Flávio Dino não
eximiu o governo de combater armas ilegais, ao contrário do que é dito nas
redes sociais
É
enganoso que o ministro da Justiça tenha se eximido da responsabilidade pelo
combate ao armamento de traficantes no país, como sugere trecho de vídeo que
circula nas redes sociais.
• Investigado por:
Estadão,
A Gazeta e Grupo Sinos
• Enganoso:
É
enganoso que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, tenha se
eximido da responsabilidade pelo combate ao armamento de traficantes no país,
como sugere trecho de vídeo descontextualizado que circula nas redes sociais.
Na gravação original, o ministro afirma que o recadastramento de armas no
Brasil fornecerá informações para auxiliar no desenvolvimento de operações para
apreensão de armas ilegais. Este trecho da entrevista foi omitido da peça de
desinformação.
• Conteúdo investigado:
Postagens
que utilizam, de forma descontextualizada, trecho de entrevista em vídeo com o
ministro da Justiça, Flávio Dino, para sugerir que ele teria dito que o combate
às armas dos traficantes, por serem ilegais, não seria de competência do
governo federal.
• Onde foi publicado:
Twitter,
Facebook, Instagram, TikTok e Kwai.
• Conclusão do Comprova:
São
enganosas as publicações em redes sociais que descontextualizam uma entrevista
com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para alegar que ele
teria eximido o governo federal da responsabilidade de combater o armamento de
traficantes.
No
vídeo compartilhado, o ministro diz: “’Mas e as armas dos traficantes?’. Ora, as
armas dos traficantes são ilegais, óbvio, então óbvio que eles não vão
cadastrar, então isso não é uma cobrança que se dirija a nós”. Em uma das
postagens, é acrescentada uma legenda sustentando que Dino afirmou que as armas
legais são de competência do governo, mas as ilegais não.
Quando
fez a afirmação que viralizou, Dino falava ao jornal Correio Braziliense sobre
o recadastramento de armas – medida adotada na sua gestão e que está em
andamento no país desde fevereiro. Na ocasião, o ministro se referia a
questionamentos que apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) costumam
fazer em suas redes sociais. Este trecho foi omitido da peça de desinformação.
No
vídeo original, mais extenso, publicado pelo veículo de comunicação no YouTube,
o ministro defende que essas perguntas deveriam ser dirigidas ao governo
Bolsonaro, e não ao governo Lula. Segundo Dino, a administração anterior não
combateu o problema das armas nos últimos anos, já que as mudanças feitas na
legislação facilitaram o acesso a armamentos e munições, ampliando o número de
armas nas mãos de criminosos.
Dino
argumenta que a medida de recadastramento das armas vai possibilitar ao governo
rastrear pessoas que compraram peças de uso restrito que não estão mais em
posse delas. A partir desses dados, adianta o ministro, serão organizadas ações
de recuperação dos objetos, ou seja, ele deixa claro que o governo pretende
agir para apreender armamentos ilegais.
Enganoso,
para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de
modo que seu significado sofra alterações.
• Alcance da publicação:
O
Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais.
O corte do vídeo teve milhares de compartilhamentos em diferentes plataformas e
foi amplificado por contas que possuem grande engajamento.
No
Facebook do ex-presidente Bolsonaro, por exemplo, as imagens foram visualizadas
83 mil vezes e receberam 14,4 mil interações, entre comentários e reações. No
Twitter dele, foram mais 27,7 mil curtidas, 461 comentários e 5,4 mil retuítes.
Na mesma plataforma, mas na página do deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ),
houve mais 9,8 mil interações e 120,3 mil visualizações. No Instagram do
parlamentar, foram 133 mil visualizações no vídeo e 15,9 mil curtidas. Os
números foram extraídos das plataformas pelo Comprova em 22 de março.
• O que diz o responsável pela publicação:
O
Comprova procurou as assessorias de imprensa do deputado Carlos Jordy e de Jair
Bolsonaro, mas não houve retorno. Allan Frutuozo, cujo usuário no Twitter (@AllanFrutuozo)
aparece como uma marca d’água sobre as imagens do vídeo compartilhado, também
foi procurado, mas não enviou posicionamento até a publicação desta checagem.
• Como verificamos:
A
partir do vídeo compartilhado nas redes sociais, foram feitas buscas reversas
de imagem, utilizando a ferramenta InVid, na tentativa de encontrar o vídeo
original. Sem sucesso, partimos em busca de pistas. Elencamos possíveis
contextos para o discurso do ministro, lemos comentários nos posts checados e
observamos as publicações recentes na conta de Flávio Dino no Twitter. Não
houve avanços significativos.
Pelo
cenário, imaginamos tratar-se de uma coletiva de imprensa (quando uma
autoridade fala a jornalistas) e pesquisamos palavras-chave relacionadas ao
assunto, como “Flávio + Dino + coletiva”, no Google Vídeos. Passamos a
procurar, entre os resultados, elementos semelhantes aos existentes no vídeo
analisado, como: a posição do ministro (que aparece sentado), a janela atrás
dele e detalhes da vestimenta, como camisa branca e gravata vermelha listrada.
Assim,
rolando a página e comparando os vídeos, localizamos a versão original,
publicada pelo jornal Correio Braziliense no YouTube. Além do cenário e da
vestimenta compatíveis, o assunto relacionava-se ao abordado no vídeo
analisado. Com o link encontrado, verificamos a transcrição do vídeo e
encontramos, aos 7 minutos e 33 segundos, o trecho viralizado.
Por
fim, contatamos a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça.
• Vídeo é recorte de entrevista sobre
recadastramento de armas
O
vídeo que circula nas redes sociais é um recorte de uma entrevista exclusiva
concedida pelo ministro ao Correio Braziliense, publicada em trechos no
YouTube, em 26 de fevereiro. Nela, Dino fala sobre o recadastramento de armas,
determinado pelo governo federal e iniciado em 1º de fevereiro. Conforme diz
ele, a medida foi necessária para a organização do cadastro devido aos altos
indícios de fraude e de inconsistências cadastrais.
Ao
longo da entrevista, de pouco mais de 9 minutos, ele critica o aumento
repentino de registros para colecionadores, atiradores desportivos e caçadores
(CACs) nos últimos anos. Para o ministro, a compra de armas por essa modalidade
foi a forma encontrada para o acesso a elas por pessoas que não conseguiam
emitir o porte por meios comuns. Ele defendeu que o problema do governo não é
com os verdadeiros CACs, mas com fraudadores, chegando a citar que estes vendem
armas e munições ao crime organizado.
De
fato, há registro de ocorrências dessa natureza. Em janeiro de 2022, o Estadão
noticiou a apreensão de um arsenal na zona norte do Rio de Janeiro, que seria
de um colecionador que estaria fornecendo armas a criminosos, principalmente
ligados ao Comando Vermelho, segundo investigações. Em junho do mesmo ano, a
Folha de S.Paulo informou que, durante operações de combate ao crime organizado
no transporte público, a Polícia Civil de São Paulo apreendeu fuzis e
submetralhadoras em endereços supostamente ligados ao PCC. Todo o armamento
estava registrado legalmente em nome de CACs. Em julho, foi divulgado pelo
mesmo jornal que um membro do PCC obteve certificado de registro de CAC no
Exército Brasileiro, mesmo tendo uma ficha corrida com 16 processos criminais.
De
acordo com o ministro, o recadastramento está sendo feito para que armas de uso
restrito sejam apresentadas fisicamente à Polícia Federal. “Virou meio de vida
para muita gente. Já foram desbaratadas quadrilhas vendendo registros falsos e
armas. A ideia é distinguir o CAC verdadeiro, que continuará a existir, de
criminosos que não querem a revisão”, declarou.
• Dino quer intensificar operações para
apreensão de armamento ilegal
A
partir de 6 minutos e 2 segundos, o ministro começa a falar sobre o assunto
viralizado nas redes sociais, mas que foi descontextualizado. Para Dino, o
número de pessoas interessadas em fazer o recadastramento subiria na reta
final, o que de fato aconteceu, já que a pasta atingiu, no dia 20 de março, a
meta de recadastrar mais de 80% das armas particulares no país. De um total de
762.365 armas registradas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma)
mantido pelo Exército, 613.834 haviam sido recadastradas até a data. O prazo
termina em 3 de abril.
Ao
tratar do assunto, ele destaca ser impossível atingir 100% de recadastramento,
porque as armas que estão na ilegalidade não aparecerão no recenseamento e
destaca que, a partir do cenário encontrado, será possível traçar estratégias
para apreensão dessa parcela de peças. “Você vai ter pela primeira vez em anos
um retrato real do que é o armamentismo no Brasil e vai saber, olha, essas
armas são legais, as pessoas preenchem os requisitos, e por conseguinte todas
essas outras aqui são ilegais, e claro que você precisa partir para as
operações de apreensão”, destacou.
A
partir de 7 minutos e 31 segundos, o ministro comenta que apoiadores de
Bolsonaro alinhados à extrema direita costumam questioná-lo, em suas redes
sociais, sobre os armamentos ilegais. É nesse momento que Dino faz a afirmação
que vem sendo compartilhada isoladamente de forma enganosa: “’Mas e as armas
dos traficantes?’. Ora, as armas dos traficantes são ilegais, óbvio, então
óbvio que eles não vão cadastrar, então isso não é uma cobrança que se dirija a
nós”.
As
publicações enganosas nas redes sociais suprimem o trecho seguinte, no qual Dino
afirma que essa cobrança “se dirige a quem esses anos todos não combateu
adequadamente a existência dessas armas ilegais onde não deviam. E essas armas
ilegais vieram em larga medida de onde? Dessas janelas, dessas avenidas que
abriram para o armamentismo no Brasil”, referindo-se às medidas do governo
Bolsonaro que ampliaram o acesso às armas.
Ao
contrário do que fazem parecer as publicações enganosas, o ministro não foge da
responsabilidade sobre o problema. Ele defende que o recenseamento vai possibilitar
rastrear pessoas que compraram armas de uso restrito que não estão mais em
posse delas, e essas pessoas deverão explicar o destino das peças.
Ao
contrário do que fazem parecer as publicações enganosas, o ministro não foge da
responsabilidade sobre o problema. Ele defende que o recenseamento vai
possibilitar rastrear pessoas que compraram armas de uso restrito que não estão
mais em posse delas, e essas pessoas deverão explicar o destino das peças.
A
partir disso, afirma, serão organizadas ações de recuperação dos objetos.
“Vamos esperar o fim (do recenseamento) e aí a gente vai ter um retrato
concreto, aí nós vamos poder, em relação aos (registros) legais, que sigam sua
vida, e em relação aos ilegais intensificar as operações, o que nós já estamos
fazendo”, diz, citando uma operação que apreendeu armas na Baixada Fluminense
(RJ).
O
Ministério da Justiça foi procurado pelo Comprova, mas não respondeu até a
publicação desta verificação.
• O que podemos aprender com esta
verificação:
É
comum que disseminadores de peças de desinformação retirem de contexto
conteúdos legítimos para apoiar narrativas enganosas. Conteúdos legítimos
usados em falsos contextos são verossímeis e mais facilmente aceitos.
Para
não se deixar enganar é importante observar se um conteúdo está sendo
compartilhado na íntegra e, caso pareça não estar, tentar buscá-lo na origem,
seja por ferramentas de busca, como o Google, ou consultando sobre o assunto
junto à imprensa profissional.
• Por que investigamos:
O
Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos
de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre
investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e
engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11
97045-4984.
• Outras checagens sobre o tema:
Flávio
Dino já foi alvo de diversos outros conteúdos de desinformação, como o
recém-publicado pelo Comprova mostrando ser enganoso que ele se reuniu com
criminosos em comunidade carioca. Recentemente, o projeto apontou também ser
enganoso um post de Carlos Bolsonaro (PL) que o acusava de defender o uso de
cloroquina contra a covid-19. Outras iniciativas de checagem, como a Agência
Lupa e o Boatos.Org, demonstraram ser falsa a afirmação de que ele apareceria
em um vídeo com um “terrorista” de Brasília e não ser verdade que o ministro
responde a 277 processos na Justiça.
• Verificado por:
Folha
de S. Paulo, O Popular e Plural Curitiba
Com coração partido, Bolsonaro entrega
para a PF fuzil e pistola ganhos dos Emirados Árabes
Após
a emissão de uma guia de tráfego do Exército, o advogado Paulo Cunha, que
representa Jair Bolsonaro (PL), acompanhado do subtenente do Exército, Osmar
Crivelatti, entregaram na manhã desta sexta-feira (24/03) as armas que o
ex-presidente recebeu como presente do governo dos Emirados Árabes Unidos, na
sede da Polícia Federal (PF) em Brasília.
O
subtenente transportava uma bolsa com as armas recebidas das autoridades árabes
em 2019. O presente, um fuzil da marca Caracal, modelo CAR 816, calibre 5,56
mm, com o nome de Bolsonaro gravado, é avaliado em cerca de R$ 40 mil, sem
contar a customização realizada. A outra arma é uma pistola automática, da
mesma marca, modelo 1911, de calibre 9x19mm.
A
PF confirmou a entrega dos equipamentos pelos emissários de Bolsonaro e, em
nota, disse que recebeu “as armas presenteadas pelos Emirados Árabes Unidos à
autoridade em viagem ao país”, e que os armamentos serão periciados e ficarão à
disposição do Tribunal de Contas da União (TCU).
As
armas foram presente de um príncipe de uma das famílias reais dos Emirados
Árabes Unidos e teriam sido recebidas por uma terceira pessoa, que foi
encarregada de entregar o armamento ao ex-presidente já dentro do avião da
Força Aérea Brasileira (FAB) na volta ao país.
Bolsonaro
afirmou em suas redes sociais, em 2021, que teria ao menos dois fuzis em casa,
à época no Palácio do Alvorada, residência oficial da presidência da República,
e que, inclusive, mantinha um deles em seu quarto. “Eu tenho dois fuzis em
casa. Se a mulher sair do quarto, tudo bem. Mas o fuzil fica lá, ele não
sai".
A
devolução do armamento acontece depois de uma decisão do TCU, que obrigou o
ex-chefe do Executivo a devolver presentes protocolares recebidos durante o
mandato. Ainda nesta sexta, mais cedo, um dos pacotes de joias recebidos da
Arábia Saudita foi entregue em uma agência de penhores da Caixa, na Capital
Federal.
Fonte:
Projeto Comprova/Correio Braziliense
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