terça-feira, 1 de setembro de 2015

“Governo novo, ideias novas. Já!”, por Leopoldo Vieira

Faz nove meses que a pauta do país é golpe e ajuste fiscal (ou seria o oposto como causa e efeito?). A solução para isso é programa, agenda e mensagem política para os trabalhadores.
Quando perceberão que a rejeição ao governo e à presidenta aparece com todo este tamanho pela insatisfação dos que votaram em Dilma? Do outro lado, a insatisfação já estava consolidada. A redução do tradicional, desde 2002, 54% x 46% para a diferença entre Dilma e Aécio se deveu ao deslocamento de parte da classe C para lá. É aqui que reside a resolução do jogo.
O povo não pode ser subestimado. Ele até cria seus próprios argumentos para defender projetos com os quais ele se identifica. Por isso, é quase um sacrilégio tomar medidas e se comportar de uma maneira que o povo não seja capaz de defender, até porque isso - não conseguir defender - duplica a irritação popular.
A tecla do golpe já virou uma novela mexicana chata. Os democratas já estão contra isso, a maioria das lideranças políticas, os artistas, mas continuará sendo apertada enquanto o governo não começar em conformidade com as urnas. E enquanto ele não começa, o povo vai se irritando, a classe política também, os empresários idem e a minoria golpista no parlamento, governos locais, judiciário, polícia federal e nas ruas retomam espaço.
O maior medo do lado de cá tem que ser a oposição voltar a ter coesão interna pelo deslocamento do setor que aposta na tática do "sangramento" até 2018 para o "tem fato jurídico e vamos derrubar" diante de um governo tão enfraquecido. Por isso, o setor mais radicalizado da oposição não para de perseguir a busca deste "fato", como é o caso do Gilmar Mendes. Eles estão vendo que o governo está lhes dando tempo para criar o "fato" e atrair quem ainda segura o governo enquanto mira em Lula e no PT. Enquanto isso, uns ficam correndo atrás da cauda com a conversa de "os erros do PT", pensando-se construtores da uma república dos sonhos e não a de carne, sangue e osso construída na luta de classes. Basta ver a resposta à acusação de Gilmar Mendes de que este governo usaria a corrupção como método de gestão..."se fosse assim este governo não se investigaria e não criaria mecanismos para as investigações". Ora, por favor!
O risco maior é a transição da insatisfação popular para a antipatia popular. Essa é mortal e a gravidade do que está ocorrendo exige o fim do tempo do "aguarde, há uma estratégia, é que o modus operandi ". Se a aposta dos estrategas do governo é pactuar com setores do lado de lá porque, aqui, haverá defesa em qualquer circunstância estão errados. Haverá sim defesa, mas se ela se resumir à militância ou as parcelas mais abnegadas dela, sem a massa dos eleitores da presidenta, pode tudo se perder. E isso com as lideranças do PMDB correndo por fora, ocupando espaços vazios e fazendo política com legitimidade, já que apenas assumem um protagonismo que foi abandonado. Não pelo PT, que depende dos rumos do governo, mas deste, que se enclausurou na psicografia do gerencialismo, aquela versão de um suposto "Dilmismo" do primeiro mandato, onde a gerente substituiu, no simbólico da gestão pública, a guerrilheira da democracia. Marca esta que as eleições de 2014 resgatou.
Quando se esperava transitar do pacto nacional que marcou os governos Lula para uma hegemonia mais clara de esquerda vem o Ajuste. Este vindo, foca-se em medidas trabalhistas. Quando se anuncia que "o ajuste não é um fim em si mesmo", a resposta é a Agenda Brasil. Quando Janot encurrala Aécio e Eduardo Cunha, com motivadas suspeitas, anuncia-se o corte de ministérios sem sequer uma narrativa. Aí, gira a roda do Impeachment e mais uma semana de nhem-nhem-nhem!
Há, inclusive, quem esteja defendendo isso devido ao fato de que o suposto elevado número deles se deu em razão da quantidade de partidos políticos a contemplar no Congresso Nacional, o que é concordar com o argumento liberal, que sempre acusou Lula e Dilma de ampliar ministérios para contemplar a "politicagem" do parlamento, que o PT teria aceitado em nome de um "projeto de poder" e não em razão da expansão das políticas e dos serviços públicos, da necessidade de, junto com isso, empoderar novos temas, abordagens e estratégias na gestão pública federal (com repercussão federativa) etc.
Sem falar no corte de mil cargos comissionados, como se esta conjuntura demandasse menos inteligência política no primeiro, segundo, terceiro, "rabugésimo" escalão e, sim, mais bons técnicos, que o governo e o Estado já dispõem, para aperfeiçoar o ajuste das contas.
Está em jogo mais do que estes três anos e meio, mas o futuro, confirmando ou não a tendência até então de ampliar políticas, serviços e direitos do povo, o que vai depender do que se fizer nesta conjuntura para assegurar a continuidade do projeto em 2018, e em termos de gestão, que dá o conteúdo a este projeto.
Não é à toa que, em paralelo ao movimento pró-Impeachment, outro movimento é feito pelas elites:a pressão pela imposição da tecnocracia, do poder não-eletivo como poder moderador da democracia, portanto, anti-democrática política e socialmente. É isto que une a Agenda Brasil e o julgamento das "pedaladas". Se Dilma cair, há novo governo neoliberal com Agenda liberal escondida pelo argumento tecnocrático. Se ficar, fica, mas com esta Agenda. A pressão política sobre o TCU e o TSE visam a ambos os casos. No mínimo, a condenação das "pedaladas" deve impor a retirada do direito democrático de gestão política das contas públicas em acordo com o programa consagrado pelos eleitores. Ao cabo, impedir que programas de esquerda, populares, nacionalistas, democratizadores em amplo sentido governem efetivamente daqui para a frente. É o golpe branco alternativo ao próprio golpe branco do Impeachment.
Eles querem que a passagem do "o ajuste fiscal" ao "não é um fim em si mesmo" corresponda a um governo de técnicos com mandato formalmente autônomo no BC, num órgão de fiscalização das contas públicas ainda pior que o TCU e na burocracia jurídico-militar do Ministério Público e Polícia Federal.
Por isso, na seara da participação social, o governo não pode fazer o o discurso técnico como se participação fosse apenas "accountability". É fazer política, muita política com os mais de 50 milhões que, um dia, já puderam ser chamados de "nossa turma", principalmente, com os movimentos sociais, a classe C do DataPopular e os beneficiários dos programas sociais. É preciso pactuar com eles a "outra agenda".
Saímos da revisão da meta fiscal para uma proposta de orçamento com déficit primário, tendo como única solução para evitá-lo a ressurreição da CPMF, que é um imposto conceitualmente correto, mas foi um tiro no pé seu anúncio sem discussão prévia e, ainda mais, sua retirada precoce nos mesmos termos, provocando um desgaste a mais com a indústria e no seio do povo, pois, neste interregno de crise, é obviamente uma medida impopular falar em aumentar tributos.
A equipe econômica faz um discurso envelhecido, planilheiro, que sequer mais se traduz em credibilidade para as Agências de Rating. Se, antes, Mantega foi acusado de não ser transparente, agora a "transparência" é para resultados negativos. E é um absurdo que tudo se baseie em "projeções do mercado" para crescimento, inflação ou emprego: se o mercado projeta, ele pode evitar. Trata-se tão somente de cirandas financeiras e orquestração política com orelha e focinho de economia.
O governo tem que se mirar é na jovialidade da turma que "esfaqueou" o acintoso boneco inflável de Lula na ponte Octávio Frias sobre a Avenida Roberto Marinho, em São Paulo, que revela que o golpe segue em marcha devidamente chocado por hordas da fascistas. Jovialidade esta que combina com a jovem guerrilheira Coração Valente das eleições e do semblante que exibe a presidenta hoje, infelizmente, marcado pelo olhar preocupado ao invés de esperançoso e confiante. Como traduzir isso? Como fez a Argentina, que nomeou toda uma geração de novos líderes para dirigir fatias estratégicas do governo, como a economista María Delfina Rossi, de 26 anos, diretora do Banco de la Nación, maior instituição financeira do país, ou o próprio ministro de Economia, Axel Kicillof, agora com 40 anos e expoente da La Campora. Axel não só enfrentou os Fundos Abutres como, desta disputa fez uma limonada, assegurando à Cristina 40% de aprovação popular em Bom e Ótimo, raridade em terras latino-americanas neste quadrante da história.
Isso é "Governo Novo, Ideias Novas" para "Mais Mudanças, Mais Futuro". Nomes não faltam: Marcio Pochmann, Alessandro Teixeira, entre outros. Ou, quem sabe, algum aluno ou aluna da professora Conceição Tavares, daqueles bons desenvolvimentistas "juniors". Tem uma nova guarda formada no PT e nos partidos populares a rodo para reoxigenar este ambiente fétido a 32, 54 e 64. Há também uma velha guarda que nunca pôde estar na condução deste processo, como Beluzzo e companhia. Eles se unem na perspectiva de atualizar um programa reformador para o Brasil no sentido na justiça social, soberania política, independência econômica, integração regional e nova ordem mundial. Há, ainda, quem, no governo, espere apenas um "start" para trocar "excel" por "IPADs" da retórica política.
Vamos lá! É a hora de levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima!


Leopoldo Vieira: Foi coordenador do monitoramento participativo do PPA 2012-2015 e do programa de governo sobre desenvolvimento regional da campanha à reeleição da presidenta Dilma Rousseff

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