quinta-feira, 30 de março de 2023

Entenda o conflito entre Lira e Pacheco por conta da tramitação de MPs no Legislativo

Segue em alta no cenário político a disputa envolvendo os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em torno da tramitação de medidas provisórias (MPs) no Congresso Nacional. Ainda sujeitas a um rito especial adotado durante a pandemia, tais matérias agora são alvo de uma queda de braço que tem paralisado os trabalhos nas duas casas e criado problema para ambos os lados e também para o governo Lula.

O conflito teve início em fevereiro, quando Pacheco decidiu pelo retorno dos trabalhos das comissões mistas que avaliam MPs, o que incomodou deputados que o acusaram de tomar uma decisão unilateral. Antes de estourar a crise sanitária decorrente da covid-19, o fluxo das MPs no Congresso envolvia, em primeiro lugar, a avaliação do texto por um colegiado do tipo, formado sempre por 12 senadores e 12 deputados. Na sequência, após o aval do grupo, a medida era analisada separadamente por cada casa legislativa, sendo a Câmara a primeira a votar o texto. O modelo era atrelado também a uma regra específica: a relatoria das MPs era obrigatoriamente revezada entre Câmara e Senado.

Ocorre que o início da pandemia fez com que o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizasse um rito mais célere para o andamento dos trabalhos em torno das MPs, anulando temporariamente a análise dos textos por parte de comissões mistas e, portanto, permitindo que houvesse apreciação direta do plenário. O formato foi uma saída encontrada pelo Legislativo para que a resposta às demandas relacionadas à crise sanitária acompanhasse o ritmo das necessidades do momento.

Foi também uma forma de administrar com mais eficiência o trabalho virtual gerado pela pandemia, que fez com que os quase 600 parlamentares do Congresso pudessem votar os textos diretamente das suas bases estaduais. Na época, apenas os líderes das bancadas e outros personagens mais diretamente ligados a cada agenda do momento vinham a Brasília (DF) para acompanhar presencialmente as votações.

O rito mais veloz de tramitação fez com que o presidente da Câmara ganhasse mais poder pelo fato de ter passado a indicar todos os relatores de MPs, uma vez que a Casa é sempre a porta de entrada das matérias. Lira também passou a ter maior controle sobre o tempo de tramitação desse tipo de medida, que é enviada pelo Poder Executivo ao Legislativo sempre com prazo de 120 dias para votação, sob pena de invalidação caso não seja apreciada a tempo.

Por ser a segunda casa a receber os textos, o Senado acabou ficando com menos tempo para discutir as MPs e, por conta da pressão pela rápida aprovação, tornou-se um mero carimbador das decisões tomadas pelos deputados. “Desde que o Lira assumiu a presidência ele tem encaminhado, em média, MPs com um prazo razoável de debates para o Senado, mas esses prazos dentro do Senado ficaram meio atabalhoados. Os senadores passaram a dispor de menos tempo de análise do que a Câmara, e isso, evidentemente, prejudica o bom caminhar, o bom trâmite de deliberação das MPs”, observa o cientista político Leonel Cupertino.

·         Contexto

O doutor em ciência política Leandro Gabiati aponta que o conflito entre Lira e Pacheco tem um pano de fundo composto por diferentes elementos. Um deles seria o que chama de “reposicionamento do Senado” após a vitória de Lula (PT) nas urnas em outubro. O analista lembra que, durante a gestão Bolsonaro, o presidente da Câmara se alçou a personagem mais influente da República.

Em um país que tem tradição de Poder Executivo forte, Lira se tornou condutor de algumas das principais decisões tomadas na política nacional nos últimos anos. O cenário foi marcado não só pelo rito extraordinário adotado para as MPs na pandemia, mas especialmente pela criação do chamado “orçamento secreto”, política de distribuição de verbas públicas a parlamentares que ficou a cargo do deputado alagoano, e não do chefe do Executivo, conforme ocorria antes no país.

Gabiati resgata ainda as mudanças político-institucionais que o Brasil viveu a partir do contexto que gerou o impeachment de Dilma Rousseff (PT), ocorrido em 2016, que acabaram por provocar um fortalecimento gradual do Legislativo ao longo da história recente. Com a concentração do poder no presidente da Câmara, Pacheco estaria em busca de voltar a dividir o protagonismo com Arthur Lira.

“Você tinha [nos últimos anos] um Senado que, por conta do Bolsonaro, virou opositor. O Senado ocupou o segundo plano e, inclusive, Pacheco foi uma figura que supostamente atrapalhava aquilo que o Bolsonaro [queria] e que o Lira aprovava na Câmara. Agora, com o Lula, o Senado se reposiciona como um aliado importante [do governo], e aí tem o Lira, que não quer nessa reacomodação perder status no triângulo entre presidência, Câmara e Senado,” resume Gabiati.  

·         Governo Lula

Se é consenso entre especialistas a leitura de que o embaraço relacionado à tramitação das MPs tem prejudicado as duas casas legislativas por conta do travamento da pauta de votações no Congresso, também é praticamente unânime, nos bastidores, a compreensão de que os ecos do conflito chegam ao governo Lula, afetando os interesses da gestão no Legislativo. Em primeiro lugar, a falta de harmonia entre as duas casas afeta a composição da base do governo, que ainda não tem uma tropa organizada para atuar em seu favor. Cupertino observa, nesse cenário, uma espécie de retroalimentação entre os dois problemas.

“Eu acho que essa disputa entre as duas casas funciona mais como um pano de fundo de um problema que nasce do próprio governo: estamos às vésperas do centésimo dia de gestão e, pelo menos do ponto de vista legislativo, o governo ainda não começou. O que você tem é o Planalto editando MPs e fazendo relançamento de programas que são muito importantes e que são a marca dos governos do PT, mas essas medidas sequer foram ainda colocadas em apreciação, seja em comissão mista, seja nos plenários, porque o governo não tem ainda uma base bem definida”, analisa.  

Em segundo lugar, há uma lista de mais de 20 medidas provisórias pendentes de votação na Câmara, sendo boa parte delas ainda da administração de Bolsonaro. Como o regimento determina que as MPs devem ter prioridade na agenda de votações do Congresso e o impasse entre Lira e Pacheco ainda não se resolveu, o conflito acabou provocando uma espécie de congelamento da pauta. Na última quinta (23), Lira anunciou para esta semana um esforço concentrado que prevê a apreciação de 13 MPs até quinta (30). Quatro delas já foram votadas até o momento.

Entre as MPs do governo Lula que aguardam apreciação na fila, estão algumas das mais importantes da atual gestão, como a MP 1.164/2023, que criou o Bolsa Família e a MP 1154/2023, que remodelou a estrutura dos ministérios. “A paralisia decisória nunca é conveniente para ninguém. Apesar do enfraquecimento da figura do presidente da República nos últimos tempos no Brasil, o sistema adotado no país continua sendo o presidencialismo, por isso acho que o governo não tem como se eximir da responsabilidade de fazer com que esses atores se entendam, até porque ele é o principal interessado no entendimento entre as casas”, ressalta Gabiati.

Se, por um lado, a administração do PT tem interesse em um trâmite mais célere das MPs, por outro, Lula tem evitado publicamente o assunto por entender que a gestão não pode comprometer a relação com nenhum dos mandatários do Congresso. Apontado por alguns atores como omisso diante do conflito, o chefe do Executivo tem feito alguns movimentos de tom mais discreto. No final da tarde de terça (28), por exemplo, o assunto foi um dos pontos de pauta de uma reunião entre o petista e Pacheco. Ao final do encontro, o presidente do Senado afirmou, em nota pública, ter dito a Lula que estaria em “busca de um consenso”.  

Na mesa de negociações entre os presidentes das duas casas legislativas, figuram algumas possibilidades. Uma delas seria a proposta feita por Lira de alteração da composição das comissões mistas de MPs. O presidente da Câmara propôs a votação de uma resolução que preveja um maior número de deputados do que de senadores. A argumentação de Lira é de que, por ter um número maior de parlamentares, a Câmara, que tem 513 membros enquanto o Senado tem 81, mereceria uma representatividade mais ampla no colegiado. Do outro lado, Pacheco e aliados ponderam que a comissão tem 12 membros de cada casa porque a ideia seria de uma representação qualitativa das casas, e não quantitativa no processo de avaliação de MPs.

Nos bastidores do Congresso, corre a informação de que a proposta de Lira tem poucas chances de prosperar. Enquanto o mundo político aguarda a resolução do impasse, novas agendas de articulação estão previstas para ocorrer entre esta quarta-feira (29) e quinta (30), o que tende a fazer com que as tratativas vivam novos capítulos em relação ao tema.

“Não há um amor natural entre Câmara e Senado, o que é perfeitamente natural. Acho que Pacheco está correto em tentar restabelecer o rito constitucional da tramitação das MPs. Agora, será que a ordem natural será de fato restabelecida depois de uma queda de paradigmas tão sem precedentes na nossa história como foi a pandemia? O fato é que a gente ainda não sabe. São as cenas dos próximos capítulos”, afirma Leonel Cupertino.

 

Ø  Projeto na Câmara sobre fake news não interfere em julgamento do STF, dizem ministros

 

Os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), defenderam que a análise do projeto de lei das fake news na Câmara dos Deputados não irá interferir no julgamento da corte que trata do tema.

As afirmações foram feitas nesta quarta-feira (29), após dois dias de audiência pública no STF para discutir a regulação das redes sociais e de plataformas da internet na corte.

Toffoli citou que, no Parlamento, a não decisão é uma decisão, mas que no Judiciário não há essa opção. O PL das Fake News foi aprovado em junho de 2020 no Senado e, desde então, aguarda análise na Câmara.

"Eles [parlamentares] têm o direito de não querer decidir. Nós aqui no Judiciário não temos esse direito. Temos que decidir porque temos vidas, pessoas e partes que estão requerendo seus direitos ou seus pretensos direitos, e temos que julgar e decidir", disse.

Já Fux declarou que os tempos da política e da Justiça são diferentes e que esta deve respeitar a ordem cronológica dos processos.

"Eventualmente, se o Parlamento regular a matéria, nós vamos enfrentá-la já também à luz do direito novo", afirmou.

As audiências trataram da responsabilidade de provedores de redes sociais e de ferramentas de internet pelo conteúdo gerado pelos usuários, o que pode resultar na flexibilização do Marco Civil da Internet, principal lei que regula o tema no Brasil.

As convocações foram motivadas por duas ações de repercussão geral (que incidem em casos similares), de relatoria dos dois ministros, que serão julgadas no Supremo.

Os ministros informaram que ainda não há data marcada para essas ações entrarem na pauta do Supremo. Porém, afirmaram que até integrantes do Parlamento já se manifestaram sobre a importância deste julgamento para balizar a legislação.

Toffoli disse que a audiência foi importante para trazer ao tribunal as várias visões da sociedade civil, dos operadores e das parte do processo sobre o tema.

Segundo ele, a partir disso, os ministros poderão, diante dos princípios constitucionais, analisar os limites, defeitos ou os vícios que devem ser aprimorados na legislação brasileira, de acordo com a Constituição da República.

"Isso será feito de acordo com a proteção da privacidade, da intimidade e da honra de todos aqueles que atuam na internet, ou que são vítimas de alguns meios de acusações", afirmou.

Ele também disse que há uma campanha de ódio contra a democracia e as instituições no Brasil e no mundo, e que deve ser discutido o que é crime e abuso.

Fux defendeu ser importante ter uma tutela sobre o tema e que os ministros puderam ouvir várias versões sobre a responsabilização dessas violações.

"Tudo isso será exposto no meu voto e no do ministro Dias Toffoli, e certamente o plenário terá a oportunidade de ouvir alguns amigos da corte que aqui estiveram para ter uma visão plural do problema e chegarmos a uma solução uniforme", declarou.

Na terça-feira (28), Google e Facebook negaram omissão no combate a conteúdos ilegais e de desinformação e na remoção de publicações que violam as políticas das plataformas.

As manifestações foram feitas após ministros do Supremo e do governo federal voltarem a defender a regulação das redes sociais e de plataformas da internet.

Toffoli destacou que a autorregulação das plataformas também é bem-vinda, assim como existe na área da publicidade. Ele disse que isso poderia evitar várias discussões que chegam ao Poder Judiciário, que cuidaria apenas das exceções.

"Hoje temos o problema da judicialização predatória, incessante, que abarrota os tribunais. Então a autorregulação é um bom filtro nesse particular", acrescentou Fux.

O relator do projeto de lei das fake news, deputado Orlando Silva (PC do B-SP) mencionou, no último dia 13, a necessidade de incluir na nova legislação de internet um órgão regulatório que atue paralelamente à autorregulação das plataformas, no que é conhecido como autorregulação regulada ou corregulação.

Com isso, as empresas estariam encarregadas de desenhar suas políticas e regras e aplicá-las, mas estariam sujeitas à supervisão de um órgão regulatório.

No texto atual do PL (projeto de lei) 2630, conhecido como PL das Fake News, não há órgão regulatório, e o governo resistia em propor a criação dessa instância temendo que pudesse ser tachada de um "ministério da verdade" e dificultasse a aprovação das propostas.

No entanto, o ministro da Justiça, Flávio Dino, admitiu a necessidade de criar na legislação uma agência reguladora para fiscalizar o cumprimento das novas regras.

 

Fonte: Brasil de Fato/FolhaPress

 

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