Uma
das pilastras maiores da recuperação judicial e do princípio fundamental da
preservação da empresa é a boa fé empresarial, ao lado do estudo de viabilidade
do negócio societário.
A
empresa que pratica atos contrários à ética e de visível ilicitude deve ser
mantida ou considerada inidônea, nos termos da Lei nº 12.846/13? E quando os
seus negócios se relacionam com o governo, o que mais contrata e paga, também
poderíamos inserir na tessitura do modelo as empresas estatais, cujo
controlador é e permanece o Estado?
Infelizmente
num Estado de governabilidade pouco ético e sem o estofo moral que se espera,
as empresas privadas se degringolam em torno de consórcios e cartéis, visando
as respectivas dominações do mercado e o aumento ambicioso do lucro.
Aplicada
a lei na sua essência, uma empresa sem ética e com princípios de governança
corporativa abalados pelas ilicitudes cometidas não poderia mais continuar no
mercado ou ser aceita a sua recuperação judicial, em tese, é o que estamos
observando na melindrosa operação lava jato.
Contudo,
vamos ousar divergir por alguns motivos não menos relevantes. A globalização
mundial econômica flexibilizou inúmeros princípios e alcançou no lucro e na
concentração de riqueza corporativa as molas propulsoras da amplitude e, de
certa forma, da largueza da atividade empresarial.
Em
nenhum momento se pretende defender quem agiu desonestamente ou com o escopo de
prejudicar não apenas a empresa, mas, emblematicamente, o próprio Estado.
A
declaração de inidoneidade de diversas empresas que têm negócios nos mercados
internacionais representaria um preocupante processo de crise social e milhares
de empregos diretos e indiretos estariam sendo suprimidos em busca da verdadeira
qualidade do negócio empresarial.
Conquanto
pudéssemos reduzir as milhagens de corrupção, as quais nosso Governo sempre
carregou e hoje ostenta o braço dessa desmesurada corrupção, não pode ser
desviado do foco do Estado brasileiro, da falta de controle e respectiva
transparência, na medida em que as empresas estatais, as chamadas sociedades de
economia mista, têm um controle muito aquém pelos órgãos responsáveis,
respingando no mercado e provocando uma bola de neve, no que diz respeito ao
perfil destoante das economias avançadas.
Pensamos
que os atos praticados pelos diretores, conselheiros e mesmo gestores das
empresas não podem ser o mote para a não preservação da empresa ou do negócio,
já que eles atuam com um mandato provisório e por tempo determinado,
esculhambadas as portas dos defeitos praticados, por si só, já perdem seus
cargos e merecem exemplar substituição, com o bloqueio e a indisponibilidade de
bens.
O
mesmo conceito se aplica a latere nas sociedades de economia mista, não será o
ato isolado do controlador de nomear pessoas sem o desejado nível de gestão ou
governança corporativa que ensejará o fim da atividade econômica e de âmbito
empresarial.
Empresas
seculares não podem ser extintas ou consideradas simplesmente inidôneas se o
jogo de sobrevivência contou com o apoiamento do Estado, o único e maior
responsável pelo controle dessas imperfeições e distorções, que resvalam em
toda a sociedade civil e geram prejuízos que podem chegar na casa de um trilhão
de reais.
Nos
EUA a situação não é diferente, o processo invariavelmente acaba com o
reconhecimento da culpa e pagamento de pesada multa.
Banir
do mercado empresas que têm quase cem mil empregados e contam com o dobro de
empregos indiretos seria aplicar uma pena de morte para a empresa viável, daí
porque a lei de recuperação, que, em breve, completará uma década, previu no
seu artigo 64 o afastamento dos maus administradores, e não chegou ao ponto da
dissolução da empresa, exceto se inviável, fosse alcançado e vencido o período
de observação.
Enfrentamos
uma quadra relevante do cenário nacional, a ética empresarial ao lado da
transparência do negócio, ambas encerram a razão de ser do mundo contemporâneo,
mas jamais iremos conseguir a neutralidade ou a mudança substancial, pois que,
se os princípios estão deteriorados e a moral em xeque, raramente os demais
sobreviverão, pois quem inflige essa catarse e mudança dos usos e costumes é o
próprio Estado brasileiro.
O
processo de punição é apenas o primeiro passo nas esferas penal, cível e
administrativa, para o afastamento imediato de todos que se acumpliciaram na
mendaz forma de ganhar mediante desabrida corrupção e acobertamento do Estado,
que todo o procedimento possibilite o renascer da ética e da moral empresarial,
não apenas das sociedades comerciais, mas, principal e inadiavelmente, das
empresas estatais, cujo controlador necessita se curvar à realidade e findar,
de uma vez por todas, com seus desmandos e arroubos que comprometem não
unicamente o ambiente salutar dos negócios, mas desencadeiam crises sistêmicas
que podem abalar toda a confiança e credibilidade de uma Nação.
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