quarta-feira, 29 de março de 2023

A nova aposta de cientistas para capturar CO2 da atmosfera e reduzir aquecimento global

Uma nova maneira de capturar dióxido de carbono da atmosfera e armazená-lo no mar foi apresentada por cientistas.

Os autores da proposta, publicada na revista científica Science Advances, dizem que a nova abordagem captura o CO2 da atmosfera de forma até três vezes mais eficiente do que os métodos atuais.

O dióxido de carbono, que contribui para o aquecimento global, pode ser transformado em bicarbonato de sódio e armazenado de maneira segura e barata na água do mar.

O novo método pode acelerar a implantação da tecnologia de remoção de carbono, segundo especialistas.

Enquanto o mundo se esforçava para limitar e reduzir as emissões de dióxido de carbono nas últimas décadas, várias empresas se concentraram no desenvolvimento de tecnologias para retirar CO2 da atmosfera.

A Climeworks, na Suíça, talvez seja a mais conhecida. Nos últimos dez anos, a companhia desenvolveu máquinas para absorver o ar da atmosfera que filtram e retêm as moléculas de dióxido de carbono.

Em uma usina na Islândia, o CO2 capturado é injetado nas profundezas do subsolo, onde é permanentemente transformado em rocha.

A empresa começou recentemente a vender um serviço de remoção de carbono certificado para grandes clientes corporativos, incluindo Microsoft, Spotify e Stripe.

Mas o grande desafio para a maioria das abordagens atuais de captura direta do ar é o custo.

O CO2, embora seja um poderoso agente do aquecimento global, está relativamente diluído na atmosfera em cerca de 400 partes por milhão (ppm).

São necessárias então máquinas enormes que requerem grandes quantidades de energia para absorver e descarregar o CO2.

Essa nova abordagem, que utiliza resinas e outras substâncias químicas já disponíveis, promete uma eficiência muito maior e um menor custo, segundo os cientistas envolvidos.

A equipe de pesquisa recorreu a uma abordagem usada para aplicação na água e "ajustou" os materiais existentes para remover CO2 da atmosfera.

Nos testes, o novo material de absorção híbrido foi capaz de retirar até três vezes mais CO2 do que as substâncias existentes.

"Que eu saiba, não há material de absorção que, mesmo a 100.000 ppm, mostre a capacidade que obtivemos na captura direta de ar de 400 ppm", afirmou o principal autor do estudo, Arup Sengupta, que é professor da Universidade de Lehigh, nos EUA.

"Essa capacidade simples de capturar CO2 em alta quantidade em um pequeno volume de material é um aspecto único do nosso trabalho."

O desenvolvimento, que está em estágio inicial, foi bem recebido por outros representantes do setor.

"Fico feliz em ver este artigo publicado, é muito emocionante e tem uma boa chance de transformar os esforços de captura de CO2", disse a professora Catherine Peters, da Universidade de Princeton, nos EUA, especialista em engenharia geológica, que não estava envolvida no projeto de pesquisa.

"O que é inteligente nisso é que o ponto de partida foi uma tecnologia projetada anteriormente para uso na água. Esse avanço aplica essa tecnologia à fase gasosa — uma ideia nova."

"O desempenho demonstrado para a captura de CO2 é promissor."

Um dos grandes desafios na captura de CO2 é o que fazer com o gás retido.

Armazená-lo sob o solo ou mar nos antigos poços de petróleo é uma abordagem amplamente utilizada. Mas o novo artigo sugere que, com o acréscimo de algumas substâncias químicas, o CO2 capturado pode ser transformado em bicarbonato de sódio e armazenado de maneira simples e segura na água do mar.

Sengupta contou que quer criar uma empresa spin-off para desenvolver ainda mais a tecnologia.

Ele acredita que a remoção de CO2 dessa maneira será não só fundamental para limitar o aumento das temperaturas globais, como também poderá ser diretamente empoderadora para os países em desenvolvimento.

"Temos que levá-la a lugares como Bangladesh, Barbados ou Maldivas, eles também têm um papel a desempenhar, não podem ser apenas espectadores que continuam sofrendo."

Alguns cientistas são relutantes em colocar muita ênfase em tecnologias novas e emergentes, como a captura direta do ar, porque temem que possam diluir os esforços de redução das emissões de carbono por parte de governos e indivíduos.

Mas com os limites de temperatura estabelecidos pelo acordo climático de Paris ameaçados pelas crescentes emissões, muitos outros sentem que a rápida implantação da captura direta do ar, além da redução drástica no carbono, é a melhor chance de evitar mudanças climáticas perigosas.

"Se tornou ainda mais importante agora que definitivamente passamos do ponto, em que temos que recuperar o carbono do meio ambiente", afirmou o professor Klaus Lackner, pioneiro no campo da remoção do CO2.

"A captura direta do ar terá que ficar mais barata para ser uma contribuição útil. Estou otimista de que se possa fazer isso."

Sengupta compartilha desse otimismo, acreditando que a nova abordagem pode remover o CO2 da atmosfera por menos de US$ 100 por tonelada.

 

Ø  Os países que receberão bilhões de dólares para deixar de usar combustíveis poluidores

 

Os pedidos das nações ricas para que os países em desenvolvimento acelerem a transição energética como parte do combate às mudanças climáticas enfrentam há anos o mesmo obstáculo: a falta de dinheiro.

Substituir as fontes de energia poluentes por energia limpa exige milhões de dólares, que aqueles países precisam destinar às necessidades imediatas da população.

Esta situação limita a quantidade de recursos que podem ser usados para combater o aquecimento global. Afinal, por mais grave que seja a questão, suas consequências mais sérias tendem a agravar-se em médio e longo prazo. O problema é que os cientistas temem que, quando isso acontecer, os danos causados ao planeta já possam ser irreversíveis.

Mas uma iniciativa recentemente lançada parece estar abrindo as portas para que pelo menos alguns países em desenvolvimento possam receber o dinheiro necessário para eliminar o uso de combustíveis altamente poluidores, como o carvão, e substituí-los por fontes energéticas sustentáveis. São os acordos de Associação para a Transição Energética Justa (ATEJ).

Esses convênios já foram assinados pelo chamado Grupo de Sócios Internacionais - composto pela União Europeia e por vários países ricos, como os Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Canadá, Japão, Noruega e Dinamarca - e por três países em desenvolvimento: África do Sul, Indonésia e Vietnã.

Espera-se que estes três países recebam, ao todo, cerca de US$ 44 bilhões (cerca de R$ 226 bilhões) em um período de três a cinco anos, como estímulo para antecipar a transição energética.

Mas no que consistem esses convênios e qual a origem do dinheiro?

·         Financiamento da transição energética

O primeiro país a assinar um acordo ATEJ foi a África do Sul, no dia 2 de novembro de 2021, durante a Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas COP26, realizada em Glasgow, no Reino Unido. Um ano mais tarde, foi assinado o acordo com a Indonésia, durante a cúpula do G20 em Bali.

Já o Vietnã assinou o acordo no último dia 14 de dezembro, durante a reunião entre a União Europeia e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla em inglês).

Segundo os acordos assinados, a África do Sul receberá US$ 8,5 bilhões (cerca de R$ 43,6 bilhões); a Indonésia, cerca de US$ 20 bilhões (cerca de R$ 102,6 bilhões); e o Vietnã, cerca de US$ 15 bilhões (cerca de R$ 77 bilhões).

Os convênios foram baseados no reconhecimento da necessidade de acelerar o passo para atingir os objetivos estabelecidos pela ONU com relação às mudanças climáticas, a fim de evitar suas piores consequências. Para isso, é preciso reduzir à metade a emissão de gases do efeito estufa até 2030 e atingir a meta de emissões zero até 2050, segundo destacado nas declarações políticas que acompanham os acordos.

Em termos práticos, estes três acordos pretendem ajudar a acelerar a descarbonização da economia desses países e, particularmente, limitar e reduzir o uso de carvão como fonte energética para geração de eletricidade.

Em todos os casos, os fundos colocados à disposição dos países provêm de fontes públicas e privadas e são oferecidos por diversos mecanismos, como empréstimos em condições favoráveis, empréstimos de mercado, subvenções, investimentos privados e outros.

Todos os convênios preveem a participação do setor privado. No caso da Indonésia e do Vietnã, espera-se que a metade dos fundos venha desse setor.

Ambos os convênios mencionam a participação da Aliança Financeira de Glasgow para Emissões Zero (GFANZ, na sigla em inglês), uma coalizão de instituições financeiras formada durante a COP26 para contribuir para a descarbonização da economia.

Os membros da GFANZ incluem grandes bancos, como o Bank of America, HSBC, Deutsche Bank, Citi, o Grupo Financeiro Mizuho, Grupo Financeiro Shinhan, Grupo SMBC, Prudential PLC, o Grupo Macquarie e o Standard Chartered, entre outros. E o acordo com o Vietnã indica que a GFANZ irá coordenar os aportes do setor privado.

Também se prevê a participação de organismos multilaterais, como o Banco Mundial. Mas, paradoxalmente, embora os montantes previstos para apoiar a transição energética nesses países possam parecer elevados, é provável que, na realidade, eles não sejam suficientes.

Segundo o Plano de Investimentos para a Transição Energética apresentado em novembro passado pela África do Sul, o país precisará de cerca de US$ 98,7 bilhões (cerca de R$ 506 bilhões) para descarbonizar sua economia entre 2023 e 2027.

Outra limitação da iniciativa é que, aparentemente, ela só contempla o fornecimento de uma parte muito pequena dos fundos na forma de subvenções. Pelo menos no caso da África do Sul, apenas 4% do pacote financeiro total são formados por subvenções, enquanto os recursos restantes procedem de empréstimos soberanos ou multilaterais, segundo o jornal Financial Times.

Isso levou o governo do presidente sul-africano Cyril Ramaphosa a alertar, em novembro de 2022, que a estrutura do pacote dependia muito de empréstimos que passariam a integrar a dívida externa do país. De qualquer forma, vale destacar que o desembolso previsto no ATEJ tem fins específicos e serviria mais como primeiro impulso financeiro.

Segundo um relatório do think tank (centro de pesquisa e debates) Atlantic Council, com sede na capital americana, Washington, "embora o ATEJ represente uma contribuição financeira significativa para os objetivos climáticos da África do Sul, seu benefício real reside nas reformas transformadoras do setor energético que o governo deve promulgar para ampliar seu financiamento".

·         Retirando o carvão da equação energética

Estes acordos são claramente orientados à redução do consumo de carvão pelos países envolvidos, especialmente para a geração de eletricidade.

"Estas associações são uma ferramenta fundamental para desbloquear as reduções de emissões de que o mundo precisa na década de 2020", destacou o secretário-geral da ONU, Antônio Guterres. Para ele, "precisamos de todas as forças para levar a cabo uma transição energética que seja global, sustentável, justa, inclusiva e equitativa".

A África do Sul é o 14º país que mais emite gases do efeito estufa, devido principalmente à sua dependência do uso de carvão para gerar 77% da sua eletricidade, segundo a revista britânica The Economist.

Espera-se que o ATEJ impeça a emissão de 1 a 1,5 gigatoneladas de gases do efeito estufa pela África do Sul nos próximos 20 anos.

Já a Indonésia é o nono país que mais emite gases do efeito estufa. Ela também é muito dependente do carvão, que gera 66% da sua eletricidade, segundo dados do anuário estatístico da multinacional energética BP, mencionados pela agência de notícias Reuters.

No caso indonésio, o ATEJ contempla que as emissões do seu setor energético em 2030 não superem 290 milhões de toneladas de CO2, o que representa uma redução das metas anteriores, que fixavam o máximo de 357 milhões de toneladas. A partir daí, as emissões devem continuar caindo, até atingir o objetivo de emissão zero em 2050.

Além disso, foi definido o objetivo de que, até 2030, 34% da eletricidade da Indonésia provenham de fontes renováveis. É um aumento sensível, já que o nível atual é de apenas 6%.

O Vietnã, por sua vez, não aparece na lista dos 10 países que mais emitem gases do efeito estufa, mas seu consumo de carvão vem aumentando muito nos últimos anos, tendo se tornado a fonte de mais de 50% da eletricidade consumida no país.

O convênio ATEJ assinado pelo Vietnã estabelece uma redução de 30% do nível previsto para aumento das emissões do seu setor energético - de 240 milhões para 170 milhões de toneladas de CO2 - que deverá ocorrer em 2030, cinco anos antes do programado anteriormente.

O país também deverá reduzir sua capacidade de consumo de carvão para 30,2 gigawatts, em relação ao nível previsto até aqui, de 37 gigawatts. Ao mesmo tempo, o Vietnã deverá também aumentar o uso de energias renováveis para que, em 2030, elas representem 47% da sua produção de eletricidade, em vez dos 36% previstos anteriormente.

Os especialistas consideram que o Vietnã tem um importante potencial de produção de energia eólica, graças ao seu litoral de mais de 3 mil quilômetros. Se o país cumprir com estes objetivos, estima-se que, até 2035, terão sido evitados cerca de 500 milhões de toneladas de emissões.

A redução do consumo de carvão é uma questão central no combate ao aquecimento global. Trata-se da principal fonte de emissão de CO2 do mundo, segundo os números da Agência Internacional de Energia.

Não surpreende, portanto, que os três primeiros acordos ATEJ tenham sido concretizados com países de alto consumo de carvão. E, segundo anunciado, existem negociações em andamento para celebrar um acordo similar com a Índia, que é o terceiro país que mais emite gases do efeito estufa (atrás apenas da China e dos Estados Unidos) e obtém 74% da sua eletricidade a partir do carvão.

 

Fonte: Por Matt McGrath, correspondente de meio ambiente da BBC News/BBC News Mundo

 

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