domingo, 6 de dezembro de 2015

“A direita brasileira sempre foi golpista”, por Emir Sader

A direita brasileira, como expressão das elites, sempre considerou que era possuidora da visão correta sobre o acontecia no pais. Que era derrotada eleitoralmente pela manipulação que lideranças populistas fazem da consciência de amplas camadas do povo, sem instrução, comprado por benesses de políticas assistencialistas.
Foi assim contra o Getulio que, segundo ela, governava sem métodos democráticos. Quando a democracia liberal foi restaurada em 1945, para sua decepção, o candidato lançado por Getulio triunfou sobre o candidato das elites. O próprio Getulio voltou a vencer em 1950.
Dai nasceram as teses do voto qualitativo. O voto de um engenheiro ou de um medico nao podia valer o que valia o voto de um operário – chamado depreciativamente de “marmiteiro”, por levar a comida para o trabalho em marmitas. Havia distintas propostas, até aquela que dava aos profissionais com formação superior o valor 10, contra o valor 1 aos menos instruídos.
Mas desde que foi formada a Escola Superior de Guerra, por Golbery do Couto e Silva e Humberto Castelo Branco, retornados da campanha da Italia na segunda guerra mundial sob a influencia norte-americana, que identificada os EUA como o berço da democracia, as estratégias golpistas começaram a ser formuladas explicitamente.
A ESG difundia e formava  militares, no Brasil e na Escola das Américas, no Panamá, na  Doutrina de Segurança Nacional. A doutrina, expressão clara do período da guerra fria, considerar que as sociedades e o próprio Estado era objeto de trabalho subversivo inoculado de fora para dentro, desde a URSS, a China e, depois, também de Cuba.
Era necessário depura-los desses riscos, tomando o Estado e transformando-o num quartel general da luta para depurar o pais desses riscos. O corpo social deveria funcionar como o corpo humano, em que cada parte atua em função do todo. Qualquer distúrbio perturba esse bom funcionamento e deveria ser extirpado. Em termos políticos, era o que se considerava os subversivos, vias de introdução das contradições sociais, que sabotava o bom funcionamento da sociedade e do Estado.
O governo do Getulio entre 1950 até sua morte em 1954 foi acompanhado por intenso trabalho de conspiração militar, que desembocou na conjuntura que o levou ao suicídio e, com isso postertou por 10 anos o golpe militar. Mas durante o governo de JK o trabalho continuou, com duas esporádicas tentativas golpistas por parte de militares sublevados.
A eleição de Janio Quadros parecia finalmente impor a vontade da maioria influenciada pela direita que, tal qual hoje, considerava que o problema fundamental do pais era a corrupção, de que a construção de Brasilia seria o exemplo mais escandaloso. Janio, com sua vassoura, iria varrer a corrupção e regenerar a democracia no pais.
O fracasso rápido do Janio acionou imediatamente os mecanismos golpistas, que só foram evitados pela reação popular e pela ameaça de potencia-la com a força militar que o Brizola, governador’ do Rio Grande do Sul, ameaça acionar.
Mas a preparação do golpe foi ganhando formas orgânicas, políticas, empresariais, religiosas e militares, até que desembocou no golpe de 1964 que unificou praticamente à totalidade do grande empresariado, de toda a mídia – com raras exceções -, da Igreja e de grande parte da elite política, com o apoio explicito dos EUA. Nunca como naquele momento a direita se expressou, de forma unificada, em um projeto próprio, que era o da mais brutal ditadura que o pais conheceu. A pregação dos riscos que a democracia correria eram apenas um instrumento para destruir o que havia de democracia e impor uma ditadura militar. Os editorias dos principais jornais saudavam o golpe como o resgato da democracia.
A ditadura não apenas destruiu tudo o que havia de democrático no Brasil, sob o pretexto de ser instrumentos da subversão comunista, como impôs o arrocho salarial e interveio em todos os sindicatos, para felicidade do grandes empresários nacionais e estrangeiros. Arrocho que foi o santo e a chave para entender o “milagre econômico”.
A transição à democracia do suportada com incomodidade pela direita, que buscou, de todas formas, limitar seu alcance, impedindo a eleição direta para presidente, elegendo o primeiro presidente civil através do Colegio Eleitoral. Assim que Ulysses Guimaraes promulgou a “Constituição cidadã”, Jose’ Sarney colocou o tema da ingovernabilidade da democracia, em que a excessiva quantidade de direitos reconhecidos tornava o Estado ingovernável – uma temática que começava a introduzir a agenda neoliberal no Brasil.
A agenda neoliberal era centralmente uma agenda anti-democrática, projetando a centralidade do mercado e do dinheiro a expensas da politica e da democracia. Os direitos sociais foram atacados, o poder do dinheiro penetrou fundo na sociedade e na mentalidade das pessoas, a a sociedade foi sendo reformulada conforme o modelo do mercado, em que tudo se compra, tudo se vende, tudo tem preço.
O fracasso dos governos neoliberais de Collor e de FHC desembocou nos governos do PT, contra os quais a direita sempre conspirou, jogando o poder dos monopólios privados da mídia para tentar desestabilizar os governos. A direita basileira nunca se conformou com as sucessivas derrotas eleitorais, que recordavam as derrotas contra o Getulio e seus candidatos.
As versões do voto qualitativo renasceram no ódio contra os nordestinos e contra as camadas populares em geral, identificadas como as responsáveis pelas derrotas sucessivas da direita nas eleições.
A tese do impeachment hoje é apenas uma versão a mais de uma direita que não consegue conquistar apoio popular no tipo de sistema politico que ela mesma consagrou como democrático. As teses são similares às do passado: “compra” da consciência popular mediante concessões de politicas governamentais, subversão do Estado pela corrupção e pela utilização do governo como forma de se perpetuar no poder.
O objetivo da direita é um só: tirar o PT do governo. Não conseguiu pela via eleitoral, teme que Lula possa dar continuidade ao governo da Dilma e por isso ataca o governo tentando inviabilizá-lo ou derrubá-lo e/o tentar impedir que a liderança popular do Lula leve a uma continuidade dos governos atuais. 


Emir Sader: colunista do 247, é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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