terça-feira, 27 de janeiro de 2015

“PM X Surfista, legítima defesa?”


Há que se resistir ao desejo fácil, quase atávico, de ‘julgar’, como gosta grande parte da ‘imprensa processante’.
De um entrevero entre um soldado da PM, Luis Paulo Mota Brentano, e um surfista, Ricardo dos Santos (foto), um morreu por tiros. E não foi o profissional de segurança.
Agora a praticamente única tese de defesa que sobra ao PM é alegar ‘legítima defesa’. Pode ser. Mas é uma tarefa bem difícil.
A legítima defesa, bastante mal compreendida, não requer o que muitos acham: que o agressor esteja ‘armado’. Requer basicamente duas coisas: agressão injusta e uso moderado dos meios necessários. Mas repare, agressão é agressão.
Num paralelo, o famoso pintor Iberê Camargo interveio numa briga de casal no Rio, em Botafogo, em 1980 e, agredido matou a tiros um engenheiro muito mais jovem e muito mais forte do que ele. Foi absolvido. Iberê já era um velho senhor, além de artista. Não se sabe por que andava armado.
O caso do PM e do surfista é bem diferente. Não há diferença de idade, o soldado não é nada franzino, é um profissional de polícia, pertencente não a uma polícia de investigação, mas à PM que é especializada em confrontos urbanos. Possui técnicas de defesa pessoal. Além do mais, utiliza arma como modo profissional de vida, 24 horas do dia, ou seja, fica muito difícil sustentar que teria “perdido a cabeça”.
Quem anda armado sabe que tem que aprender, até, a ouvir desaforos e xingamentos. Se for usar a arma para isso sairá matando pessoas. Um uso bestial da arma.
Para piorar a situação do policial, no dia do evento, segundo a perícia, o PM ingeriu quantidade significativa de álcool.
A tese da legítima defesa é possível, mas no caso se mostra bastante difícil por todos os fatores envolvidos.
Para o ‘consumo’ da sociedade surgem depoimentos de colegas do policial dizendo que ele era um bom profissional e depoimentos de surfistas famosos e amigos dizendo que Ricardinho era uma pessoa maravilhosa. Mas para a justiça e para a tese de legítima defesa não bastam apenas alegações e uma versão agora muito bem trabalhada, com um réu com cara de bom moço. Uma vida foi tirada. E tirada por um policial. Aí está o absurdo e a infâmia social.
Policiais não existem para se envolver em confusões e matar pessoas, mas para retribuir ao salário que recebem da sociedade. E protegê-la, acima de qualquer valor, mas principalmente protegê-la da própria fúria pessoal que, com uma arma na cintura, mata. 


Autor: Jean Menezes de Aguiar - Advogado e professor da pós-graduação da FGV

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