domingo, 6 de dezembro de 2015

“Prefiro viver de pé a morrer ajoelhado”, por Camilo Vanucchi

A frase conhecida é outra. Encontrei num livro com citações do Che: "Prefiro morrer de pé a viver ajoelhado." É assim que aparece gravada, em espanhol, ao lado da famosa foto de Alberto Korda num quadro pendurado atrás da minha mesa de trabalho.
Lembrei-me da frase na quarta-feira, 2 de dezembro, no exato momento em que Eduardo Cunha afirmou que acatoaria o pedido de impeachment de Dilma Rousseff, protocolado em outubro pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Conceição Paschoal.
A frase fazia sentido. Sempre fez e sempre vai fazer. Naquele momento, em especial, o subversivo axioma funcionava como um farol a apontar o único caminho possível para dirigentes, parlamentares, filiados e simpatizantes do Partido dos Trabalhadores. Um caminho de coerência política, de respeito a seu estatuto e à sua história, de sinergia com aqueles que referendaram a continuidade do governo Dilma nas urnas.
Dias antes, ventilava-se na "grande imprensa" o boato de que setores do PT aceitariam salvar Eduardo Cunha na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados em troca da promessa de que ele não acolheria nenhum dos pedidos de impeachment presidencial protocolados ao longo do ano. Deflagrados por setores da mídia afeitos ao golpe, esses boatos acenderam o sinal de alerta entre os petistas. Uma situação tão absurda e constrangedora quanto a comparação entre Cunha e Dilma. Repare: Ele está sendo investigado no Brasil e no exterior; ela não. Ele tem quatro contas na Suíça e a suspeita de ter transferido para lá dinheiro obtido de forma ilícita; ela não. Ele tem uma dezena de denúncias de corrupção recebidas desde 1991, ela não. Ele é acusado de coagir e chantagear testemunhas, ela não. Por isso o alívio quando os três deputados petistas da comissão declararam que a bancada havia deliberado pelo apoio à objeção ao projeto. Horas depois, Cunha cumpriu a promessa velada e acolheu pedido de impeachment. Passado um instante de choque e inação, veio a euforia: liberdade ainda que tardia. Se alguém ainda acreditava na existência de conchavos dessa espécie, a resposta veio escaldante: é melhor morrer de pé que viver de joelhos.
Convertida em meme, a frase de Che alçou voo e colecionou erratas. Um amigo contou que um amigo dele, de origem portuguesa, tinha chamado sua atenção ao ver o post: antes do Che, a frase havia sido dita por Dolores Ibárrui, durante a Guerra Civil Espanhola, ele corrigiu. "Antes morrer de pé do que viver de joelhos", ela teria dito nos anos 1930, insuflando os manifestantes contra as tropas do general Franco, segundo a Wikipedia.
Muito antes dela, Emiliano Zapata, no México, discursou igual conteúdo. "É melhor morrer de pé do que viver de joelhos" teria dito o herói nacional, insurgido contra a ditadura de Porfírio Díaz já na década de 1910.
Finalmente, é atribuída a José Marti, o poeta cubano, uma quarta versão da frase: "Mais vale um minuto de pé do que uma vida de joelhos". Isso no século XIX.
Se a frase não fosse boa, de certo não teria sido tantas vezes repetida e imortalizada, em discursos de tão importantes rebeldes visionários. Mas, sem menosprezar José Marti, Zapata, La Pasionaria ou Guevara, é sua inversão que eu proponho: Antes viver de pé do que morrer de joelhos.
Quem vive de joelhos morre. Quem se levanta vive. Assim tem sido desde tempos imemoriais — ou pelo menos desde que Freud apresentou a psicanálise.
No ambiente político brasileiro neste finalzinho de 2015, não é verdade que Dilma ou o PT correm o risco de morrer se estiverem dispostos a se levantar. Ao contrário, ficar de pé é a única maneira de se manterem vivos.


Camilo Vanucchi: Jornalista, escritor, mestre em Ciências da Comunicação (ECA-USP) e assessor parlamentar. E-mail: camilo.vannuchi@gmail.com

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