terça-feira, 27 de janeiro de 2015

“Ética empresarial no mundo globalizado”


Uma das pilastras maiores da recuperação judicial e do princípio fundamental da preservação da empresa é a boa fé empresarial, ao lado do estudo de viabilidade do negócio societário.
A empresa que pratica atos contrários à ética e de visível ilicitude deve ser mantida ou considerada inidônea, nos termos da Lei nº 12.846/13? E quando os seus negócios se relacionam com o governo, o que mais contrata e paga, também poderíamos inserir na tessitura do modelo as empresas estatais, cujo controlador é e permanece o Estado?
Infelizmente num Estado de governabilidade pouco ético e sem o estofo moral que se espera, as empresas privadas se degringolam em torno de consórcios e cartéis, visando as respectivas dominações do mercado e o aumento ambicioso do lucro.
Aplicada a lei na sua essência, uma empresa sem ética e com princípios de governança corporativa abalados pelas ilicitudes cometidas não poderia mais continuar no mercado ou ser aceita a sua recuperação judicial, em tese, é o que estamos observando na melindrosa operação lava jato.
Contudo, vamos ousar divergir por alguns motivos não menos relevantes. A globalização mundial econômica flexibilizou inúmeros princípios e alcançou no lucro e na concentração de riqueza corporativa as molas propulsoras da amplitude e, de certa forma, da largueza da atividade empresarial.
Em nenhum momento se pretende defender quem agiu desonestamente ou com o escopo de prejudicar não apenas a empresa, mas, emblematicamente, o próprio Estado.
A declaração de inidoneidade de diversas empresas que têm negócios nos mercados internacionais representaria um preocupante processo de crise social e milhares de empregos diretos e indiretos estariam sendo suprimidos em busca da verdadeira qualidade do negócio empresarial.
Conquanto pudéssemos reduzir as milhagens de corrupção, as quais nosso Governo sempre carregou e hoje ostenta o braço dessa desmesurada corrupção, não pode ser desviado do foco do Estado brasileiro, da falta de controle e respectiva transparência, na medida em que as empresas estatais, as chamadas sociedades de economia mista, têm um controle muito aquém pelos órgãos responsáveis, respingando no mercado e provocando uma bola de neve, no que diz respeito ao perfil destoante das economias avançadas.
Pensamos que os atos praticados pelos diretores, conselheiros e mesmo gestores das empresas não podem ser o mote para a não preservação da empresa ou do negócio, já que eles atuam com um mandato provisório e por tempo determinado, esculhambadas as portas dos defeitos praticados, por si só, já perdem seus cargos e merecem exemplar substituição, com o bloqueio e a indisponibilidade de bens.
O mesmo conceito se aplica a latere nas sociedades de economia mista, não será o ato isolado do controlador de nomear pessoas sem o desejado nível de gestão ou governança corporativa que ensejará o fim da atividade econômica e de âmbito empresarial.
Empresas seculares não podem ser extintas ou consideradas simplesmente inidôneas se o jogo de sobrevivência contou com o apoiamento do Estado, o único e maior responsável pelo controle dessas imperfeições e distorções, que resvalam em toda a sociedade civil e geram prejuízos que podem chegar na casa de um trilhão de reais.
Nos EUA a situação não é diferente, o processo invariavelmente acaba com o reconhecimento da culpa e pagamento de pesada multa.
Banir do mercado empresas que têm quase cem mil empregados e contam com o dobro de empregos indiretos seria aplicar uma pena de morte para a empresa viável, daí porque a lei de recuperação, que, em breve, completará uma década, previu no seu artigo 64 o afastamento dos maus administradores, e não chegou ao ponto da dissolução da empresa, exceto se inviável, fosse alcançado e vencido o período de observação.
Enfrentamos uma quadra relevante do cenário nacional, a ética empresarial ao lado da transparência do negócio, ambas encerram a razão de ser do mundo contemporâneo, mas jamais iremos conseguir a neutralidade ou a mudança substancial, pois que, se os princípios estão deteriorados e a moral em xeque, raramente os demais sobreviverão, pois quem inflige essa catarse e mudança dos usos e costumes é o próprio Estado brasileiro.
O processo de punição é apenas o primeiro passo nas esferas penal, cível e administrativa, para o afastamento imediato de todos que se acumpliciaram na mendaz forma de ganhar mediante desabrida corrupção e acobertamento do Estado, que todo o procedimento possibilite o renascer da ética e da moral empresarial, não apenas das sociedades comerciais, mas, principal e inadiavelmente, das empresas estatais, cujo controlador necessita se curvar à realidade e findar, de uma vez por todas, com seus desmandos e arroubos que comprometem não unicamente o ambiente salutar dos negócios, mas desencadeiam crises sistêmicas que podem abalar toda a confiança e credibilidade de uma Nação.


Autor: Carlos Henrique Abrão - Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo

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