sexta-feira, 10 de março de 2023


 Bolsonaro: em público, a simplicidade; no privado, o esforço para levar as joias

A âncora da CNN Brasil Daniela Lima informou que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro acionou um advogado durante o fim de semana para providenciar a devolução das joias enviadas pela Arábia Saudita supostamente como presentes.

Parte das peças, avaliadas em R$ 16,5 milhões, ficou retida na alfândega porque não foi declarada por emissários do governo que voltavam de viagem do país árabe. Para ficar com as jóias era preciso pagar taxas de importação ou incluí-las no acervo presidencial como itens de interesse público.

Fora isso é descaminho.

A pressa de Michelle em tirar as joias do colo mostra o potencial do estrago na imagem da ex-primeira-dama, já lançada por Valdemar Costa Neto, chefe do PL, como possível candidata a presidente.

A caminhada, a exemplo do que aconteceu com seu marido, envolve a construção da imagem, junto ao grande público, de que no fundo eles são pessoas simples e despojadas que não vestem roupas caras e se alimentam à base de pão com leite condensado.

Inúmeras vezes Bolsonaro se deixou fotografar em público, para suas redes, posando como homem do povo, incapaz de se incomodar com a sujeira da farofa do frango derrubada em seu colo.

Pois hoje, nas redes sociais, o clã é assombrado pela má repercussão do caso das joias.

Um levantamento da consultoria Arquimedes apontou que a maioria das menções à história no Twitter é negativa (74,7% dos usuários). Poucos foram a público defender o direito de Bolsonaro e esposa receberam ilegalmente os presentes milionários oferecidos pela monarquia saudita interessada em negócios com o Brasil.

Quem acompanha os descaminhos do clã vai se lembrar que histórias mal contadas a respeito de rachadinhas, compras de imóveis em dinheiro vivo e até cheques suspeitos para a primeira-dama não impediram que Bolsonaro obtivesse 58 milhões de votos na última eleição, a maioria vindos de enclaves do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Há nuances entre um caso e outro, porém.

Os escândalos destrinchados em sua gestão foram gestados em seus tempos de parlamentar e/ou envolviam os filhos, por quem seus eleitores não costumam botar a mão no fogo. “Votei no pai, não nos filhos”, costumam dizer os eleitores mais fieis de Bolsonaro.

É provável que a história das joias seja recebida com ceticismo ou sono profundo por quem foi convencido, nos últimos anos, a não consumir nem confiar em nada do que sai na imprensa profissional. A história das joias foi revelada por dois repórteres do Estado de S.Paulo.

A essa altura os grupos de Telegram e WhatsApp já produzem versões palatáveis para justificar a história até aqui injustificada e injustificável como se fosse parte de uma campanha de perseguição.

Mas a pressa da ex-primeira-dama para se livrar logo das joias e se dizer traída talvez aponte que é melhor não correr riscos.

Uma coisa é convencer os eleitores dispostos a serem convencidos. Outra é convencer a Justiça.

 

Ø  Joias foram recebidas no dia que Bolsonaro acertou a venda de uma refinaria aos árabes

 

A agenda de viagens internacionais do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e de sua comitiva já era alvo de monitoramento por auditores da Alfândega. O Estadão apurou que a intensidade dos compromissos fora do País – dez viagens para o exterior em um único ano – já havia chamado a atenção dos órgãos de fiscalização.

O Estadão fez um levantamento sobre todos os compromissos oficiais de Bento Albuquerque registrados em sua agenda oficial como ministro, desde que assumiu o cargo em janeiro de 2019, até deixá-lo em maio de 2022, em meio às pressões de Bolsonaro para intervir no preço dos combustíveis da Petrobras.

Os dados oficiais mostram que as viagens constantes do ministro e sua comitiva só cessaram em 2020, quando eclode a pandemia do coronavírus. Só em 2019, foram dez viagens ao Exterior, englobando países como Israel, Estados Unidos, Argentina, Japão, China, Áustria, França e Espanha.

Em alguns compromissos, o então ministro acompanhou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em outros, seguiu com sua comitiva para eventos ligados ao setor de minas e energia.

Em 2020, com a pandemia, o número de viagens caiu consideravelmente, resumindo-se a três compromissos. Albuquerque esteve apenas na Índia, nos Estados Unidos e na Áustria, para a conferência anual do setor elétrico. Em 2021, o ritmo voltou a se acelerar, mesmo com as restrições impostas pela covid-19. Naquele ano, Bento Albuquerque participou de seis encontros internacionais. Passou pelos Estados Unidos, Áustria, Rússia, Inglaterra e Emirados Árabes. Foi em outubro de 2021 que o então ministro fez a visita à Arábia Saudita.

Antes de voltar ao Brasil no dia 26 de outubro de 2021 e tentar entrar no Brasil de forma ilegal com as joias dadas a Bolsonaro pelo regime saudita, Bento Albuquerque teve compromissos durante quatro dias, incluindo encontro com o príncipe Abdulaziz bin Salman Bin Abdulaziz Al-Saud, ministro de Energia da Arábia Saudita, e o príncipe Mohammed bin Salman.

Foi na despedida desta viagem, em 25 de outubro, que o regime árabe entregou os presentes milionários para Bolsonaro, quando deixava o hotel com a sua comitiva para retorno ao Brasil.

Naquele mesmo momento, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro almoçava na Embaixada da Arábia Saudita, em Brasília, na residência de Ali Abdullah Bahittam. Bolsonaro estava acompanhado do filho e senador Flávio Bolsonaro, além do ex-ministro das Relações Exteriores, Carlos França e diplomatas de demais países do Oriente Médio.

Naquele encontro, um dos temas abordados foi a venda da refinaria Landulpho Alves (RLAM), localizada em São Francisco do Conde, na Bahia, pela Petrobras. A estatal repassou a refinaria para o Mubadala Capital, dos Emirados Árabes. A operação foi concluída em novembro com o pagamento de US$ 1,8 bilhão (R$ 10,1 bilhões à época) para a Petrobras.

No mês seguinte, em 19 de novembro, quando a Receita já havia retido as joias de diamantes, Bento Albuquerque teve uma conversa por telefone com o ministro de Energia da Arábia Saudita.

Em 22 de novembro, ele participou de uma reunião no Ministério das Relações Exteriores, com o embaixador Carlos França. Três dias depois, fez uma reunião com o ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino da Arábia Saudita.

O Estadão procurou o Itamaraty e a Embaixada da Arábia Saudita no Brasil para comentar o assunto. Por meio de nota, o Ministério das Relações Exteriores declarou que “está averiguando eventual gestão junto à Receita Federal no caso, e contribuirá para seu esclarecimento caso a gestão tenha sido feita”. A Embaixada da Arábia Saudita não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Apesar de Bento Albuquerque ter liderado o Ministério de Minas e Energia por apenas cinco meses em 2022 – de janeiro a maio -, o almirante chegou a realizar sete viagens internacionais neste curto período, passando por países como Suriname, Guiana, Uruguai, Portugal, Rússia e Índia.

As relações que o governo Jair Bolsonaro mantinha com o regime da Arábia Saudita envolveram anúncios de acordos bilionários feitos diretamente pelo então presidente Bolsonaro e Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita.

Dois anos antes da comitiva do então ministro de Minas e Energia deixar a Arábia Saudita com pacotes de joias de diamantes avaliados em cerca de R$ 16,5 milhões, Bolsonaro esteve em Riade, capital do país árabe, para celebrar acordos comerciais que envolviam US$ 10 bilhões (R$ 51,7 bilhões no câmbio atual).

No dia 29 de outubro de 2019, Bolsonaro celebrou a assinatura de um acordo que previa o investimento bilionário no Brasil, por meio do Fundo de Investimento Público saudita (PIF), que exploraria “oportunidades em parceria com o governo brasileiro”.

O próprio Bolsonaro tratou de ir às redes sociais para anunciar a negociação. “O fundo soberano da Arábia Saudita vai investir até US$ 10 bilhões em projetos no Brasil, cerca de R$ 40 bilhões”, escreveu o então presidente, em sua conta no Twitter

NOTA

O viajante ex-ministro Bento Albuquerque tem muito o que explicar. O governo da Arábia Saudita não costuma presentear autoridades secundárias de países estrangeiros. Ou seja, ele seria apenas o homem da mala, como se costuma dizer. E Bolsonaro também, por ter pedido para a Receita devolver joias dois dias antes de se mudar para os EUA.

 

Ø  Caso das joias mostra que imagem de Bolsonaro se deteriora rápido e expõe disputa por seu capital político

 

Polícia Federal e Advocacia Geral da União vão investigar conduta de agentes públicos que entraram no país com objetos de luxo recebidos em viagem internacional. Especialistas ouvidos pela RFI dizem que o destino dos presentes deve ser o acervo público

As joias de mais de R$ 16 milhões que o governo da Arábia Saudita deu ao então presidente Jair Bolsonaro e sua mulher Michelle, em outubro de 2021, têm rendido muitos memes na internet e acaloradas conversas nos corredores de Brasília, especialmente no PL, partido do clã Bolsonaro. O assunto ganhou novos contornos esta semana com a informação de que chegou às mãos do ex-presidente uma caixa que entrou ilegalmente no país. Ao deixar o governo, ele teria levado alguns dos objetos.

É o tipo de história que gruda no imaginário popular porque traz elementos de um animado folhetim: os cobiçados brindes vieram daquela que é, talvez, a família mais rica do mundo, que controla o governo e o petróleo sauditas. Um dos presentes, um colar cheio de diamantes, chegou ao Brasil escondido dentro de uma escultura de cavalos. Um assessor do ex-governo, que trazia parte dos presentes, acabou barrado na alfândega, o paradeiro dos itens de luxo masculino é incerto e, para coroar o enredo, o delegado da receita que fez a apreensão já teve seu trabalho mostrado num programa da TV americana sobre fiscalização aduaneira.

Bolsonaro afirma que os presentes foram encaminhados ao acervo da Presidência da República. A ex-primeira dama tem dito que não sabia da existência do agora famoso colar de diamantes. O ex-ministro de Minas e Energia diz que seguiu os procedimentos legais que pautam a troca de presentes entre autoridades de Estado.

 

Ø  Aliados de Bolsonaro avaliam que caso das joias sauditas complica retorno de ex-presidente ao Brasil

 

Sem uma linha de reação definida, o caso envolvendo o ingresso irregular no país de joias procedentes da Arábia Saudita destinadas ao então presidente Jair Bolsonaro e sua mulher, Michelle, complicam as tratativas para o retorno do ex-chefe do Executivo dos Estados Unidos ao Brasil, segundo fontes ligadas a ele disseram à Reuters.

Segundo as fontes, Bolsonaro provavelmente deverá enfrentar uma nova investigação criminal pelo caso. Ele agora está sem a garantia do foro privilegiado, o que o deixa mais vulnerável a medidas restritivas como busca e apreensão.

O ex-presidente já está sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito que apura os ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília em 8 de janeiro e em ao menos mais quatro inquéritos. Há também ações contra o ex-presidente analisadas na Justiça Eleitoral que pedem que ele fique inelegível.

Não bastasse, conforme as fontes, o caso ainda pode retirar o foco das atenções para que o ex-presidente volte ao país no papel de líder da oposição ao governo Luiz Inácio Lula da Silva que gostaria de encarnar.

Nesta segunda-feira, a Polícia Federal decidiu abrir um inquérito após a Receita Federal informar que o governo Bolsonaro não adotou os procedimentos necessários para a incorporação ao patrimônio público de joias presenteadas pelo governo saudita a uma comitiva brasileira que visitou o país em 2021. Parte das joias ficou retida na Receita Federal em Guarulhos --um conjunto avaliado em 16,5 milhões de reais--, enquanto um outro pacote foi entregue à Presidência.

A Receita Federal e o Ministério Público Federal de São Paulo também instauraram apurações sobre o caso revelado na sexta-feira pelo jornal O Estado de S. Paulo. Nesta terça-feira, a Controladoria-Geral da União (CGU) informou ter instaurado uma Investigação Preliminar Sumária (IPS), com o objetivo de apurar a atuação de servidores públicos no caso.

Até o momento, conforme duas fontes, Bolsonaro não indicou qual a linha seus aliados devem seguir para se manifestar sobre o caso, o que tem dificultado a atuação em sua defesa até dos bolsonaristas mais aguerridos.

O episódio tem complicadores, avaliam as fontes, porque há uma série de ofícios de integrantes do governo pedindo a liberação das joias, retidas desde outubro de 2021 no Aeroporto de Guarulhos, inclusive às vésperas de Bolsonaro deixar o comando do país.

No partido, segundo uma das fontes, a avaliação é que o caso das joias foi mal conduzido e não é um problema partidário, mas exclusivamente de Bolsonaro e de Michelle. A ex-primeira-dama foi aconselhada a adiar o giro que iria começar a fazer este mês para promover o PL Mulher.

Michelle tem sido tratada pelo presidente do partido, Valdemar Costa Neto, como uma das apostas da legenda para 2026 caso o ex-presidente venha a ser condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral e impedido de concorrer.

O próprio retorno de Bolsonaro dos Estados Unidos, segundo outra fonte ligada à família, segue incerto e deve ser postergado em razão do caso das joias. Na manhã de terça, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que coordenou a campanha do pai à reeleição, chegou a publicar no Twitter que o ex-presidente voltaria ao país no dia 15.

"Acabou a espera! Bolsonaro vem aí! No dia 15 de março, o nosso Johnny Bravo volta para o Brasil. Já pode pendurar a bandeira verde e amarela e vestir as cores do nosso país. Juntos, vamos fazer uma oposição forte e responsável, pelo bem do nosso Brasil. Deus, pátria e família!", postou Flávio.

Pouco mais de dez minutos depois, Flávio apagou o que havia dito e se retratou. "Peço desculpas pela postagem anterior, deve ser a saudade grande! Na verdade a data de retorno do nosso líder @jairbolsonaro no dia 15/março era provável, mas não confirmada ainda. Assim que houver uma data definitiva ele mesmo divulgará, tá ok!", disse.

Flávio Bolsonaro e os demais filhos ainda não acharam o tom para responder o caso, segundo uma das fontes, à espera de uma linha de atuação do próprio pai. A suspeita, conforme essa fonte, foi de "fogo amigo", ou seja, alguém de dentro do núcleo de confiança teria vazado o caso. Flávio está particularmente preocupado com o impacto do episódio, conforme essa fonte.

Bolsonaro viajou para os Estados Unidos na véspera do fim do governo, não participando das festividades de passagem de gestão para Luiz Inácio Lula da Silva. Ele nunca aceitou publicamente a derrota para o petista.

Em sua última versão sobre o 8 de janeiro, o ex-presidente disse "ter certeza" que foi arquitetado pela esquerda. Contudo, investigações oficiais já identificaram o envolvimento direto de apoiadores de Bolsonaro no planejamento e execução da invasão e da depredação dos prédios das sedes dos Três Poderes.

 

Fonte: Yahoo Notícias/Agencia Estado/Rfi/Reuters

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