terça-feira, 1 de setembro de 2015

‘Quem tem dia está no sal’, por Pedro Valls Feu Rosa

Dia desses meditava eu sobre as homenagens prestadas pela nossa sociedade na forma de uma data específica. Temos, por exemplo, o Dia Internacional da Mulher, o Dia das Crianças, o Dia da Consciência Negra e o Dia do Índio.
Começo pelo Dia Internacional da Mulher, o qual me remete a um processo judicial que tramita no Irã. Nele, uma esposa suplicava ao juiz que limitasse o número de surras que levava do marido – que fosse no máximo uma por semana, ao invés de uma por dia. Eis aí um episódio que simboliza, e bem, um quadro de sofrimentos que segue, firme e forte, ao redor deste planeta.
O Dia Internacional da Mulher nos transporta a 8 de março de 1857, quando operárias de uma fábrica de tecidos norte-americana entraram em greve pedindo, entre outras coisas, que a carga de trabalho diária fosse reduzida de 16 horas para 10. Segundo consta, foram surradas e trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. 130 delas perderam a vida. Que tal pensarmos nisso?
Há também o Dia das Crianças. Pobres crianças! A cada dia morrem 20 delas por conta de doenças decorrentes da falta de um simples esgoto – e isto sobre o solo de um dos países mais ricos do mundo. São 600 por mês – o equivalente a uns seis aviões de passageiros lotados.
Nos Estados Unidos da América, maior potência do planeta, 25% das crianças vivem abaixo da linha da pobreza, sem acesso a muitos serviços básicos e passando fome. No Canadá, são 20% nesta situação. No Reino Unido, 5,5 milhões. Na França, 8% das crianças não tem sequer abrigo. Na Alemanha, uma a cada sete.
Por favor, diante deste horror não se fale em falta de dinheiro – afinal, somente em armas a humanidade gasta US$ 1,34 trilhão a cada ano. A conclusão é simples: armas são mais importantes que crianças miseráveis. Viva o dia delas!
E que dizer do Dia da Consciência Negra? Segundo o IBGE, 15,2% dos brancos brasileiros vivem em domicílios sem coleta de lixo, contra 30,3% dos negros. Apenas 1,9% dos negros ocupados em São Paulo são empregadores, em comparação aos 7,2% de brancos nesta posição. E mais da metade das mulheres negras (56,3%) estão ocupadas como domésticas ou mensalistas.
De forma global, constatou-se há alguns anos que os negros constituem 45% da população, mas representam 64% dos pobres e 69% dos indigentes. Já quanto aos brancos, são 54% da população, porém totalizando apenas 36% dos pobres e 31% dos indigentes.
Existe também o Dia do Índio. Segundo consta, os brasileiros indígenas, vivendo na idade da pedra lascada em reservas artificiais, tem expectativa média de vida de apenas 29 anos. A mortalidade infantil chega a 65%. De cada cinco índios que nascem, três morrem antes de completar cinco anos de idade. Pois é. E dizer que antigamente, na canção de Baby Consuelo, “todo dia era dia de índio”.
Há ainda o Dia do Hospital – deve ser para lembrar a cena pavorosa dos doentes espalhados pelos corredores imundos de alguns hospitais públicos deste planeta. E que dizer do Dia Internacional da Terceira Idade? Comemorem, aposentados entregues ao abandono e à pobreza no percentual médio de 30% em praticamente todos os países do mundo!
Cheguei a uma conclusão: quem tem dia está no sal! Esta expressão, crua e seca, mas verdadeira, nos alerta para o fato de que estes não são dias de homenagem. Não admitem festa. Não permitem comemorações. Eles apenas existem para marcar uma luta. Uma luta perpétua contra a falta de sensibilidade da raça humana.



Pedro Valls Feu Rosa, desembargador desde 1994, foi presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) no biênio 2012/2013.

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