Alergias: os
hábitos que podem ajudar a prevenir
Quando eu tinha 4 anos de idade, tomei meu primeiro
copo de leite no hospital com o gotejador intravenoso nas mãos para administrar
medicação de emergência caso ocorresse uma reação alérgica forte.
Os
médicos estavam realizando um teste alimentar para ver se eu seria intolerante
a leite de vaca.
Desde
pequena, fui alérgica a leite. Primeiro, recebi uma gota de leite na língua,
seguida por alguns goles e, por fim, um copo cheio.
Esses
testes aconteciam regularmente e, muitas vezes, resultavam em irritação e
vômitos. Mas, felizmente, nada de mais sério.
Cresci
e deixei de ser alérgica a laticínios aos 7 anos. Mas, até hoje, não consigo
tomar um copo de leite de vaca sem sentir náuseas, talvez porque a minha mente
ainda associe o sabor a essa sensação.
Fui
uma criança com diversas alergias, a ovos, nozes e laticínios. Olhando para
trás, todos os sinais de advertência de que desenvolveria alergias alimentares
estavam presentes.
Tinha
não só um histórico de alergias na família, mas também sofri fortes eczemas
quando bebê, que os médicos hoje em dia dizem ser um sinal de alerta.
Mas
tive sorte e nunca sofri anafilaxia, que ocorre quando os alérgenos fazem com
que o sistema imunológico entre em estado de choque, causando sintomas severos
e potencialmente mortais, que podem incluir problemas respiratórios, vômitos e
pulso arterial fraco.
Sofria
com erupções na pele, cólicas estomacais e irritação na garganta se comesse
ovos ou laticínios. Apenas uma vez, eu comi por acidente uma pequena quantidade
de amendoim, que causou cólicas estomacais e vômitos fortes - mas não precisei
ser hospitalizada.
Minhas
alergias restringiram muito minha alimentação na infância. Não havia muitas
alternativas não lácteas nos anos 1990. Por isso, passei meus oito primeiros
anos de vida sem bolo, chocolate e queijo.
Pode
parecer um sacrifício pequeno - afinal, muitas pessoas abdicam voluntariamente
desses prazeres, seja para reduzir a ingestão de açúcar ou para evitar produtos
animais.
Mas
as alergias alimentares são diferentes. Elas exigem que fiquemos em alerta
constante para possíveis ameaças em cada refeição.
As
pessoas que vivem com alergias alimentares provavelmente sabem que elas
prejudicam a qualidade de vida e a saúde mental de crianças e adolescentes,
além de suas famílias. E, embora as mortes causadas por reações alérgicas a
alimentos tenham caído no Reino Unido nos últimos 20 anos, ainda existem casos
fatais de anafilaxia.
Tive
sorte, e duas das minhas três alergias (ovos e laticínios) desapareceram. Hoje,
elas não prejudicam mais minha vida diária. Mas as alergias estão se tornando
uma preocupação para um número cada vez maior de pais e filhos, muitas vezes
causando estresse e ansiedade.
As
orientações médicas passaram por enormes mudanças desde que sofri com alergias
alimentares quando criança. Em vez de respeitar sua rigorosa abstenção, médicos
estão incentivando os pais de crianças com risco de alergias a introduzir
amendoins, ovos, leite e outros possíveis alérgenos na alimentação assim que
elas começam a ingerir alimentos sólidos.
Será
que isso pode nos ajudar a evitar o risco das alergias alimentares para as
gerações futuras - e talvez até reduzir a gravidade dos casos já existentes?
·
Onda de alergias
As
alergias infantis estão crescendo em velocidade alarmante, particularmente nos
países industrializados.
"Observamos
que a incidência e a prevalência de alergias alimentares estão aumentando em
todo o mundo", diz Kari Nadeau, professora de Medicina Pediátrica e
diretora do Centro Sean N. Parker de Pesquisa de Asma e Alergia da Universidade
Stanford, nos Estados Unidos.
No
seu livro, The End of Food Alergy ("O fim da alergia
alimentar", em tradução livre), ela classifica esse aumento como
"epidêmico".
A
alergia é o distúrbio crônico mais comum em crianças no Reino Unido. Afeta 40%
- uma das taxas mais altas do mundo. Mas os pesquisadores indicam que a falta
de dados precisos sobre a prevalência das alergias e a ampliação do uso desse
termo podem dificultar a comparação direta das taxas em diferentes países.
Nos
Estados Unidos, estudos indicam que 3,9% a 8% das crianças e adolescentes são
afetados por alergias alimentares.
Na
Austrália, pesquisadores conduziram um estudo com 2.848 bebês de 1 ano de idade,
com base nos resultados de testes alimentares - um método que fornece dados
considerados particularmente precisos. Eles concluíram que mais de 10% tinham
alergia alimentar comprovada a um dos alimentos alergênicos mais comuns, como
ovos crus e amendoins.
A
ideia de que as alergias estão aumentando é confirmada por muitas fontes
diferentes, desde pesquisas até internações hospitalares.
Entre
1997 e 2011, a prevalência de alergias alimentares em crianças nos Estados
Unidos aumentou em 50%. E, entre 2013 e 2019, a Inglaterra teve um aumento de
72% de internações hospitalares causadas por anafilaxia entre crianças.
"A
outra grande mudança da epidemiologia é o fato de que cada vez mais pessoas têm
diversas alergias alimentares", afirma Nadeau. "Elas não são alérgicas
apenas a leite, ovo ou amendoim. Agora, também têm alergia a trigo, gergelim ou
nozes."
·
Como as crianças ficam alérgicas?
"As
crianças não nascem alérgicas", afirma George Du Toit, professor de
Alergia Pediátrica do King's College de Londres. Mas a genética pode fazer com
que um bebê seja mais propenso a desenvolver alergia em algum momento.
Se
os dois pais forem alérgicos, seus filhos têm 60% a 80% de risco de também
desenvolver alergias, em comparação com o risco de 5% a 15% entre as crianças
sem pais alérgicos.
Embora
alguns bebês possam apresentar risco mais alto de desenvolver alergias com mais
idade, por causa da características herdadas dos pais, elas não se desenvolvem
durante a gravidez.
"Não
existe nada que tenhamos observado na gravidez que possa induzir a alergia
alimentar", segundo Nadeau.
Ela
acredita que é importante que as mães compreendam essa questão. Muitas mães
perguntam "o que eu fiz de errado?", achando que pode haver relação
com a sua alimentação durante a gravidez. Mas Nadeau explica que não existem
evidências a este respeito.
É
durante as primeiras semanas e meses de vida que os bebês são expostos a
alérgenos no seu ambiente e começam a desenvolver anticorpos. Essa exposição
acontece através da pele e não do intestino, segundo Nadeau.
"No
momento em que um 'objeto estranho' atinge nossa pele, mesmo em nível
microscópico, esses processos alérgicos começam a ser introduzidos no sistema e
começamos a ativar linfócitos B e linfócitos T, que formam reações de memória
para toda a vida", explica ela.
Os
linfócitos B e os linfócitos T são dois tipos de linfócitos que desempenham um
papel muito importante na nossa reação imunológica. Eles nos permitem reagir à
percepção de uma ameaça e recordar essa reação para que ela seja mais rápida e mais
forte na próxima vez em que a mesma ameaça aparecer.
Isso
significa que uma criança pode ser exposta a amendoins contidos na poeira ou
resíduos nas mãos dos seus pais, que podem acionar uma reação imunológica muito
antes que ela chegue a ingerir proteína de amendoim. E, quando comer o alimento
pela primeira vez, ela pode já ser alérgica.
"Se
o corpo for apresentado pela primeira vez e repetidamente a alimentos através
da pele, não pela boca e pelo trato gastrointestinal, pode aumentar a
probabilidade de formação de sensibilidade àquele alimento e possíveis
alergias", explica Jennifer Bufford, vice-presidente de operações clínicas
da organização Food Allergy Research and Education (Pesquisa e Educação em
Alergia Alimentar, ou FARE, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.
Crianças
com eczema, uma inflamação da pele que causa ressecamento, lesões e coceira,
são particularmente vulneráveis ao desenvolvimento de alergias alimentares.
Isso ocorre porque sua pele tem orifícios microscópicos, que permitem que as
partículas entrem no corpo, segundo Nadeau.
"Eczemas
fortes e precoces, particularmente se forem distribuídos em áreas expostas,
como o rosto, o pescoço, os braços e as pernas, são um sinal vermelho e uma
fonte real de exposição", afirma Du Toit.
·
Começa na pele
Bebês
com eczemas são 6 vezes mais propensos a ter alergia a ovos e 11 vezes mais
propensos a ter alergia a amendoim até os 12 meses de vida que os bebês sem
eczema, segundo um estudo populacional com crianças de 1 ano de idade realizado
na Austrália.
No
Reino Unido, uma em cada cinco crianças com até 2 anos de idade tem eczema. O
número de crianças com eczema e rinite alérgica no Reino Unido atualmente é
mais que o triplo que nos anos 1960.
A
causa exata não é conhecida, mas Nadeau acredita que o aumento dos níveis de
poluição e do uso de detergentes e sabões agressivos possam ser algumas das
razões.
Os
detergentes que contêm a enzima protease podem prejudicar a barreira da pele e
aumentar a sensibilidade a alérgenos, segundo ela. "Os detergentes são
muito concentrados e realmente limpam nossas roupas, mas, infelizmente, também
prejudicam nossa pele."
"Nosso
ambiente moderno e industrializado provavelmente aumentou nossa
susceptibilidade [a eczemas e alergias]", afirma Bufford. Também se
acredita que o fumo e a poluição do ar contribuam para o aumento das alergias.
E
desastres ambientais, como incêndios florestais, podem piorar a situação. A
exposição de curto prazo à fumaça de incêndios florestais foi relacionada ao
aumento de eczemas e coceiras em geral, mesmo entre pessoas sem histórico de
problemas da pele, segundo uma pesquisa da Universidade da Califórnia em São
Francisco, nos Estados Unidos.
Um
estudo realizado por Nadeau e seus colegas de Stanford concluiu que a exposição
de crianças a esse tipo de fumaça está relacionado a concentrações
significativamente mais baixas de linfócitos T auxiliares do tipo 1 (Th1) - que
combatem infecções - e níveis mais altos de linfócitos T auxiliares do tipo 2
(Th2), que ativam os linfócitos envolvidos em inflamações alérgicas.
"O
sistema imunológico fica em estado de fluxo constante, com diversos tipos de
linfócitos aumentando ou diminuindo, dependendo das substâncias a que o corpo
está sendo exposto", afirmou Mary Prunicki, principal autora do estudo, na
época de sua publicação, em 2019.
"Neste
estudo, concluímos que havia mais linfócitos [Th2] em crianças que foram
expostas à fumaça de incêndios florestais, que representou maior exposição à
poluição, afinal."
Nadeau
explica que uma quantidade maior de linfócitos do tipo Th2 aumenta a indução de
asma e alergias agudas e crônicas porque eles ativam linfócitos B específicos
de alérgenos.
O
estudo concluiu ainda que a exposição à poluição do ar produzida pelo trânsito
no primeiro ano de vida aumenta o risco de alergias a alimentos, mofo, pragas e
animais domésticos.
A
proteína de amendoim, encontrada na poeira doméstica, também foi relacionada ao
surgimento de alergias alimentares.
Um
estudo dos pesquisadores do King's College de Londres encontrou forte relação
entre à exposição no início da vida e alergia a amendoim em crianças com a
mutação FLG, associada a eczemas.
Uma
exposição três vezes maior à poeira de amendoim durante a infância foi
associada a um aumento de três vezes da alergia a amendoim na idade escolar.
"As
crianças com essa mutação são muito mais propensas a ter pele seca, e
concluímos que, se elas tivessem altos níveis de poeira de amendoim na cama ou
na área onde elas brincam, haveria risco significativamente maior de
desenvolver alergia em idade escolar", diz Helen Brough, a principal
autora do estudo e consultora em alergia pediátrica do Hospital Infantil
Evelina, no Reino Unido.
"Minha
principal orientação seria que todos os pais que aplicam cremes sobre a pele
dos seus filhos lavem antes as mãos, pois elas podem ter não apenas bactérias,
mas também amendoim, ovos ou gergelim", afirma Brough.
"Quando
comprarem esse tipo de pomada, os pais nunca devem colocar suas mãos dentro [do
recipiente] para que elas não fiquem contaminadas com bactérias e alimentos",
afirma Brough. Eles devem usar uma espátula limpa para colocar o creme na pele
do bebê antes de esfregá-lo com as mãos, segundo ela.
·
Como evitar alergias a amendoim
Um
estudo histórico no Reino Unido causou uma mudança de paradigma sobre o
tratamento das alergias alimentares em crianças. Ele demonstrou que as alergias
a amendoim podem ser evitadas, se os pais intervierem cedo.
Em
2015, o estudo intitulado Aprender Cedo sobre a Alergia a Amendoim (LEAP, na
sigla em inglês) revelou que o número de crianças que desenvolvem alergia a
amendoim pode ser drasticamente reduzido se elas forem alimentadas com amendoim
desde pequenas.
Vale
salientar neste ponto que os pais interessados no uso deste método devem sempre
discuti-lo primeiro com seus médicos e garantir que ele seja apropriado e
seguro para o seu bebê. As conclusões relatadas nesta reportagem têm fins
apenas informativos e não devem ser tomadas como aconselhamento médico.
O
estudo incluiu 640 bebês com 4 a 11 meses de vida, considerados em alto risco
de desenvolver alergia a amendoim porque tinham eczema grave, eram alérgicos a
ovos ou sofriam das duas condições até os 5 meses.
As
crianças foram divididas em dois grupos: os que recebiam regularmente alimentos
com amendoim em pelo menos três refeições por semana e os bebês de famílias que
evitavam completamente o consumo de amendoins.
O
estudo LEAP concluiu que o consumo regular de amendoins reduziu a incidência de
alergia a amendoim em 81% aos 5 anos. Nessa idade, apenas 3,2% do grupo de
consumo desenvolveram alergia a amendoim, em comparação com 17,2% no grupo que
evitou o alimento.
"A
diferença entre os dois grupos foi enorme", afirma Du Toit, que é um dos
autores do estudo LEAP. Segundo ele, essa descoberta científica
"revolucionou" o tratamento das alergias infantis.
"A
orientação costumava ser 'se você não chegar perto deste vilão alergênico, você
não criará um problema", explica Du Toit. "Mas tudo o que você faz é
chutar a lata rua abaixo e prolongar a oportunidade que a criança tem de
adquirir a alergia."
Nadeau
resumiu esse conhecimento científico em duas frases: "As alergias começam
na pele; na alimentação, as alergias podem não se manifestar".
·
Novas orientações
Depois
da publicação do estudo LEAP, a Academia Norte-Americana de Pediatras aprovou a
introdução precoce do amendoim na alimentação dos bebês com alto risco de
alergia.
Em
2017, o Instituto Nacional da Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos
publicou novas orientações para a introdução de alimentos com amendoim na
alimentação dos bebês com 4 a 6 meses de vida que tenham eczemas graves ou
alergia a ovos e a partir dos 6 meses para crianças com eczema suave a
moderado.
Anteriormente,
as orientações recomendavam que os pais atrasassem a introdução de certos
alimentos de alto risco (como amendoim), o que "pode ter colaborado com o
aumento atual de crianças com alergias alimentares", afirma Bufford.
A
Sociedade Britânica de Alergia e Imunologia Clínica também publicou novas
orientações de tratamento de alergias a nozes em 2017, recomendando a
introdução precoce de amendoins na alimentação de bebês desmamados com alto
risco de alergias.
Muitos
pais estão "muito nervosos" com a introdução de amendoins e outros
alimentos que podem causar alergias na dieta dos seus bebês, principalmente se
houver histórico familiar de alergias, segundo Maeve Kelleher, médica do
Imperial College de Londres e consultora sobre Alergia Pediátrica do hospital
Children's Health, na Irlanda.
Se
for este o caso, Kelleher afirma que pode valer a pena fazer primeiro um exame
de pele ou introduzir o alimento em um ambiente hospitalar. Em bebês com menos
de 1 ano, a ocorrência de anafilaxia é "muito improvável", segundo
ela, e os sintomas alérgicos mais comuns são erupções da pele e, às vezes,
vômitos.
"Quando
a criança é mais velha e seu sistema imunológico é mais sofisticado, a
probabilidade de anafilaxia aumenta", explica Brough.
Du
Toit afirma que é importante que os pais saibam que existe uma "janela de
oportunidade" para determinar a tolerância, que vai de 4 a 11 meses. Ele
orienta começar o desmame dos seus filhos com o máximo possível de alimentos
diferentes, especialmente se eles tiverem eczema.
"É
raro ser alérgico a apenas um alimento, quando você encontra uma alergia
alimentar, normalmente encontra outras", diz Du Toit. "Quando você
encontra uma, o relógio começa a andar, e a janela de oportunidade começa a se
fechar."
Quando
o bebê completa 12 meses de vida, muitas vezes é tarde demais, porque as
alergias já estão estabelecidas, segundo ele.
"Muitas
alergias andam juntas porque elas compartilham proteínas comuns, especialmente
moluscos", afirma Nadeau. "Por isso, se você for alérgico a camarão,
será mais propenso a ser alérgico a outros animais com exoesqueleto, como a
lagosta."
Por
este motivo, é importante apresentar uma ampla variedade de alimentos aos bebês
no primeiro ano de vida, segundo ela.
·
'Limpo demais' é realmente um problema?
Um
dos temas mais discutidos quando o assunto é alergia é se a limpeza é culpada
pelo aumento das alergias.
A
hipótese da higiene, que foi postulada pelo epidemiologista David Strachan em
1989, propõe que a exposição a germes e infecções na primeira infância ajuda o
sistema imunológico a desenvolver-se e protege contra alergias.
Strachan
argumentou que o aumento da asma e das alergias no final do século 20 estava
relacionado com a menor exposição das crianças a micróbios, devido à redução do
tamanho das famílias, limitada interação com animais e padrões mais altos de
limpeza.
Esta
teoria é polêmica, e muitos cientistas discordam. Eles argumentam que a boa
higiene é fundamental para proteger contra doenças e que não há boas evidências
que demonstrem que a limpeza é responsável pelo desenvolvimento de alergias.
Uma
interpretação amplamente sustentada dessa hipótese é que a susceptibilidade a
alergias não precisa estar relacionada com o grau de limpeza da sua casa, mas
sim se seu intestino foi exposto a diferentes tipos de micro-organismos.
Em
um estudo de 2021, pesquisadores do University College e da Escola de Higiene e
Medicina Tropical, em Londres, indicam que a exposição das crianças às vacinas,
ao seu ambiente natural e à microbiota benéfica da mãe fornece todos os
micróbios necessários para um sistema imunológico saudável.
O
estudo demonstra que limpar a casa "não reduz necessariamente a exposição
da criança à mãe ou à natureza, enquanto a microbiota não natural da casa
moderna não é útil e pode ser tóxica", segundo Graham Rook, professor
emérito de Microbiologia Médica do UCL e principal autor do estudo.
Embora
a limpeza no lar não seja mais considerada um fator de risco para alergias,
fatores ambientais podem influenciar o desenvolvimento do seu sistema
imunológico e condições alérgicas.
"Crianças
que nascem em ambientes rurais são muito menos propensas a ter asma, eczema e
alergias", afirma Brough. "Acredita-se que seja devido, em parte, à
sua alimentação e, em parte, à sua exposição às bactérias dos estábulos."
Um
estudo na África do Sul concluiu que a exposição a animais de criação protegeu
crianças com 12 a 36 meses de vida contra condições alérgicas. E pesquisas em
crianças amish criadas em fazendas no Estado de Indiana, nos
Estados Unidos, fornecem um quadro ainda mais detalhado.
Os amish são
uma comunidade rural de descendentes de suíços, que moram tipicamente em
famílias grandes e seguem um estilo de vida tradicional - evitam o uso de
eletricidade, por exemplo, e utilizam carroças puxadas por cavalos em vez de
carros. Os pesquisadores compararam as crianças amish com
crianças suíças criadas em fazendas e também com crianças suíças que não viviam
em fazendas.
Todas
essas crianças tinham antecedentes genéticos similares, mas suas taxas de
incidência de asma e alergia eram muito diferentes. As crianças amish apresentaram
as taxas mais baixas de asma e alergia, enquanto as crianças suíças não criadas
em fazendas tinham as mais altas, comparáveis com a incidência geral nos
Estados Unidos. Já as crianças suíças criadas em fazendas apresentaram
incidência intermediária.
Esses
resultados indicam que o estilo de vida, não a genética, tem papel decisivo no
desenvolvimento de asma e alergia. E, especialmente, que o contato próximo com
animais é benéfico.
A
razão da diferença entre as crianças suíças e amish criadas em
fazendas não ficou totalmente clara e pode ter relação com o tamanho das famílias,
segundo o estudo.
"Nesse
ambiente rural, a exposição aos animais da fazenda é o fator de proteção mais
forte", afirmam os pesquisadores. "Nas comunidades urbanas, onde o
contato com animais é raro, os fatores de risco incluem o parto por cesariana e
fatores protetores incluem o consumo de produtos de leite fermentado."
·
O parto e a saúde intestinal
Pesquisas
indicam que existe relação entre a forma em que o bebê nasce, suas bactérias
intestinais e sua sensibilidade alimentar quando for mais velho.
Concluiu-se
que bebês que nascem de parto normal e são expostos às bactérias vaginais e
intestinais da mãe durante o processo têm contagens de bactérias intestinais
mais altas que as que nascem de cesariana.
Um
estudo realizado por pesquisadores canadenses determinou que existe relação
entre as crianças que nasceram de cesariana e a sensibilidade a amendoim nos
bebês. O estudo observou que essas crianças apresentaram níveis constantemente
baixos de bacteroides - uma espécie de bactéria fundamental para o desenvolvimento
do sistema imunológico - no primeiro ano de vida.
Os
bebês com baixos níveis de bacteroides apresentaram três vezes mais risco de
desenvolvimento de sensibilidade a amendoim com 3 anos de idade.
"Tudo
se resume à flora intestinal", afirma Helen Brough. "Sabemos que
crianças com alergias alimentares possuem microbioma intestinal diferente das
outras crianças."
Muitas
mães que deram à luz por cesariana recebem antibióticos após o parto, para
evitar que o corte infeccione. Isso é importante para a saúde e a recuperação
da mãe, mas Brough afirma que pode ter um efeito colateral negativo:
"Sabemos que a exposição a antibióticos nas primeiras duas semanas de vida
aumenta o risco de eczema [para o bebê]".
Isso
não significa que os bebês que nasceram de cesariana inevitavelmente
desenvolverão alergias. Como demonstra o estudo LEAP, eles podem beneficiar-se
de estratégias preventivas. Mas é uma indicação útil sobre as causas das
alergias.
·
Perdendo as alergias com a idade
Felizmente,
minhas alergias a leite e ovos desapareceram com o crescimento, mas ainda não
consigo comer castanhas de nenhum tipo.
Isso
parece ser comum. Cerca de 80% das crianças perdem suas alergias a leite e ovo
com a idade, segundo Maeve Kelleher. "Mas, infelizmente, apenas cerca de
20% se recuperam de uma alergia a castanhas."
"As
alergias a ovos, leite, trigo e soja muitas vezes se resolvem na infância, mas
as crianças parecem estar se livrando de algumas dessas alergias mais
lentamente do que décadas atrás. Muitas crianças ainda têm alergia com mais de
5 anos de idade", afirma Jennifer Bufford.
Ela
diz que alergias a amendoim, nozes, peixes e moluscos geralmente duram a vida
toda.
Mas,
mesmo para essas alergias, estão surgindo opções de tratamento. E a
imunoterapia, que elimina a sensibilidade do corpo a um alérgeno, é um
tratamento particularmente promissor.
Foram
descobertos remédios imunoterápicos que induzem a remissão da alergia a
amendoim. Em um recente estudo clínico nos Estados Unidos, a imunoterapia oral
para amendoins administrada a crianças fortemente alérgicas com 1 a 3 anos de
idade - sob rigorosa supervisão médica - eliminou a sensibilidade a amendoim da
maioria e induziu a remissão da alergia a amendoim de um quinto delas.
Este
tipo de imunoterapia é diferente das etapas preventivas para bebês e é
conduzido por especialistas em centros médicos especializados, não pelos
próprios pais.
Embora
as alergias alimentares estejam crescendo rapidamente em todo o mundo,
finalmente estamos começando a compreender como tratá-las de forma eficiente e
prevenir o seu aparecimento com intervenções precoces.
Sei
exatamente como esses desenvolvimentos científicos podem mudar as vidas das
pessoas. Eles significam que gerações futuras de crianças poderão divertir-se
livremente quando saírem para brincar e em festas de aniversário, sem o risco
de se sentirem incrivelmente mal. E seus pais não serão atormentados pelo
receio constante de possíveis alérgenos ocultos.
Atenção: Todo o
conteúdo desta reportagem é fornecido apenas como informação geral e não deverá
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assistência médica. Consulte sempre o seu médico em caso de qualquer
preocupação com a sua saúde ou com a saúde dos seus filhos.
Fonte:
Por Isabelle Gerretsen, para a BBC Future
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