sexta-feira, 31 de março de 2023

EMPRESÁRIOS DO AGRONEGÓCIO QUE FORAM À CHINA DEVEM 32 MILHÕES DE REAIS AO IBAMA

O grupo de empresários do agronegócio brasileiro que foi à China na semana passada incluiu representantes de empresas que devem mais de 32 milhões de reais em multas ambientais ao Ibama. A comitiva, organizada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, acompanharia compromissos do presidente Lula, que acabou não viajando por causa de uma pneumonia.

A principal devedora é a JBS, maior processadora de proteína animal do mundo: a empresa tem 37 multas pendentes, num total de 26,7 milhões de reais. A Suzano, que atua no setor de celulose, aparece com uma infração no valor de 5 milhões de reais. O levantamento usou dados da Receita Federal e do Ibama e foi feito pelo estúdio de inteligência de dados Lagom Data, por encomenda do Observatório do Clima, uma coalizão de ONGs da área ambiental.

A comitiva de empresários foi montada pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, a pedido de Lula, conforme noticiou O Globo. A lista original incluía 102 representantes de vários setores do agronegócio, mas alguns deles desistiram da viagem ao saber que o presidente não poderia ir. O objetivo da comitiva era facilitar oportunidades de negócios entre empresários brasileiros e chineses. Cada um bancou as próprias despesas com a viagem.

 A inclusão de infratores ambientais na comitiva de empresários levanta dúvidas sobre o comprometimento do governo Lula com a luta contra o desmatamento. O presidente se elegeu e tomou posse com a promessa de fazer do combate à mudança do clima uma prioridade de governo e um tema transversal de suas políticas públicas. A piauí quis saber do Ministério da Agricultura se a presença de empresas infratoras não contradiz o discurso do governo, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

A comitiva montada pelo ministério incluiu gigantes do agronegócio. A JBS viajou com oito representantes, entre eles os irmãos Joesley e Wesley Batista, sócios do grupo. A empresa responde por 83% do valor das multas contabilizadas no levantamento. A maior parte dos 26,7 milhões de reais em infrações corresponde a multas que a empresa recebeu em março de 2017, quando o Ibama deflagrou a Operação Carne Fria. Essas multas estão em fase de recurso e, portanto, ainda não foram pagas. Na época, a JBS foi acusada de comprar gado de áreas desmatadas ilegalmente. Reportagem da piauí mostrou que a empresa comprou mais de 21 mil cabeças de gado criadas em áreas griladas e desmatadas no Pará entre 2018 e 2021 – prática adotada também  por outros cinco dos dez maiores frigoríficos do país.

“A gente quer saber quando é que a JBS, em vez de ir para a China com multas ambientais na bagagem, vai apresentar seu sistema de rastreamento ambiental finalizado e entregar a certeza de que não contribui para o desmatamento”, disse à piauí o ambientalista Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima. Procurada pela reportagem, a JBS afirmou que as multas em questão foram suspensas – mas não é o que consta no banco de dados do Ibama.

A China é o maior parceiro comercial do Brasil, tendo importado o equivalente a quase 90 bilhões de dólares em bens brasileiros no ano passado, de acordo com o Itamaraty. No cenário da diplomacia climática global, trata-se do país que mais emite gases do efeito estufa, mas é também o líder no crescimento das energias limpas.

O assessor especial da Presidência e ex-chanceler Celso Amorim havia sinalizado que a agenda climática seria um tema central da viagem à China, que incluía uma reunião de Lula com o presidente chinês, Xi Jinping. Havia a expectativa de que, durante a visita, fosse anunciado o lançamento de um satélite desenvolvido pelos dois países para monitorar com melhor resolução o desmatamento da Amazônia. Especulava-se também sobre uma possível declaração conjunta dos dois países sobre a crise climática.

“Tudo o que a gente gostaria da China hoje é que ela ajudasse a colocar regras para empresas que desrespeitam o meio ambiente e estão ligadas ao desmatamento da Amazônia, como é o caso da JBS”, disse Astrini, do Observatório do Clima. O ambientalista defende que, a exemplo do que fez a União Europeia, o país asiático adote medidas que impeçam suas empresas de importar commodities associadas à destruição de florestas. “Uma legislação como essa na China causaria um efeito muito positivo de pressão para que a iniciativa privada atuasse sobre a questão do desmatamento.”

A Suzano aparece em segundo lugar no ranking de multas elaborado pela Lagom Data. A empresa deve 5 milhões de reais por uma infração registrada em Caravelas, no Sul da Bahia, em setembro de 2022. Em nota enviada à piauí, a Suzano alegou que a acusação do Ibama é improcedente e disse já ter apresentado sua defesa para a autoridade ambiental. “A companhia reforça que está operando estritamente dentro da legalidade e aguarda a avaliação da defesa apresentada”, diz a nota.

No levantamento, aparece ainda a Ecoplan Engenharia, que foi representada na comitiva brasileira por seu CEO, Júlio Fortini de Souza. A empresa deve 289 mil reais ao Ibama por uma infração relativa à fauna em Canapi (AL), na região do Vale do Rio São Francisco. A Cooperativa Central Aurora, que levou um de seus gerentes à China, deve 9,9 mil reais por uma multa aplicada em São Gabriel do Oeste (MS). Já a Marfrig Global Foods, representada na comitiva por seu diretor comercial, deve 9 mil reais por uma infração em Mineiros (GO). A Marfrig alegou em nota que a multa em questão foi arquivada pelo Ibama, e que “segue forte no propósito de tornar sua cadeia de valor livre de desmatamento”. No entanto, a infração ainda aparece como pendente na base de dados. Procuradas pela piauí, as demais empresas não se pronunciaram. O espaço segue aberto para manifestações.

O levantamento da Lagom Data usou como ponto de partida a lista completa de CNPJs das empresas que participaram da comitiva organizada pelo Ministério da Agricultura, e levou em conta também todas as participações societárias das pessoas enviadas por essas empresas. As informações foram então cruzadas com os bancos de dados públicos de multas ambientais publicados pelo Ibama. Foram excluídas do levantamento as multas quitadas, baixadas, canceladas ou com exigibilidade suspensa; os valores incluídos se referem a autos notificados ou em fase de recurso, que ainda não foram quitados ou cancelados. A base não detalha o histórico das infrações. Os dados foram coletados em 16 de março e checados novamente no dia 27.

 

       Família que ataca Guarani Kaiowá no MS explora madeira na Amazônia

 

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a organização indígena Aty Guasu denunciaram na última terça-feira, 27 de março, mais um ataque ilegal à comunidade Kurupi/Santiago Kuê, localizada em Naviraí (MS). Sob escolta da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, funcionários da Fazenda Balneário do Tejuí avançaram com tratores sobre a comunidade, destruindo barracos e instrumentos sagrados da retomada. Duas semanas antes, no dia 16 de março, indígenas registraram, em vídeo, um helicóptero sobrevoando a comunidade enquanto pistoleiros atiravam sobre as casas.

A disputa pelo tekohá – o “espaço vital” na cosmologia Guarani – se estende desde 2014, quando o proprietário do imóvel, o fazendeiro Miguel Alexandre, impetrou uma ação de reintegração de posse contra os indígenas. Ele e o irmão Pedro, falecido em 2019, eram donos da cerealista Irmãos Alexandre e possuem, juntos, nove fazendas em Naviraí, totalizando 1.214 hectares.

Mas os negócios da família vão muito além da região do conflito. A 1.800 km dali, em Juína (MT), próximo à divisa com Rondônia, o filho de Pedro, Joaquim Augusto Alexandre, é dono da Fazenda Água Boa, com 4.772 hectares, e da serraria JMC Madeiras. Em dezembro de 2022, ele se tornou alvo de um inquérito civil movido pelo Ministério Público do Mato Grosso (MPMT) para apurar um desmatamento ocorrido no imóvel.

Segundo dados levantados junto à Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT), entre julho a dezembro de 2022 foram desmatados cerca de 258 hectares de floresta amazônica, entre degradação e corte raso. A ação judicial busca identificar se foram cumpridas as condicionantes da Autorização para Exploração Florestal (Autex) nº 3591/2022, que liberou a atividade madeireira em até 1.623 hectares do imóvel, com validade até julho de 2023.

FAMÍLIA PROMOVE ATAQUES A INDÍGENAS DESDE 2014

Em 2005, cerca de 13 famílias Guarani Kaiowá ocuparam uma área próxima à rodovia BR-163, nas imediações do município de Naviraí (MS). O intuito era retomar parte de seu território tradicional, do qual foram deslocados entre as décadas de 1950 e 1970, pela pressão de fazendeiros. Tinha início ali a longa (e violenta) jornada da comunidade Kurupi/Santiago Kuê para garantir seu direito ao tekohá.

Em um dos episódios mais graves, em outubro de 2014, pistoleiros tentaram sequestrar Ivo Martins, um ancião cadeirante, reconhecido como um dos líderes da comunidade. Segundo denúncia do Cimi, o fazendeiro Miguel Alexandre, proprietário da Fazenda Balneário do Tejuí, teria participado diretamente da ação: ele dirigia a caminhonete que transportava os homens armados.

As pressões contra a comunidade voltaram a crescer a partir de 2022, após a fazenda ter sido arrendada para o produtor de algodão Valdecir Lunas Santos, coautor junto com Miguel Alexandre em uma nova ação de reintegração de posse contra os indígenas, atualmente em tramitação na 1ª Vara Federal de Naviraí.

No mês de junho, a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul iniciou uma série de operações violentas na região – quase sempre sem determinação judicial e com uso de força desproporcional. No dia 24, uma ação contra a retomada Guapoy, no município vizinho de Amambai, resultou no assassinato do indígena Vitor Fernandes, de 42 anos. Ao todo, oito Guarani Kaiowá, incluindo dois jovens, ficaram feridos. O episódio ficou conhecido como “Massacre de Guapoy”.

De Olho nos Ruralistas revelou, em reportagem, que o proprietário da fazenda onde ocorreu o crime era o empresário Waldir Cândido Torelli, dono de um frigorífico no Paraguai e amigo do ex-presidente Horacio Cartes: “Saiba quem é o dono da fazenda onde Guarani Kaiowá foi assassinado, no Mato Grosso do Sul“. No mesmo dia, a comunidade Kurupi/Santiago Kuê foi também atacada pela força policial.

Essa área em disputa faz parte da Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá II, que aguarda desde 2011 a conclusão do estudo de demarcação. Diante do acirramento da violência, o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul expediram hoje (29/3) uma nota pública recomendando a finalização do processo demarcatório.

 

Fonte: Revista Piauí/De Olho nos Ruralistas

 

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