segunda-feira, 4 de abril de 2016

“O escândalo da reeleição de FHC”, por José Antonio Lima

Em 2007, durante uma sabatina promovida pelo jornal Folha de S.Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso negou participação no esquema de compra de votos para permitir sua reeleição, mas não negou a existência do esquema. “Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim, muito menos”.
A compra de votos teria sido realizada por quem, então? A delação premiada do ex-presidente do PP Pedro Corrêa, que integra as investigações da Operação Lava Jato e ainda não homologada pela Justiça, pode ajudar a responder.
Na delação, parcialmente revelada pela Folha no sábado, 25, Corrêa afirma que FHC contou com suporte financeiro de grandes empresários para aprovar o projeto da reeleição. Entre os apoiadores do tucano estaria, diz Corrêa, Olavo Setubal, do banco Itaú, morto em 2008.
"Olavo Setubal dava bilhetes a parlamentares que acabavam de votar, para que se encaminhassem a um doleiro em Brasília e recebessem propinas em dólares americanos", diz documento da Procuradoria-Geral da República citando o ex-deputado, condenado no “mensalão” e também na Lava Jato. A família controladora do banco nega as acusações de forma veemente.
O caso é antigo, está provavelmente prescrito e portanto não deve ser investigado. Ainda assim, é talvez o exemplo mais bem acabado de como funcionavam as instituições sob o governo FHC.
A reeleição foi aprovada na Câmara em janeiro de 1997 e, em maio daquele ano, a Folha revelou que dois deputados, Ronivon Santiago e João Maia, ambos do PFL-AC, hoje DEM, venderam seus votos por 200 mil reais.
Nas gravações, havia provas cabais contra os dois e indícios de que dezenas de parlamentares teriam vendido seus votos. Entre os relatos, alguns de que a propina chegava em dinheiro vivo, o que pode ir ao encontro da versão de Pedro Corrêa sobre os pagamentos feitos por doleiros.
Ao contrário do que ocorre hoje em dia, aquele caso foi abafado por todas as instâncias que poderiam investiga-lo.
No Congresso, uma CPI pedida pela oposição foi barrada graças à atuação do PMDB. Enquanto Ronivon Santiago e João Maia renunciavam com ofícios exatamente iguais, entregues ao então presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB), dois peemedebistas, Eliseu Padilha e Íris Rezende, assumiram ministérios no governo FHC apenas nove dias após o escândalo revelado.
A Procuradoria-Geral da República, então comandada por Geraldo Brindeiro, apelidado de “engavetador-geral da União” e que esteve no cargo nos oito anos de mandato tucano, arquivou as representações.
Assim como a PGR, a Polícia Federal da era FHC não assustava ninguém, ao menos os políticos governistas. O caso foi investigado apenas em 2001, e teve entre os intimados Fernando Rodrigues, jornalista responsável pela reportagem. Não deu em nada.
Se hoje a PF se manifesta com dureza contra possíveis ingerências em seu trabalho, nos anos 1990 a instituição não tinha força alguma. Tanto é que FHC manteve como diretor-geral da PF um delegado filiado ao PSDB.
Agílio Monteiro Filho, indicado pelo então deputado Pimenta da Veiga, hoje réu no “mensalão tucano”, foi nomeado em 1999, quando Renan Calheiros (PMDB) ainda era o ministro da Justiça, e deixou o cargo em 2002, para disputar uma vaga na Câmara pelo PSDB, ao qual estava filiado desde 2001.
A imprensa, que cobriu e cobre de forma extensa outras tentativas de perpetuação no poder, mesmo envolvendo voto popular, como as de Evo Morales (Bolívia) e Hugo Chávez (Venezuela), e estrilou com a possibilidade de Lula buscar um terceiro mandato em 2010, tampouco foi a fundo no caso da compra de votos.
“[A história] nunca foi bem acompanhada pela mídia em geral”, lembrou Fernando Rodrigues em entrevista ao documentário Mercado de Notícias, de Jorge Furtado.

Em 4 de junho de 1997 a emenda da reeleição foi aprovada pelo Senado. Em 1998, FHC foi reeleito.

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