quarta-feira, 8 de março de 2023


 Braulia Ribeiro: Como evangélicos de direita estão invertendo o polo moral da discussão nacional

Alguns dias depois dos eventos tristes do domingo, 8 de janeiro, percebo pouca clareza nos comentaristas evangélicos mais atuantes nas redes sociais.  A poeira vai se assentando mas a confusão ainda impera. Como julgar os atos dos “patriotas” que violaram o coração do “espaço sagrado” reservado a nosso governo? Que responsabilidade têm as autoridades, inclusive o Ministro da Defesa, que sabiam dos planos e dos ônibus chegando a Brasília e nada fizeram para proteger os monumentos públicos? Que responsabilidade têm os patriotas pegos inadvertidamente no meio de protestos que se tornaram violentos, à revelia de sua vontade? E o que dizer dos protestadores profissionais que se infiltraram entre a gente do bem, encarregados de depredar, tocar fogo, pixar, apenas para emporcalhar a reputação até então impoluta dos mal falados Bolsonaristas?

Mas a pergunta que não quer calar, para alguém como eu, do ramo da filosofia moral, é essa: “Se colocarmos Deus no meio como ele tem sempre estado no transcorrer desse despertamento político brasileiro, – e é de Deus que o Bem nasce afinal de contas – de que lado ele ficaria?”

A revista evangélica Christianity Today, desonra sua tradição e publica um artigo infame sobre o dia oito de Janeiro- chamando o acontecido de “o pior dia da democracia no país”- sério mesmo, Sr. Gutierres Ferandes Siqueira (quem assina o artigo). Ele segue daí para pior e afirma sem se preocupar em fornecer evidências de espécie alguma a não ser em artigos de sua própria lavra, que me parecem ter a mesma natureza, cheios de afirmações subjetivas e conclusões apressadas- “[o] extremismo que atingiu seu auge no domingo foi plantado e cultivado, em parte, por igrejas evangélicas que apoiaram e fizeram campanha para Bolsonaro nas últimas eleições, e ajudaram a aprofundar a polarização, o discurso de ódio e a radicalização.” O artigo só piora à partir daí, porque para o autor insultos ad hominem e afirmações carregadas de conteúdo emocional mas sem âncora em fatos fazem as vezes de argumentos lógicos. Interessante que esse Sr. Siqueira, tão preocupado com a ordem democrática,  não tenha falado nada sobre a prisão ilegal de mais de 1200 pessoas, sobre o confinamento sofrido por elas, sem água, sem banheiros, sem processo. Não falou  nada sobre a decisão monocrática de um juiz de remover do cargo de um governador em exercício eleito por milhões de pessoas,  e a de prender um secretário de segurança sem processo e sem provas.

A internet, rica em difamadores profissionais da fé fantasiados de teólogos populares, oferece a sua quota de sandices. O teólogo de internet Yago Martins, pinça um comentário em seu Twitter, para ele a principal treta de sua semana, tema ideal para quem vive de cliques: “Nos acampamentos bolsonaristas, muita gente fazia oração, evocava a Deus, compartilhava conteúdos bíblicos e, com o desmonte de alguns acampamentos, pessoas faziam orações e evocavam textos bíblicos.” Termina pedindo vídeos das orações para fazer seus comentários. Quem conhece o caráter e a dimensão diminuta da inteligência desse infeliz que foi confrontado pelo Olavo e pelo Küster e devidamente colocado em seu lugar, sabe o que vem por aí. Espere por condenação moral veemente para quem se atreveu a orar por integridade eleitoral, quem espera transparência e honestidade da parte do governo e tem essas coisas como um direito civil ligado sim- porque não?-  ao exercício social de uma fé holística e íntegra- que torna o protesto contra o abuso autoritário não apenas um direito, mas um dever do cristão.

Não vou me deter aqui a comentar Yago, o grande amigo da tchurma do MBL, ex-associado (?) do Instituto Mises Brasil (pasmem- a que se presta o nome do pobre Mises) ou pelo menos ele assim se apresentava, e atual diretor de um tal Instituto Schaeffer de Teologia e Cultura, porque no Brasil institutos é como o “derrier” cada um tem um para chamar de seu, e os nomes e hipotéticas filiações conceituais que eles se referem não faz absolutamente nenhum sentido. A referência aqui é Francis Schaeffer, influente na América, um culturalista famoso por desconstruir o modernismo para a massa evangélica, fornecendo para o crente comum ferramentas hermenêuticas para entender as mudanças que aconteciam nas décadas finais do século XX. De Schaeffer o projeto de Yago não parece ter herdado muita coisa, sendo que a sua preocupação principal é combater seu próprios pares evangélicos e pentecostais- se alçando a um papado auto-nomeado onde todas suas opiniões e doutrinas são ex-Cathedra.

Deixando o infame Gutierres e o moleque Yago de lado, me ocupo com as opiniões de um teólogo evangélico que me interessa mais. Como eu vivo defendendo o movimento político da direita, e localizo sua origem no despertamento da fé, não me interessa a opinião de ateus, de esquerdistas, ou até de evangélicos de esquerda. Dois exemplos dessa linha nefasta são o mentiroso profissional Ronilson Pacheco, e o lambe-botas de comunista Ariovaldo Ramos.  Esses são que são e ninguém se confunde. Mas quero analisar  a opinião possivelmente emitida de maneira apressada por um evangélico, Pedro Dulci,  da ala dos  “inteligentinhos” que se dizem de direita e que são, querendo eu ou não, influentes na formação de um consenso conservador evangélico.

Pedro Dulci é um jovem teólogo que atrai um número razoável de gente séria oferecendo cursos online de teologia. No domingo fatídico, Dulci se apressou em seu perfil do @instagram a lamentar os acontecimentos. Essa rapidez em comentar o que ainda não se entende é bem típica dos certinhos morais da Intelligentsia evangélica a qual Dulci pertence. Eles se projetam como aqueles que sempre sabem qual é o lado correto da questão, e a expressam copiosamente com textos ricos em citações eruditas, a maioria de autores conhecidos apenas pelos iniciados na sapiência política e teológica dos reformadores holandeses, segundo eles a pedra Rosetta da qual o Brasil não pode prescindir para a interpretação adequada do momento político atual. Vai entender- tudo o que esses pensadores reformados geraram a longo prazo foi o país mais perdido moralmente e mais secular da Europa.

Dulci ilustra seu post com a imagem de um homem erguendo uma bandeira do Brasil manchada de sangue e diz que lamenta o acontecido. Até aí tudo bem, eu também lamento. Mas a imagem aponta para o alvo de seu “lamento.” O teólogo não lamenta a resposta autoritária e fora da legalidade do governo, não lamentou depois a prisão de inocentes por dias confinados em um ginásio sem água e sem banheiros. Não lamenta em nenhum momento o claro curso ditatorial tomado pelo governo PT. Não lamenta tão pouco, como eu o faço hoje, a ingenuidade quase infantil dos patriotas ao cair na armadilha que caíram. Fica claro na imagem e no texto que ele condena mesmo são os patriotas. Ele segue citando  um holandês  G. Groen van Prinsterer, para construir um argumento contra os patriotas cujo cerne é um engano de compreensão, desses que um curso com o velho Olavo teria lhe poupado de cometer.

Para Dulci quem protesta contra o governo, não importa a sua natureza,  é revolucionário, logo, não é conservador. Qualquer resistência à tirania  é por natureza anti-conservadora. A confusão de Dulci é com o termo revolucionário, que ele entende como um termo amplo que abriga qualquer tipo de rebelião contra o status-quo ou até reação contra a tirania. Analfabetismo funcional como dizia o velho. Se o movimento conservador se definisse pela necessidade de uma paralisia total diante do mal já não existiria mais, seria na verdade o contrário do que é – um apelo ao conformismo servil e não a busca do bem.

Dulci usa Prinsterer para dizer que a reação dos patriotas abriga a incredulidade, porque quem é parte desse espírito “revolucionário” é um incrédulo, porque “abre mão de qualquer confiança a não ser a força de seu próprio braço.” Não preciso dizer que aqui ele comete um pecado capital contra todos os cristãos que ao longo da história se atreveram a erguer suas vozes contra a opressão e a injustiça. Ao se manifestarem, coitados, estavam faltando com a fé, ao invés de agir em fé. Ai dos mártires que morreram defendendo inocentes, contestando regimes ou líderes  tirânicos e cruéis, deveriam ter ficado quietinhos, protegido sua própria vida covardemente porque isso sim seria um sinal de fé no Senhor.

E como não podia deixar de ser, o fecho que Dulci dá ao post consegue piorar ainda seu argumento:

Tal circunstância irá enfraquecer qualquer credibilidade de cristãos, conservadores, nacionalistas ou liberais fora de seus círculos. As críticas se tornarão legítimas. A radicalização torna-se justificada.

Ademais, a dose da reação dos três poderes será igualmente desmedida. Não é difícil imaginar para os próximos dias a hipertrofia do STF, como também medidas de vigilância ostensiva sobre o pensamento e a liberdade de expressão. Todos nós seremos afetados.

Tudo isso sem mencionar as críticas ao testemunho cristão, que assistiu hoje o nome de Deus ser usado em vão. No dia do SENHOR, no horário em que a maioria das igrejas estava em culto, tinham pessoas que acreditavam poder fazer justiça com as próprias mãos.

Novamente a incapacidade de raciocínio de  Dulci fica patente. Ao ignorar o que leva as pessoas à rebelião, ele inverte o polo moral da questão. Para esse teólogo brasileiro, o quebra-quebra justificaria uma reação dura do governo. A vítima não só passa a ser culpada pelos crimes cometidos contra ela, mas começa a merecê-los.  O racicíonio de Dulci é esse- se um cidadão resiste a uma assalto por exemplo, não pode reclamar se o bandido “radicalizar” na violência,  afinal quem mandou resistir ao crime? Nesse falso argumento moral todo governo se justifica ao perseguir e punir quem se atrever a protestar contra ele. E pra terminar com chave de ouro, Dulci se preocupa consigo e com os seus- os limpinhos- que serão afetados pela ação dos “incrédulos,” e lamenta que num domingo, “dia do Senhor”- ao invés de estarem nas igrejas – como deve fazer todo bom cristão – esses patriotas estavam “fazendo justiça com as próprias mãos.” Nem se tivesse sido escrito pelo Ronilson Pacheco esse texto não conseguiria ser pior. Dulci entende conservadorismo cristão como uma subespécie do cristianismo pietista- voltado para a alma e o individuo- cuja prioridade é seus próprios ritos. A fé nesse tipo de cristianismo é um produto meramente subjetivo, como já denunciou o sociólogo americano James D Hunter, preocupado com o futuro do evangelicalismo na América. Se Pedro Dulci quer vender essa versão de Cristianismo, tem a liberdade (ou tinha até alguns dias atrás) a liberdade de fazê-lo. Só não me chame esse mexidão ideológico de reflexão biblíca e muito menos de pensamento “conservador.”

 

Ø  Igreja da Inglaterra considera usar gênero neutro em referências a Deus. Por Sharon Jagger

 

A Igreja da Inglaterra, matriz da Comunidade Anglicana, anunciou que quer explorar o uso de palavras alternativas para descrever Deus, depois que alguns clérigos pediram para usar uma linguagem mais inclusiva nos cultos.

O domínio do gênero masculino para se referir a Deus é um tema que vem sendo discutido cada vez mais. A teóloga feminista Mary Daly escreveu: “Se Deus é homem, o homem é deus”.

Em outras palavras, falar sobre o Deus cristão em termos exclusivamente masculinos privilegia os homens na sociedade e sustenta o domínio masculino.

De acordo com um porta-voz da igreja, Deus não tem gênero para a doutrina cristã oficial. No entanto, “Ele” é descrito quase exclusivamente em termos masculinos. E como a Igreja continua a lutar com questões de igualdade de gênero, o projeto provavelmente tende a se estender.

Críticos veem a discussão como uma tentativa de desfazer a longa tradição cristã de chamar Deus de “Ele” e “Pai”. Mas a linguagem e as imagens femininas sempre fizeram parte da história da Igreja.

Hildegard de Bingen, uma respeitada abadessa (madre-superiora) da Idade Média imaginou e retratou o lado feminino de Deus em sua arte e em seus trabalhos escritos. E nos anos 1300, a mística Juliana de Norwich falou sobre o lado materno de Deus.

Estudiosas feministas modernas, como Mary Daly e Joan Engelsman, argumentavam que a ideia de Deus em forma feminina foi estrategicamente eliminada da história cristã.

Segundo relatos, o projeto da Igreja é explorar o uso da linguagem neutra para fazer referência a Deus. Usar a palavra “Parent”, ao invés de “Father” (pai), é uma das opções avaliadas - em inglês, a expressão é usada em alusão aos genitores de um indivíduo, sejam eles homens ou mulheres.

Mas há outras propostas recentes para usar pronomes femininos, como “She” ( "Ela” em português).

Quando Libby Lane foi nomeada a primeira bispa mulher da Igreja da Inglaterra em 2014, ela argumentou a favor da aceitação do uso de pronomes femininos para se referir a Deus.

Ao mesmo tempo, o presidente do Mulheres e a Igreja, um grupo que defende a igualdade de gênero na Inglaterra, afirmou que a introdução de bispas teria impacto na vida das mulheres na Igreja “somente se Deus for tanto ela quanto é ele – porque este é um aspecto muito formativo da vida da nossa Igreja e um verdadeiro bastião do sexismo”.

Rachel Treweek, consagrada bispa em 2015, juntou-se ao debate defendendo a eliminação de todos os pronomes de gênero para Deus.

·         Um ‘Deus’ sem gênero?

Em pesquisa com mulheres que fazem parte do clero, identifiquei indícios de que algumas delas podem não se sentir confortáveis com o fim da linguagem masculina tradicional.

Uma vigária chegou a afirmar que “o inferno explodiu” quando, durante uma sessão de estudos bíblicos, alguém sugeriu que a oração do Pai Nosso começasse com as palavras “Mãe Nossa”.

O uso da expressão “Parent” também preocupa o reverendo Ian Paul, teólogo associado à Igreja São Nicolau, em Nottingham, Londres. Segundo ele, as palavras “Father” e “Parent” não são intercambiáveis e têm significados diferentes.

A maneira como as palavras transmitem um gênero é, obviamente, parte do problema. A teóloga feminista Rosemary Radford Ruether argumenta que mesmo palavras que parecem neutras não são, pois “Deus” evoca imagens masculinas.

Para complicar ainda mais, palavras masculinas são às vezes forçadas a representar tanto o gênero masculino quanto o feminino.

Uma sacerdotisa, por exemplo, disse que vê “Father”, ou “Pai”, como a única forma de descrever Deus. Mas “pode ser que as ideias sobre a paternidade precisem mudar”, afirmou.

Outra entrevistada disse que vê o termo “Father” como masculino e feminino.

Essas complicações em torno da linguagem e do gênero sugerem que um projeto para usar linguagem neutra precisará refletir profundamente sobre o que significa e constitui o gênero “neutro”.

O uso da linguagem neutra pode abrir as portas para outras mudanças mais progressistas na Igreja?

·         Explorando outros nomes para Deus

Embora minha pesquisa sugira que há um apego a palavras como “Pai” entre algumas mulheres do clero, várias entrevistadas me disseram que tentaram evitar usar qualquer linguagem que identifique o gênero para falar de Deus.

Alguns sugeriram o uso de “Goldself” para substituir os pronomes masculinos.

“Quando ouvi 'Godself' sendo usado, gostei bastante. Essa é uma sugestão. [Mas] dentro das paróquias acho que chamaria a atenção quando não necessariamente é nisso que queremos nos concentrar”, afirmou uma mulher.

Há ainda uma sensação de que algumas congregações podem não estar dispostas a adotar a mudança linguística, mesmo que haja o desejo entre o clero.

A discussão sobre o uso de linguagem neutra para descrever Deus é, no mínimo, um reconhecimento de que o domínio da linguagem masculina é um problema.

Muitos gostam da possibilidade de frequentar a Igreja sem ouvir as constantes referências a “Ele” e “Pai”, visto que Deus deve estar além do gênero.

Uma reforma da linguagem patriarcal pode abrir as portas para enfrentar outras injustiças sociais. Talvez estejamos testemunhando o começo de uma mudança radical na Igreja.

Mas nesse momento, a luta pela inclusão na Igreja está em frangalhos. Há problemas de racismo institucional, desigualdade de gênero no sacerdócio e, mesmo após anos de discussão, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não é reconhecido.

Dado o histórico da instituição, qualquer mudança radical resultante desse projeto seria um milagre.

 

Ø  Comissão identifica 4,8 mil vítimas de abuso sexual na Igreja Católica em Portugal

 

Uma comissão independente que investiga o abuso sexual de menores na Igreja Católica disse que documentou pelo menos 4.815 vítimas até o momento.

Criada pela Conferência Episcopal Portuguesa para examinar os abusos nas últimas décadas, a comissão acrescentou que esta é apenas a ponta do iceberg.

Ao apresentar o relatório, psiquiatra infantil Pedro Strecht, presidente da comissão, disse que o objetivo era "dar voz ao silêncio" das vítimas.

Ele prestou homenagem a todas as pessoas que contataram os funcionários para prestar depoimento.

"Elas têm uma voz; elas têm um nome", disse Strecht.

Ao todo, a comissão documentou 564 relatos de pessoas que disseram ter sido vítimas de abuso por parte de padres ou outros representantes da Igreja Católica. Foram analisados casos desde 1950.

Diversos testemunhos também apontavam para o abuso de outros menores — daí a estimativa de milhares de outras vítimas.

Ao longo da apresentação, Strecht citou alguns dos depoentes e enfatizou o impacto que o abuso teve sobre elas.

Ele citou o "buraco negro" no qual uma das vítimas disse ter vivido.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, José Ornelas, bispo de Leiria-Fátima, disse ter recebido o relatório "com gratidão" e que uma sessão extraordinária marcada para 3 de março irá ponderar a melhor forma de fazer "justiça" às vítimas.

De acordo com a comissão, um total de 25 casos foram encaminhados ao Ministério Público português. Muitos outros tinham limitações e não podem mais gerar investigações.

Entre as recomendações do relatório está a de que, nos casos de alegado abuso sexual de menores, a previsão para que as vítimas possam apresentar queixa-crime até aos 25 anos de vida seja ampliada para os 30 anos.

 

Fonte: Gospel Prime/The Conversation/BBC News Mundo

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