O
segundo turno das eleições seguramente servirá para analisarmos a conformação
dos blocos políticos que se movimentam na cidade de Salvador, suas
contradições, e a ocupação da cena política por um sujeito coletivo de caráter
indefinido: as massas fatigadas pelo comportamento errático dos pólos
governistas, que praticam conluios e disputas momentâneas.
Salvador,
marcadamente oposicionista no começo da década de 80 do século passado, elegeu,
em 1982, uma grande bancada de vereadores, fazendo o enfrentamento ao carlismo
e ao prefeito biônico da época. Salvador era um baluarte da mudança, que tinha
a oposição do imenso interior baiano, que havia acabado de eleger o representante
da ditadura, o indicado do líder político, ACM.
Em
1986, nas eleições para governador, Salvador lideraria a luta oposicionista do
Estado, elegendo Waldir Pires. O campo oposicionista, já havia tido um grande
reforço com a eleição de Mário Kestész, um desafeto de ACM, em 1985.
Consolidava-se, assim, um projeto de oposição, agora na gerência do aparato de
Estado. No entanto, em terras baianas, a ação de “cooptação” não guarda
respeito ao que se pensa do ponto de vista político-ideológico. Os novos
aliados vêm para garantir maiorias e, sendo assim, Waldir Pires governou com o
mesmo bloco do poder.
Em
1988, as massas oposicionistas, na contramão dos acertos sem princípios,
escolheram Fernando José, a voz do rádio, o comunicador que a todos satisfazia
sem precisar dizer o que pensava sobre o poder local.
Novos
acertos fatiaram o bloco que saíra coeso da ditadura militar. Tivemos várias
posições naquele momento: Waldir Pires, comunistas, o campo da frente
democrática e ex-carlistas, ficaram com Virgildásio de Senna. ACM, sobreviventes da Arena, aliados de
Sarney e congêres, com Manoel Castro. O prefeito Mário Késtesz, segmentos de
negócios (Pedro Irujo) e o fisiologismo da pequena política, com o vitorioso. E
o PT, sem qualquer influência no processo, apenas querendo marcar posição para
se consolidar à esquerda.
O
governo Waldir Pires, conformou-se em um projeto sem substância política,
indefinido ideologicamente e frágil do ponto de vista da gerência do aparato de
Estado; foi assim identificado pelas massas, que cerrou fileiras, em toda a
Bahia, ao lado do modelo conservador de operar e gestar a política e, novamente,
liderado por uma Salvador oposicionista, votou em ACM.
A
velha política retornou ao governo. Rearticulou o bloco no poder e partiu para
reafirmar o consórcio do empresariado local, no controle do Estado. Exercitando
a truculência como forma de mediação, a velha política consolidou um “jeito de
governar”, de triste memória para a Bahia.
Nas
eleições de 1992, pautada pelas lutas nacionais, a oposição encontrou
ressonância para as suas palavras nas massas insatisfeitas com o poder local: a
gestão de Fernando José havia sido um caos e o governo do Estado assistiu de
camarote. A pauta nacional, as contradições do grupo carlista e o caos em
Salvador fizeram com que o aceno da oposição encontrasse na subjetividade das
massas soteropolitanas, um forte alento que levou ao governo Lídice da Mata.
O
cerco do governo ACM a gestão de Lídice, a incapacidade da administração
municipal de romper, via articulação política e social, esse cerco, levou a
derrota das forças contraditórias ao carlismo em Salvador, em 1996. Novamente
as massas, pautadas pelo caráter despolitizado da alternância, votavam enquanto
oposição no projeto que feria gravemente os interesses populares. No campo da
esquerda não sobressaía nenhuma perspectiva de poder: nem na social democracia
tardia, representada pelo PT, muito menos no espólio pessedista representado
por Waldir Pires, comunistas e variantes do centro democrático.
As
contradições do capitalismo, a fadiga das massas com o projeto conservador representado
por FHC e seus aliados, o avanço das lutas sociais, a esperança dos
trabalhadores na possibilidade de um futuro melhor e a capitulação da social
democracia tardia (PT) aos ditames da ordem, permitiram o surgimento de uma
política que movimentava o alicerce oposicionista de Salvador. E assim ocorreu:
a cidade votou em João Henrique e em Wagner.
A
gestão de João Henrique avançou para o caos gerencial, e a população tem sido
penalizada. Ao lado desta questão, temos um governo estadual que age de forma
errática do ponto de vista político, quando pauta-se pela acumulação de
aliados, sem observar as contradições desses grupos e personagens no processo
político e social; sendo incapaz de compreender a subjetividade dos subalternos
diante da crise em que se encontra a cidadania soteropolitana. O PT, partido chefe da coalizão no governo,
faz uma articulação política conservadora, típica do presidencialismo de
coalizão, onde o mais importante é colocar ao seu lado parlamentares e grupos
políticos custeados pela pequena política. Afastando-se da sua base social
originária, e agindo de forma truculenta no processo de relação com os
lutadores sociais: seja no setor público ou forçando no setor privado, o
apassivamento daqueles que reivindicam melhorias.
Que
fazer diante de uma força política que aposta, em tão curto período, em aliados
tão contraditórios e diferenciados? O PT apoiou João Henrique, participou do
governo, saiu do governo, disse que aceitaria o apoio do prefeito, atacou o
prefeito. O deputado Pelegrino, há muito se afastou da base social de onde
falava, operando no campo dos interesses policlassistas. Sem entender o sinal
que as massas oposicionistas lançavam reiteradamente, continuava a política de
somar apoios sem olhar para o que representavam esses grupos e políticos. Nesse
cenário, as massas oposicionistas souberam fazer o seu tradicional
discernimento: votaram naquele que entendeu o sinal de alerta.
Com
a eleição de ACM Neto, não muda o bloco no poder na gestão municipal, apenas
vai ser dirigido por um segmento mais à direita do espectro político.
Os
programas que disputaram a prefeitura se pautaram no atendimento ao interesse
de consumo manifestado pelo cliente. Sendo assim, o povo escolheu um projeto
que entendeu o seu desejo de alternância, por mais conservadora que seja. Por
outro lado, se afirma, com pequenas diferenciações, uma política e dois
partidos. O povo novamente perdeu, mas continua oposicionista.
Artigo de autoria de Milton Pinheiro
* Cientista Político e professor da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB).
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