quinta-feira, 9 de março de 2023


 Governo Lula: Questão de vida ou morte

Questão de vida ou morte para o governo Lula – mostrar, já em 2023 e 2024, que é capaz de melhorar a vida da população miserável e pobre e de aumentar os salários e o emprego. Por algum tempo, pode-se viver de promessas e discursos. Mas o período de carência não será longo. Logo virão as cobranças e, caso não atendidas, as decepções. Lula certamente sabe disso. E dá mostras de que tem pressa.

É possível fazer diferença já no curto prazo? Sim – ainda que exista um obstáculo poderoso: a autonomia ou independência do Banco Central (BC), cujo comando é exercido por um executivo financeiro indicado por Bolsonaro.

        Distribuir renda e reativar a economia

Os instrumentos para distribuir renda e reativar a economia são conhecidos em suas linhas gerais. O próprio presidente da República referiu-se a eles na campanha, depois de eleito e depois de empossado. Destaco três: a aumento do salário mínimo, a ampliação do bolsa família e a correção da tabela do imposto de renda, com o aumento da faixa de isenção.

Essas três providências matam dois coelhos com uma cajadada – desconcentram a renda nacional e, ao mesmo tempo, estimulam a economia. Ao aumentar a renda disponível dos mais pobres, diminuem a miséria, a fome e a pobreza, melhorando imediatamente a distribuição da renda nacional. Além disso, têm impacto expressivo sobre a atividade econômica e o emprego, uma vez que a propensão marginal a consumir dos mais pobres é elevada, próxima de um. Admitindo-se que exista capacidade produtiva ociosa na economia, o multiplicador keynesiano associado a essas providências será alto. Sem jargão e em uma frase: como os pobres gastam toda ou quase toda a renda adicional que recebem, é grande o efeito dinamizador sobre a economia de medidas que aumentem a sua renda.

Como fazer? O salário mínimo deve ser elevado paulatinamente, ano após ano, em termos reais, começando já em 2023. O bolsa família, que está sendo recuperado agora, inclusive o cadastro único, dos estragos cometidos durante o governo Bolsonaro, deve ser ampliado gradualmente, a partir de 2024. Isso poderia ser feito de várias maneiras: garantindo a inclusão de todos os que têm direito ao benefício, aumentando gradualmente o benefício médio em termos reais e ampliando aos poucos o alcance do programa pela elevação da faixa de corte.

O congelamento da tabela progressiva do imposto de renda pessoa física, que ficou sem correção por anos, criou distorções sérias. Com a inflação persistente, os salários foram migrando para faixas mais altas de tributação, mesmo sem aumentar em termos reais, até caindo em termos reais em alguns casos. Resulta que hoje o imposto de renda chega a incidir sobre salários muito baixos: as alíquotas marginais são de 7,5% e 15% para as faixas mais baixas de rendimento, até R$ 2.827 mensais. Cabe então começar a corrigir a tabela, elevando gradualmente a faixa de isenção e as demais faixas de tributação.

        Um banqueiro central

Simples? Parece, mas não é. Vamos tentar resumir o contra-argumento de um banqueiro central. Exaltado dirá: “Mas essas medidas terão consequências macroeconômicas terríveis. Prejudicarão as contas públicas, aumentarão a inflação e desequilibrarão as contas externas do país!”. Se for dado à hipocrisia, ainda acrescentará compungido: “E o pior é que no final das contas, o povo é que pagará, uma vez que a inflação prejudica sobretudo os mais pobres”. E correm as lágrimas de crocodilo.

Bem, pergunte, querido leitor, ao pobre, ao miserável que está na emergência e recebe o aumento do salário mínimo, que ganha com a ampliação do bolsa família ou que passa a pagar menos imposto de renda, pergunte por favor se ele perde o sono com o hipotético aumento da inflação e do imposto inflacionário que sobre ele incidirá. As lágrimas de crocodilo do banqueiro central não o comoverão.

Mas não quero fazer uma caricatura simplória do nosso respeitável BC. As suas preocupações são relevantes e merecem atenção. Não convém descartá-las sumariamente, como fazem os ortodoxos, dogmáticos que tendem a ser, com os argumentos dos seus adversários. São meias verdades. E a meia verdade, como escreveu Tennyson, é mais perigosa do que a mentira pura e simples.

        Contas públicas e risco fiscal

Convém reconhecer, primeiramente, que as medidas acima referidas afetam as contas públicas primárias, por aumento de despesa ou perda de arrecadação, e podem dar margem a alertas sobre o “risco fiscal”. Deve-se avaliar com cuidado o impacto de cada medida no resultado primário do governo e, por extensão, no endividamento do setor público.

Não se pode, porém, perder de vista que as três providências se autofinanciam, pelo menos em parte, ao gerar expansão do PIB, das vendas e do emprego (isto é, das bases de arrecadação dos tributos) e reduzir certas despesas, como o seguro-desemprego. O grau de autofinanciamento estará na razão direta da ociosidade na economia, da propensão marginal a consumir dos mais pobres, do multiplicador keynesiano e da elasticidade da receita em relação ao PIB, entre outros fatores. Nada impede, além disso, que o impacto fiscal seja neutralizado por tributação dos super-ricos. Seria a reforma tributária Robin Hood, temida pelo empresário Abílio Diniz.

Mesmo que o autofinanciamento seja parcial e que não se mostre possível contrabalançar inteiramente o aumento de gastos e a perda de receita com impostos sobre os super-ricos, não será o fim do mundo. Um aumento do déficit primário e da dívida pública, desde que não explosivo, pode ser aceitável e não levará necessariamente à instabilidade da economia.

        Excesso de demanda?

Haveria risco de excesso de demanda? Ponto óbvio que não pode ser esquecido: se não existir capacidade ociosa (desemprego da força de trabalho e das instalações produtivas) ou se ela for ocupada rapidamente, haverá, sim, excesso de demanda e pressão inflacionária. E, pior, as pressões inflacionárias, via pontos setoriais de estrangulamento, tenderiam a se manifestar antes do pleno emprego.

Essas pressões podem ser neutralizadas, pelo menos em parte, recorrendo a importações ou desviando exportações para o mercado interno? Sim, mas ao preço de deterioração das contas externas. De fato, como advertiu nosso banqueiro central, a expansão da demanda tende a resultar em aumentos das importações de bens e serviços e diminuição do excedente exportável, com impacto adverso sobre a balança comercial e o balanço de pagamentos em transações correntes.

Se o desequilíbrio em conta corrente ultrapassar certos limites, difíceis de precisar ex ante, o resultado pode ser um aumento perigoso da vulnerabilidade externa do País – tanto mais se o BC responder às medidas fiscais expansionistas com aumento da taxa de juros. A apreciação cambial induzida pelos juros reforçará o desequilíbrio externo. E os juros altos elevarão diretamente o custo da dívida pública interna.

Vamos trazer para a nossa conversa uma outra voz: um heterodoxo, digamos um jovem economista que não tenha vivido e nem estudado o Plano Cruzado de 1986. Ele dirá, enfático, numa inversão da notória Lei de Say, estigmatizada por Keynes, que “a demanda cria a sua própria oferta”. Vale dizer: que a demanda agregada em expansão estimula uma reação da oferta agregada, isto é, da capacidade produtiva da economia. Como? Por exemplo: trabalhadores desalentados, fora da população economicamente ativa, serão induzidos a voltar ao mercado de trabalho. Os empresários, verificando que a capacidade ociosa das suas instalações está diminuindo e (qualificação importante) tiverem confiança de que não se trata de um surto insustentável de vendas, responderão aumentando os turnos de trabalho, contratando novos empregados e fazendo pequenos investimentos e adaptações marginais nas suas linhas de produção. Num segundo momento, farão investimentos novos, abrindo novas fábricas ou aumentando a produção das fábricas existentes, incorporando novos métodos e novas tecnologias de produção. Assim, não haveria, em tese, porque se preocupar com a expansão da demanda.

Não está errado o que diz o nosso jovem heterodoxo. Só um problema, e não é pequeno: é provável que a expansão da demanda agregada seja mais rápida do que a expansão da oferta agregada induzida por ela. Passada a fase de adaptações marginais, a expansão da oferta via investimentos novos é mais demorada, ou seja, a oferta agregada se torna inelástica no curto prazo. Persiste, portanto, o risco apontado pelo nosso banqueiro central.

        Mitigação de riscos

O que fazer para mitigar esses riscos? Duas coisas, pelo menos. Primeira: fazer tudo passo a passo, testando a temperatura da água: aumento gradual do mínimo, expansão em etapas do bolsa família e correção em etapas da tabela do imposto de renda. O gradualismo permite ir avaliando os efeitos das medidas de distribuição de renda e reativação da economia sobre a demanda, a inflação, as contas externas e as contas públicas.

Mas, atenção, tem que ser um “gradualismo chocante”, como ironizou Mario Henrique Simonsen em outro contexto, ao defender o gradualismo por oposição ao tratamento de choque no combate à inflação nos anos 1970. Gradualismo chocante, e não a passo de cágado.

Segunda coisa: acompanhar com o máximo de cuidado, semanalmente se possível, todo um amplo conjunto de indicadores, inclusive antecedentes, sobre a conjuntura econômica interna e externa (produção, vendas, capacidade ociosa na indústria, estimativas de produto potencial, mercado de trabalho, emprego, desemprego, rendimentos do trabalho, indicadores de investimento, indicadores de confiança, resultado das contas públicas, medidas diversas de inflação, inclusive tendenciais, evolução da balança comercial, das contas externas correntes e das reservas internacionais, comportamento e perspectivas da economia internacional e assim por diante). Repare, leitor, que não se trata de seguir modelos ou regras simples, mas de avaliar com discernimento e espírito crítico uma grande variedade de informações sobre o estado da economia.

O BC e a Fazenda já fazem esse acompanhamento da conjuntura. Convém aperfeiçoá-lo e – ponto importante – discutir em conjunto as avaliações dos dois órgãos, confrontando informações e coordenando as ações do BC e da Fazenda.

E que não se venha, por favor, com essa conversa de BC autônomo ou independente. Em todos os países que se prezam, o BC coordena suas ações com as do Tesouro. Banqueiros centrais que não entendem isso são gentilmente convidados, cedo ou tarde, a pedir as contas.

 

       Lula no tempo certo. Por Tarso Genro

 

Maquiavel no seu Livro VII do Da arte e da guerra diz que os príncipes italianos não compreendiam a necessidade de fazer as coisas no tempo certo “antes de experimentar os golpes dos guerreiros ultramontanos”. Imaginavam que o exercício de uma “resposta mordaz” e os “discursos de sutileza” poderiam lhes dar segurança para um mando sem sobressaltos, sem entender que poderiam se tornar “presa do primeiro assaltante.” E foi assim – prossegue o grande teórico da política moderna – “que três dos mais poderosos Estados italianos foram várias vezes pilhados e saqueados.” Penso que Lula, com esta viagem aos EUA, comprova que está fazendo as coisas no tempo certo, o que me faz lembrar que o tempo de dar à segurança pública e à segurança do Estado a importância devida não pode ser um tempo longo.

No território Yanomami estão presentes vários problemas da globalização financeira do mundo, que, se é verdade que não foram previstos na estrutura do Estado – para serem atacados dentro dos limites do Direito Internacional e da nossa legalidade interior – não quer dizer que não existam. E não quer dizer que deixem de ser um poderoso acúmulo de fatos, que obrigam a reorganização das nossas defesas, em torno da soberania territorial nacional e da própria segurança do país: Segurança nacional, soberania territorial, segurança pública e segurança do Estado, nas suas funções de polícia e de proteção de direitos, estão ali vinculadas de forma plena e incontornável, até chegarem ao estatuto de naturalização de um genocídio.

No espaço do território Yanomami estão os grandes esquemas de depredação das condições ambientais, do tráfico de drogas, violação dos direitos das comunidades originárias, convivendo com a organização de regimes escravocratas de exploração do trabalho, tráfico de pessoas e animais silvestres, onde transita a circulação ilegal de vultuosas somas de dinheiro, rapidamente destinadas a circuitos “legais”, em transações internacionais obscuras, suspeitas ou simplesmente criminosas.

O contrabando e o roubo de riquezas naturais ganharam, a partir do garimpo estimulado por Jair Bolsonaro, cada vez mais espaço naquele território da nossa soberania, ocupado ilegalmente por grupos mafiosos – nacionais e internacionais – que instrumentalizam pessoas comuns para serem vanguarda de um processo de acumulação privada, sem lei e sem fronteiras. Na terra, entre o delírio da riqueza e a brutalidade dos bandeirantes da pós-modernidade, está o espírito do capitalismo periférico liquidando os Yanomamis. Cesare Pavese diria, vendo os olhos das meninas e meninos mortos, que às vezes “dá vontade de devolver o bilhete de entrada no universo”!

A penetração da “razão instrumental” – exercício de poderes sem abrigo em valores da comunidade política – no âmbito do sistema de poder moderno, já foi estudada de forma concreta por Maquiavel. Num exercício arriscado para atualizar seus conceitos pode-se dizer que aquela mesma “razão instrumental” – entrevista pelo veneziano – foi fortalecida e atualizada pela coerção dos organismos financeiros globais sobre o Estado, desnudando o déficit de organização da democracia liberal. Assim, mostrando como ela tem sido falha em atualizar os mecanismos de poder nacional estruturados na Constituição Federal de 1988, ainda sob o impulso da “guerra fria”.

O controle do território, a segurança do Estado e a segurança pública, compõem hoje a mesma ordem de problemas que refletem na segurança nacional, até hoje orientada para combater “ideias que vem de fora para alimentar grupos subversivos que estão dentro”, argumentos que – na verdade – se destinavam a proteger privilégios coloniais-imperiais, cada vez que a democracia permitia avanços sociais para os “de baixo.” Ocorre que hoje, “o dentro” e “o fora” não mais existem, nas questões fundamentais: são um mesmo tecido incindível de criminalidade comum, financeira e política, que opera em conjunto no espaço nacional e global.

Em nome de um anticomunismo para idiotas, Jair Bolsonaro se apropriou dos conceitos vencidos da “guerra fria” e passou a abrigar militares dentro do seu governo, para que ele pudesse se associar e associar seletivamente, alguns deles, a esta criminalidade, para torná-la então permanente, através de um golpe de Estado. Esta tentativa, de uma só vez, desmoralizou uma boa parte das nossas Forças Armadas e parte significativa dos aparatos de inteligência e segurança do nosso país, que simplesmente nada fizeram contra o genocídio Yanomami.

No Brasil, o desenvolvimento tecnológico (técnico e econômico, criminoso ou não) – neste momento – entra em franca contradição com a “racionalidade prático-moral da Constituição”, como ocorre em todas as sociedades que resistem ao assédio fascista. É que a estrutura do Estado não gerou instrumentos de defesa para situações novas, das quais é um exemplo o ocorrido no território Yanomami: indefeso, embora pacificado como território nacional e declarado na Constituição propriedade da União (art. 20 XI da Constituição Federal) – com direito de usufruto e posse para os indígenas (art. 231, par. 2º Constituição Federal).

É de esperar que o Presidente Lula retome o mais breve possível a ideia de compor um forte Ministério de Segurança Pública, que consiga abarcar as múltiplas e novas funções federativas e globais que, juntamente com as Polícias, os órgãos de inteligência do Estado e as demais estruturas com afinidade – com o apoio total das nossas Forças Armadas – possa ser um órgão superior de sustento institucional da segurança do Estado, na sua soberania em relação aos sistema de criminalidade global, e da segurança pública no país, como questão federativa de primeiro nível.

A questão que se coloca como estratégica, para que o Brasil possa compor uma irmandade sul-americana em defesa da democracia, é aglutinar em torno de alguns princípios a maioria significativa dos países da América do Sul, que respeitem as regras do jogo democrático. Não permitir uma reedição da barbárie que foi encetada contra o Yanomamis é uma preliminar essencial de credibilidade perante o mundo.

Voltar o Ministério da Justiça para a sua missão histórica de coordenação das grandes políticas de Estado, na sua conexão permanente com os demais Ministérios e Secretarias de defesa de direitos e na sua relação com os poderes da República, é o segundo degrau do diálogo universal aberto neste momento. Coisa de estadista. Não de sociopatas que fazem “arminha”.

 

Fonte: Por Paulo Nogueira Batista Jr., em Terapia Política/A Terra é Redonda

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