domingo, 31 de maio de 2015

Artigo: “Quem se cala consente”

Primeiro, eles ofenderam e insultaram os negros nas cozinhas e nas portarias dos prédios.
Como temos a pele um pouco clara, não nos incomodamos.
Encorajados, passaram a chamar os negros de macacos em shoppings e estádios de futebol.
Nossos filhos, ao ouvir os insultos públicos e ver a nossa indiferença, achavam que isso era normal.
Aí, os sociopatas decidiram agredir verbalmente os pobres de maneira geral, acusando-os de preguiçosos, esmolés de bolsas e parasitas sociais.
Como não queremos nos passar por pobres, fingimos que não era com a gente.
E as agressões públicas passaram a ser publicadas.
Midiatizados, os valentes midiotas direcionaram sua ira contra os nordestinos.
E o que temos nós a ver com o nordeste, já até nos mudamos de lá?
Fortes e encorajados, certa vez entraram, em bando, em um estádio, e já sem pudor, para o mundo inteiro ouvir, xingaram e mostraram o dedo médio para a presidenta.
Como não votamos nela, achamos graça daquilo.
E de repente, sufocando ainda mais o nosso silêncio, o bando tomou as ruas, as praças, e a ágora que é as redes sociais.
Ódio e ranger de dentes.
Destemidos, insultam políticos - impunemente - em clínicas médicas, restaurantes, casamentos, aviões, e no próprio Congresso.
Como nãos somos políticos, achamos é pouco.
Quando abrimos os olhos, os vimos, odiosos e violentos, a chacoalhar um cadeirante que ousou sair à rua vestido com uma camiseta da cor que eles detestam.
Hoje, quem ousar adornar-se de vermelho, mesmo não sendo presidenta, negro, pobre, cadeirante ou nordestino, corre risco de ser agredido.
Agora, senhores das ruas, das praças, dos estádios, dos shoppings, dos noticiários e das redes sociais, eles invadiram as nossas casas.
De suas varandas, gritam e rufam panelas para nos impedir de escutar o pronunciamento da presidenta, só porque eles mesmos não querem ouvi-la.
Estupefatos, assistimos pela TV a turba agredir um pai de família com um bebê no colo; com mil diabos, dizemos.
Em seguida, insultaram um senhor por ler uma revista com a qual eles não concordam.
Até que um dia, num belo domingo de sol, no churrasco à beira da piscina, vimos que estes sujeitos odiosos faziam parte do nosso grupo mais seleto.
Ébrios de cerveja, com os dedos melados de gordura e a boca cheia de farofa, passaram a se agredir verbalmente cunhados, primos, tios e amigos: petralha, vagabundo, vitimista, heterofóbico, vaca, viado, comunista...
Foi aí que percebemos que também era com a gente.
Mas já era tarde demais.
Palavra da salvação.



Autor: Lelê Teles -  Jornalista e publicitário. Roteirista do programa Estação Periferia (TV Brasil), apresentador do programa Coisa de Negro (Aperipê FM) e editor do blog FALA QUE EU DISCUTO

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