a ser consideradas, acolhidas e respeitadas na sua dignidade. Esse caminho se aproxima da conquista da necessidade mais ampla, que é a de emancipação e autorrealização.

Na madrugada do dia 21 de dezembro de 2003, no município de Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, MG, após três anos de acampamento ao lado de uma estrada, ao lado de uma fazenda improdutiva, vinte famílias ocuparam uma propriedade de 154 hectares, sendo 14 hectares de capim e o resto Mata Atlântica. Alugaram um trator de um camponês da região e araram a terra dos 14 hectares de capim. As vinte famílias trabalharam três dias e três noites ‘sem parar’ plantando os 14 hectares de terra com sementes de hortaliças, porque as crianças estavam anêmicas e tinham que obter alimento o mais rápido possível. “Nossos filhos estavam anêmicos, mas foi só começarem a comer os alimentos produzidos com adubação orgânica e agroecológica, graças a Deus, estão todos bem nutridos, o que é atestado pela Pastoral da Criança”, informou-nos, feliz da vida, dia 22 de setembro de 2007, a Sem Terra Valéria Antônia Silva Carneiro, assentada no Assentamento Pastorinhas desde 2006.

Na luta pela terra, pelo menos em parte, contempla-se o que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) enunciou, em 1995, como sendo as quatro aprendizagens básicas: aprender a conhecer, aprender a conviver, aprender a fazer e aprender a ser (DELORS, 2010, p. 31), mas, atenção! Aprender sempre tomando-se por base os sujeitos injustiçados, valorizando suas experiências, problematizando a realidade sempre desde a perspectiva dos Sem Terra, eliminando a hierarquia entre os saberes, incentivando a criatividade e a compreensão de que o outro que está na horizontalidade não é um inimigo, mas alguém sem o qual não posso me emancipar e nem autorrealizar.

A luta pela terra como pedagogia de emancipação humana realiza, em alguma medida, o que apregoou Giulio Girard: “É, essencialmente, quebrar a comunidade educativa que traduz a sociedade de dominação para criar uma que anuncie a sociedade da autogestão. A educação libertadora deve, portanto, superar primeiro a relação autoritária entre educadores e alunos. Não suprime a autoridade, mas transforma radicalmente seu significado. […] substituirá as motivações tradicionais baseadas na competição, no individualismo e no egoísmo, motivações de outra ordem que se baseiam na generosidade, no espírito de equipe e na solidariedade com os oprimidos. […] a educação libertadora é iluminada por essa busca de sentido” (GIRARDI, 1998, p. 54-55).

A luta pela terra constitui-se, portanto, como pedagogia de emancipação humana por vários aspectos. Primeiro: nela, a reflexão é feita sempre no sentido de compreender a sociedade existente como sendo uma construção histórica capitalista, de classes com interesses antagônicos, em que a classe trabalhadora e o campesinato são injustiçados. A dominação é questionada teoricamente e na prática. Segundo: a regra geral é cuidar para que posturas autoritárias não apareçam e se surgirem devem ser questionadas imediatamente. Isso anima o potencial humano existente em todas as pessoas. Terceiro: ciente de que disciplina e autoridade são necessárias na luta pela terra, sempre é alertado para que o exercício da autoridade não descambe para o autoritarismo, nem para o personalismo, nem para o messianismo, nem para o populismo. Quarto: deve-se cultivar o espírito de solidariedade e de ajuda mútua, o que é um antídoto ao individualismo apregoado pela ideologia dominante na sociedade. Assim, a luta pela terra compreende uma práxis social sendo uma unidade inseparável de reflexão e ação.

 

       Indígenas apresentam suas escolhas sobre plano ambiental e indenizações

 

Seguindo os desdobramentos da ocupação dos trilhos da Vale pelas comunidades indígenas durante 43 dias entre setembro e outubro passados, a Justiça Federal realizou, em Santa Cruz, Aracruz, norte do Estado, a primeira etapa das reuniões de conciliação entre as aldeias Tupinikim e Guarani, a Fundação Renova e suas mantenedoras.

O objetivo, nesse primeiro momento, foi permitir que as comunidades apresentassem suas escolhas em relação à elaboração do Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI) e as indenizações pelos danos decorrentes do crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce, em 2015.

“Em resumo, todos querem indenizações individuais, respeitando as especificidades de cada aldeia”, relata o cacique Toninho, de Comboios. A escolha unânime reafirma um dos pontos da pauta reivindicatória das mobilizações nos trilhos ano passado. O estopim para a ocupação da ferrovia foi o corte do Auxílio de Subsistência Emergencial (ASE), equivalente ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) de atingidos não-indígenas, e o programa indenizatório considerado injusto pelas comunidades, que afirmam terem sido induzidas a aceitá-lo, sem o devido diálogo com os atingidos.

A respeito do PBAI, um dos compromissos de reparação ainda não cumpridos por parte das responsáveis pelo crime, algumas aldeias optaram por manter a empresa já contratada para concluir o trabalho, e as que ainda não iniciaram, querem escolher outra consultoria. “Cada comunidade vai protocolar sua posição junto ao juízo, respeitando suas realidades”, conta o cacique de Comboios.

A primeira das três reuniões de conciliação contou com a participação dos caciques de todas as aldeias Tupinikim e Guarani, bem como suas associações, os representantes da Renova e empresas mantenedoras, as instituições de Justiça que apoiam a luta dos atingidos – Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública Estadual (DPES), Ministério Público Federal (MPF) – além da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do perito do juízo da 4ª Federal, Frei Philip, que já havia visitado a ocupação dos trilhos em outubro, quando se comprometeu a levar as reivindicações indígenas até o juiz, Michael Procópio Alves Avelar.

As próximas reuniões estão agendadas para os dias 2 e 30 de março. Após essa rodada de oitivas, o magistrado irá tomar sua decisão em relação à elaboração dos PBAIs e do programa indenizatório mais apropriado para ser aplicado às comunidades indígenas.

“A Renova não aceita nossa posição, mas o que o juiz decidir, ela vai ter que cumprir”, pondera o cacique Toninho, confiante com o novo andamento das pautas. “A 4ª Vara está deixando as comunidades indígenas andarem com suas próprias pernas”, avalia.

Conquistas

O movimento de ocupação dos trilhos foi finalizado após as comunidades conquistarem o retorno do ASE, via decisão judicial, e o comprometimento de que as demais pautas seriam tratadas por intermédio da 4ª Vara Federal, entre elas a elaboração do PBAI e a revisão do processo indenizatório.

A ocupação durou 43 dias, reunindo milhares de indígenas Tupinikim e Guarani. A mobilização refletiu também na relação das comunidades com outras empresas que ocupam o território e seus arredores, como a Imetame, que retomou a elaboração do Estudo de Componente Indígena (ECI), que, apesar de pendente, não impediu que o licenciamento ambiental da expansão de seu porto fosse aprovado e as obras iniciadas. A comunicação da empresa a respeito do estudo foi feita em novembro, quando a Suzano também se pronunciou a respeito do PBAI referente ao Canal Caboclo Bernardo, construído na década de 1990. “Quem não entregou ou não se manifestou ainda, vai ser cobrado”, afirmou, na ocasião, o cacique de Comboios.

 

       Estudo sugere Amazônia à beira de um “precipício climático”

 

Um novo estudo publicado na revista Nature Climate Change estimou que a porção sudeste da floresta amazônica concentra sozinha 40% das perdas que podem ocorrer nos estoques de carbono em biomas tropicais devido à mudança do clima. Isso pode comprometer a capacidade da Amazônia de absorver mais carbono do que emitir, o que representaria um ponto de inflexão no processo de degradação da floresta e um petardo quase fatal às esperanças de conter o aquecimento global.

Em um cenário de aquecimento maior, a perda de capacidade de absorção de carbono por esses biomas tropicais seria de 20,1%. Já em um cenário mais ponderado, a redução estimada é de até 12%. Essas porcentagens podem parecer pequenas, mas os números absolutos e em escala são mais assustadores.

A cada 1oC de aumento da temperatura média global, o impacto na perda de fixação do carbono em biomas tropicais seria o equivalente a uma liberação 10 vezes maior que as emissões anuais do Brasil ou de quase metade das emissões globais anuais. Assim, de acordo com o estudo, a Amazônia pode estar à beira de um “precipício climático”, que ainda pode ser agravado com a continuidade do desmatamento.

“Compensa sim investir na conservação, porque as mudanças climáticas sozinhas não serão capazes de destruir os ecossistemas tropicais”, assinalou Paulo Brando, pesquisador do IPAM e professor da Universidade de Yale (EUA), um dos autores do estudo. “[Ao mesmo tempo] parte considerável das perdas irão ocorrer na Amazônia, em nível mais ou menos grave, afetando completamente a sociobiodiversidade. É urgente mitigar esse cenário de precipício climático com a redução das emissões globais e com o fortalecimento de medidas de conservação e adaptação”.

A revista Galileu e o site Um Só Planeta também abordaram os principais pontos do estudo.

Em tempo:

A promessa do Brasil para atingir a neutralidade líquida de suas emissões de carbono depende fundamentalmente da eliminação do desmatamento ilegal no país até o final desta década. Essa é a conclusão de uma nova análise sobre os desafios da transição energética brasileira, conduzida pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais, a COPPE/UFRJ, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O Valor deu mais detalhes.

 

       Municípios da Terra Yanomami receberam quase R$ 100 milhões no “orçamento secreto”

 

Nos últimos dois anos, cinco municípios de Roraima que abrangem o território Yanomami receberam cerca de R$ 96 milhões por meio do chamado “orçamento secreto”, revelou o site Metrópoles. Alto Alegre, Amajari, Caracaraí, Iracema e Mucajaí foram beneficiadas com emendas do relator-geral do orçamento (RP9), recebendo recursos sem a definição clara de seu destino.

O que se sabe é que esse dinheiro, de fato, não foi destinado ao atendimento médico dos Yanomami. “Quando procuramos atendimento, vamos para Boa Vista. Não é de interesse dos prefeitos ou dos vereadores, pois eles alegam que não temos título [de eleitor], que não votamos”, disse uma liderança indígena.

O parlamentar mais beneficiado pelas emendas do relator na região Yanomami foi Jhonatan de Jesus, com R$ 37 milhões. Filho do senador Mecias de Jesus, o deputado foi eleito na semana passada pelo Senado para uma vaga no Tribunal de Contas da União.

Representantes indígenas contestaram a escolha, já que o clã do parlamentar teria sido responsável pela indicação dos diretores de saúde indígena na Terra Yanomami sob o governo Bolsonaro no último ano. O Ministério Público Federal (MPF) acusa esses ex-servidores de corrupção, assinalando desvio de recursos que deveriam ter sido utilizados para a compra de remédios para as comunidades Yanomami. O UOL também abordou esse assunto.Por falar em parlamentares, a Folha informou que congressistas aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro estão planejando uma ofensiva pelo controle da pauta indígena no Congresso Nacional. A ideia dos bolsonaristas é defender projetos caros ao antigo governo, como a liberação da mineração em Terras Indígenas, além de ocupar espaços simbólicos para essa agenda no Legislativo, como a Comissão de Meio Ambiente e a Frente Parlamentar Indígena.

 

 

Fonte: Por frei Gilvander Moreira, em Combate ao Racismo Ambiental/Seculo Diário/ClimaInfo

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