quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

O risco de descarrilhamento de Lula 3

Com a vitória de Donald Trump pela segunda vez, a crise da democracia norte-americana – e, por tabela, de todo o mundo democrático – dá mais uma volta no parafuso. Teremos de aguardar os desdobramentos para compreender o real tamanho do desastre. Mas os discursos do candidato ao longo da campanha, junto com o programa elaborado por uma fundação a seu serviço, por conveniência silenciado até o dia da eleição, são indícios bastante eloquentes. Também o são as primeiras nomeações de secretários e assessores, pouco depois de confirmada sua vitória, onde está clara a intenção de “corrigir” erros da primeira gestão, pelo menos no quesito estrita fidelidade ao chefe. Difícil resistir à metáfora biomédica: em comparação a 2016, Donald Trump 2024 tornou-se uma superbactéria, para a qual os antibióticos tradicionais da democracia já não mais servirão.

Entre esses últimos, dois deles já se encontram, de partida, mutilados. Primeiro, a Suprema Corte, a principal entre as chamadas “instituições contramajoritárias”: suas inclinações hiperconservadoras, reforçadas durante o primeiro governo de Donald Trump, não foram revertidas no período posterior. Bem ao contrário, a julgar por duas de suas medidas mais controversas, feitas em pleno governo de Joe Biden (e, claro, à sua revelia): a reversão da jurisprudência de Roe vs Wade (1973), sobre a legalidade do aborto; e a incrível declaração de imunidade dos atos do presidente da república, desde que justificados como pertinentes ao exercício de sua função, o que na prática significa uma carta branca legal a futuras investidas autoritárias, que ninguém duvida virão sob Trump 2.

Segundo, o Congresso: daí se pode esperar alguma resistência da oposição envergada pelo Partido Democrata – que, porém, ao contrário de Trump 1, já não detém mais o controle majoritário de nenhuma das duas casas. A tremenda fragilidade do partido agora na oposição, revelada no pleito, é de certa forma o espelho de uma debilidade mais ampla, do que poderíamos chamar de “oposição social”. Muita análise ainda precisará ser feita para compreender as razões do fracasso do governo de Joe Biden nas urnas. Este representou, a seu modo, uma tentativa de reverter as políticas neoliberais das décadas anteriores, inclusive as emanadas por presidentes democratas. Mas qualquer que seja o juízo que a história venha a fazer dessa tentativa, o fato é que o veredicto das urnas não lhe foi favorável. A notar que, ainda no início de sua gestão, quando apresentou um pacote ambicioso de medidas econômicas e sociais, logo denominado “Bidenomics”, o presidente teve de enfrentar resistências não só do Partido Republicano — já dominado pelas fileiras trumpistas –, mas de seu próprio partido, obrigando-o a desidratar parte das medidas de maior fôlego no âmbito social. Isso não obstante, Joe Biden buscou reaproximar-se das antigas bases democratas fincadas nas classes trabalhadoras, como prova o apoio dado aos sindicatos e às greves industriais que pipocaram durante seu mandato.

A economia foi ativada quase ao ponto do pleno emprego, os salários cresceram; porém, a inflação, que atingiu um pico com a eclosão da guerra da Ucrânia, em 2022, tragou parte desses ganhos, mesmo tendo voltado a patamares baixos nos dois anos seguintes. Muitos analistas consideram que esse foi um fator importante no descontentamento popular com o governo. A política interna progressista, contudo, contrastou totalmente com a política externa: nesta, o desempenho de Joe Biden pouco se diferenciou da virada nacionalista iniciada por Donald Trump, e voltada em particular contra a China. Ainda mais desencorajadora foi a preservação da política de apoio incondicional a Israel, num período de enorme agudização do conflito no Oriente Médio: o atentado terrorista do Hamas em outubro de 2023, seguido do massacre da população palestina na Faixa de Gaza. Essa orientação deve ter custado muitos votos, ou pelo menos a perda de entusiasmo, das alianças sociais costuradas, no início do mandato, pela esquerda do partido; e na certa inviabilizou as chances de atrair o eleitorado de origem árabe, em especial o concentrado em um dos chamados swing states.

Olhando os números totais, pode parecer que a vitória do republicano não foi “de lavada”: uma diferença apertada, de cerca de 1,5% do voto popular. Mas seu efeito concreto foi acachapante: ninguém esperava que a partida fosse se decidir tão rapidamente. Donald Trump venceu não só no Colégio Eleitoral, mas também, como dito, no voto popular – o que lhe empresta uma legitimidade além de qualquer dúvida. Mesmo mantendo a governadoria de diversos estados, e uma bancada minoritária, mas extensa, no Congresso, o Partido Democrata se encontra agora à deriva. E assim deverá continuar até que as feridas da derrota se cicatrizem, quiçá encontrando um novo prumo. Esse soul searching, contudo, envolverá, provavelmente, uma dura luta interna, pois a chamada ala “neoliberal progressista” tentará, valendo-se da perplexidade geral, recuperar o terreno perdido nos últimos quatro anos – na verdade, já parcialmente recuperado na própria condução da campanha de Kamala Harris. Sinais claros nesse sentido foram dados, por exemplo, numa série de meias concessões que Kamala Harris acenou para as grandes empresas tecnológicas, bastante ressabiadas com a política antitruste que Biden buscou imprimir na reempoderada Federal Trade Comission. (Como se sabe, essa Comissão, poucos meses antes do início da corrida presidencial, havia posto a inefável Google LCC na berlinda.)

Mas os desafios e dificuldades pelas quais o Partido Democrata passa, e ainda passará, são o espelho em miniatura das dores de uma sociedade mergulhada numa profunda crise de autoconfiança e que, em busca de uma saída aparentemente mais cômoda, hesita romper de vez com uma ordem social que tantas sequelas deixou em sua população trabalhadora e, por tabela, no funcionamento do próprio regime democrático. Donald Trump é a versão extremista e autoritária disso e, como tal, tentará, de novo, introduzir uma terapia que, mesmo na hipótese de conteúdo confuso, será aplicada com doses maciças de violência, seja como violência tout court, seja ao modo da asfixia econômica e social – ambas tendentes a debilitar, se não dissolver, qualquer tentativa de oposição que esteja além do quadro institucional. Já seria difícil rearticulá-la, se essa oposição social tivesse claro o rumo a tomar; mas será de fato muito mais difícil ainda, em vista do desnorteio que a derrota eleitoral tornou patente.

Mutatis mutandis, não é isso que também se desenha no Brasil? Ok, Lula detém um carisma que Joe Biden jamais teve. Mas o gosto popular pela pessoa do presidente tem lá seus limites e, obviamente, guarda forte relação com o desempenho de seu governo e com o nível de polarização ideológica do eleitorado. Em seu segundo mandato, o governo Lula chegou a gozar de mais de 80% de aprovação popular (83% de ótimo e bom pelo DataFolha em dezembro de 2010); hoje as pesquisas apontam um teto pouco superior a 30% (35% de ótimo e bom pelo DataFolha em dezembro de 2024). Os dois mandatos anteriores manejaram um “presidencialismo de coalização” em pleno funcionamento, o que dava ao chefe do Poder Executivo controle quase inconteste sobre uma maioria qualificada do Congresso Nacional. Lula 3, em contraste, mal consegue se mover num regime político cujas regras escritas e não-escritas estão se alterando rapidamente: o mínimo que se pode dizer a respeito é que o presidente tem agora um Congresso mais assertivo e insubordinado, empunhando uma pauta abertamente divergente daquela que Lula apresentou como candidato. Na prática, isso significa que o presidente da República está numa corda-bamba quase contínua.

O efeito mais drástico e visível dessa situação é a perda relativa do controle que o chefe do Executivo exercia sobre o orçamento público. Em tese, este controle é garantido pela própria Constituição Federal, que em seu artigo 165 diz que a iniciativa de propor, anualmente, a lei orçamentária, é prerrogativa exclusiva do Poder Executivo. Contudo, a partir do mandato presidencial de Jair Bolsonaro, os congressistas encontraram meios de subvertê-la parcialmente, através do instrumento das emendas parlamentares. Se excluirmos as partes do orçamento já vinculadas pela Constituição (saúde, educação, previdência), veremos que a porcentagem do valor restante agora amarrada às emendas não é nada desprezível, o que dá uma medida do deslocamento que se fez para fora do antigo equilíbrio constitucional. Em realidade, o problema da perda do controle do orçamento só não estourou desde o início do atual mandato porque, ainda no final de 2022, Lula conseguiu negociar a “PEC da Transição”, que elevou o teto de gastos do governo. Mas este é apenas um dos braços da “pinça” que pressiona e paralisa o terceiro mandato petista. O outro, e na verdade o mais insidioso e implacável, provém de fora dos marcos estritamente institucionais: os “capitães” do mercado financeiro. Em virtude de seu modus operandi, este representa um plebiscito diário contra ou a favor de um governo, devidamente repercutido nos grandes meios de comunicação. É claro que em Lula 1 e 2 sua influência já era forte e ostensiva; contudo, depois de um início um tanto turbulento, governo e mercado acabaram encontrando um ponto de acomodação mútua. Mas em Lula 3 seus agentes resolveram, desde o início, colocar em marcha uma disposição que, sem exagero, poderia ser descrita como “um estado de rebelião permanente”. Em outras palavras, um estado avesso à busca de uma acomodação.

Se quisermos ter uma ideia do que ele significa, basta acompanhar o andamento da pauta que se impôs no início do mandato, e que desde então nunca mais saiu das páginas econômicas (quando não das manchetes) dos principais órgãos de imprensa: o famigerado “corte de gastos” do orçamento. Assim se deu, não obstante a postura flexível e negociadora do governo que, através de seu ministro da Fazenda, resolveu aceitar discuti-la, não para a acolher in totum, pois isso levaria a uma abdicação completa de seu poder de influenciar os rumos da economia, mas justamente como um sinal de disponibilidade para encontrar um meio termo. Pois bem: apesar, como dizíamos, de todas as tentativas do ministro Fernando Haddad nessa direção – a registrar que o seu “arcabouço fiscal” foi desenhado exatamente para esse propósito – e já adentrados na última metade do mandato, o fato de se continuar batendo na mesmíssima tecla, sem a menor alteração, é uma confirmação clara de que os protagonistas do mercado financeiro resolveram dobrar a aposta, não aceitando nessa quadra nada menos do que a rendição incondicional.

Por que isso se dá agora? Que nos seja permitida uma breve digressão.

A expressão “mercado financeiro” diz pouco sobre o que de fato essa agência representa hoje, em termos de poder social. Não há dúvida que, ao longo da história moderna, esse poder sempre esteve por aí, desde os primórdios da construção dos Estados nacionais ditos “soberanos”, e com quem estabeleceu uma relação de crescente interdependência. Contudo, jamais com tanta visibilidade e, principalmente, jamais com tanta capacidade de exercer pressão efetiva sobre os governos, como a que veio a alcançar em nossos dias. Mas longe de ser o resultado de um crescimento espontâneo, esse patamar de influência inusitado se fez em virtude de um impulso originado dos países capitalistas mais ricos, sob a liderança dos Estados Unidos. Estes, na tentativa de resolver suas próprias tensões internas, acumuladas ao longo dos anos 1970, resolveram promover a liberação do poder financeiro neles parcialmente represado. Por “liberação” entenda-se a capacidade de os ativos financeiros circularem livremente nessa “terra de ninguém” que é o espaço interestatal e que, graças a um acordo tácito entre os governos em quase todo o planeta, logrou a permissão de entrar e sair das fronteiras nacionais mais ou menos quando seus detentores bem entendessem, com a mínima ou virtualmente nenhuma limitação. Com o tempo, e já muito potencializado pela incorporação de avanços tecnológicos que alavancaram sua expansão, ao modo de uma grande rede global que coloca seus pontos mais distantes em contato instantâneo, uma “Nuvem” eletrônica carregando imensas quantidades de capitais líquidos passou a percorrer diariamente o espaço planetário, em busca dos melhores retornos para suas aplicações, e nos prazos mais curtos possíveis.

Munida de diversos instrumentos de alarme espalhados em todos os países, atentos ao menor sintoma de ameaça local à maximização de seus lucros, eis que essa Nuvem encontrou uma maneira extremamente eficaz de exercer pressão contínua sobre todo e qualquer poder social concorrente. A começar pelos mesmos atores que “lá atrás” haviam promovido sua instauração, isto é, os governos dos Estados nacionais. Essa a natureza do plebiscito diário a que nos referimos acima. Enfim, de que estamos falando? Falamos simplesmente do cerne, do núcleo mesmo da ordem neoliberal. Esta, em crise a partir do crash financeiro de 2008, desde aí arrasta como pode sua perpetuação. Crise, diga-se de passagem, iniciada não devido a um fator externo que tenha atrapalhado seu funcionamento normal, mas por conta de sua própria liberdade ilimitada e de sua natureza emaranhada. De modo que aquilo que faz a Nuvem atuar em uníssono em seu próprio benefício, dessa vez levou-a a enredar-se por inteira numa mesma trama autodestrutiva, uma espécie de “buraco negro” financeiro que ameaçou sugá-la de ponta a ponta para dentro de uma única e, potencialmente inescapável, fratura. Ameaça que só não se confirmou, como se sabe, em virtude da intervenção cirúrgica, bem na hora H, dos Estados nacionais, os quais, em maior ou menor magnitude, dependendo de seu poder de fogo, resolveram converter em dívida pública o imenso, multitrilionário default do circuito financeiro global. Operação, essa, que deixou uma enorme mancha negativa e indelével na legitimidade da ordem neoliberal, mas que ao mesmo tempo revelou todo o poder de chantagem do monstrengo que ela mesma engendrou ao longo de sua plena vigência: “ou nós, ou o dilúvio”.

Restam poucas dúvidas de que o Grande Resgate salvou o mundo de uma catástrofe econômica de consequências imprevisíveis. Contudo, ao zerar a Nuvem de seus encargos e transferi-los para outro lugar, e ao restabelecer como num passe de mágica quase a mesma liberdade de circulação anterior – exceto por alguns poucos obstáculos, criados de improviso e logo deixados para trás –, a iniciativa possibilitou no mesmo compasso a sobrevida da ordem que ainda nos domina. Pior: desde então, outras tantas operações de salvamento têm sido feitas e até rotinizadas, através de mecanismos de injeção de dinheiro digital emitido pelos bancos centrais mais poderosos. Pode parecer incrível o que vamos dizer agora, mas é provavelmente maquiando parte desse dinheiro de origem estatal, na forma de fundos financeiros privados, que os que acionam os botões da Nuvem compram e vendem diariamente, entre outros, os títulos da dívida pública emitidos… pelos Estados! Sobrevida mórbida, como se vê, pois é ela que dá guarida à atual ascensão da extrema direita em quase todos os países democráticos. Não que os interesses de ambos os lados – da Nuvem e dessa extrema direita – sejam necessariamente convergentes. Talvez o sejam de fato apenas nos países situados nas escalas inferiores da hierarquia internacional, os quais, por seu passado, jamais poderiam aspirar àquilo que é o lema central da extrema direita no Norte global – to be great again –, simplesmente porque nunca o foram. Mas para aqueles em que essa aspiração faz algum sentido, pode-se duvidar que a convergência persista para além das atuais circunstâncias. Ou seja, paira sobre ela uma incerteza crucial logo adiante: seria possível algo como um “neoliberalismo num só país”, ao invés do neoliberalismo globalizado tal como o conhecemos até aqui?

O que seria do poder de livre circulação da Nuvem no instante em que o planeta for efetivamente tomado pela dinâmica de disputa geopolítica entre os Estados mais poderosos – que agora mesmo começam a soprar de dentro de si, embalados inclusive pelo já bem conhecido chauvinismo da extrema direita, as fumaças de uma possível erupção –, cuja marca registrada sempre foi a demarcação de territórios? Na certa aquele poder seria tolhido, mas não podemos saber de antemão até que ponto, e que novos arranjos haverão de ser inventados para suprir o vazio que a nova situação vai deixar. Enquanto isso não acontece, cá estamos mergulhados numa quadra histórica meio intermediária e, por isso mesmo, eivada de paradoxo. Pois justamente quando veem escapar por entre os dedos sua força e legitimidade originais, os protagonistas da ordem neoliberal ainda em vigor se dão ao trabalho de extorquir o máximo possível os poderes sociais concorrentes – entre os quais, especialmente, aqueles que os governos são capazes de representar e aglutinar. E o fazem com muito maior desinibição sobre os Estados nacionais de segunda linha, exatamente porque é menos provável que deles surja uma reação contrária à altura.

A própria extrema direita nesses países tende a dar de barato essa impotência, preferindo a mais deslavada subserviência em vez do oposto, tornando plausível uma aliança tácita com os capitães do mercado financeiro. Eis então o provável motivo do enorme aumento de pressão que esses últimos exercem agora sobre o mandato de Lula 3: querem extorquir até o limite do colapso as receitas estatais, sabendo que terão o respaldo de uma extrema direita em plena ascensão e capaz de ecoar suas vozes não só junto às classes do dinheiro, mas também nas classes populares. Quanto aos governos dos Estados de primeira linha, a situação é bem mais diversa. Em particular no Estado mais rico e poderoso do planeta, sob o governo Trump 2, podemos estar certos de um acirramento autoritário sem precedentes, mas, em relação ao que se discute aqui, os dados foram lançados ao ar em muitas direções, e assim continuarão até segunda ordem.

Feita a digressão, voltamos ao ponto em que estávamos: o governo Lula 3. Havíamos falado de um dos braços da pinça que o pressiona e paralisa – um Congresso Nacional assertivo e sem arreios – e talvez agora tenha ficado um pouco mais claro a natureza e o específico contexto de atuação do outro braço (a Nuvem) nessa quadra histórica. Cada qual a seu modo, ambos apertam o governo naquilo que é a maior expressão de seu poder de manobra: o orçamento público. O modo que é peculiar ao Congresso é público e notório. O da Nuvem é sem dúvida bem mais vociferante, mas seus pontos de pressão bem menos visíveis, uma vez que os holofotes quase invariavelmente se voltam para aquilo que se costumou chamar de “gasto primário” do governo: o jeito capcioso que se encontrou para separar o gasto destinado ao pagamento do serviço da dívida pública de todo o resto. O destino desse resto, ou seja, o “gasto primário”, e apenas esse, é o que se discute quando se trata de assuntar o tão decantado “corte de gastos” do orçamento federal. Ocorre que esse resto é indiretamente pressionado pelo gasto destinado ao serviço da dívida. Segundo cálculos do próprio Banco Central, o recente (dezembro de 2024) aumento de 1% da taxa Selic deverá fazer a dívida pública crescer em cerca de 50 bilhões de reais ao longo de um ano. Poucos dias antes dessa decisão, e depois de difíceis negociações dentro do governo, o Ministério da Fazenda havia anunciado um “esforço fiscal” (cortes) de 70 bilhões de reais, junto com uma medida de isenção do imposto de renda para os brasileiros que ganham até 5 mil reais – pouco mais de três salários mínimos em valores atuais. Ora, não é difícil concluir que boa parte desse esforço simplesmente evaporou, tão logo a elevação da taxa de juros foi decidida. Pois o aumento da despesa financeira acaba, de um jeito ou de outro, contribuindo para o desequilíbrio global das contas públicas, mesmo que isso não fique registrado no conceito de gasto primário. Como a Nuvem interpreta esse desequilíbrio como uma elevação do risco de continuar emprestando dinheiro ao governo, a pressão da pinça é uma espécie de aviso prévio de encurralamento: ou se corta os gastos ou então os juros terão de ser, outra vez, aumentados. O caráter recorrente desse jogo não é propriamente uma novidade. Porém, agora, e em virtude da hipótese que já adiantamos, a pressão é feita em intervalos bem mais curtos, com muito maior minúcia e muito menor margem de tolerância – enfim, com uma intensidade sem precedentes.

Depois do entronamento de Lula 3, passou-se a alegar aos quatro ventos que assim teria de ser porque governos à esquerda tendem a ser mais frouxos em matéria de controle de gastos. Seria, portanto, uma simples resposta dos “espíritos animais”, como diria Keynes, a suas expectativas futuras, aliada ao desejo de faturar o máximo possível no curto prazo, via elevação antecipada dos juros indexados à dívida pública. Mas depois que os mesmos órgãos de imprensa que veiculam seus interesses divulgaram uma pesquisa entre os operadores do equivalente verde-amarelo de Wall Street (autodenominada “Faria Lima”), apontando que sua esmagadora maioria, num hipotético cenário eleitoral, preferiria Jair Bolsonaro a Lula e até mesmo a Fernando Haddad; e depois que soubemos, também pelos mesmos órgãos, que a notícia de nova internação hospitalar de Lula se viu acompanhada, no mesmo dia, de um súbito entusiasmo da Bolsa de Valores de São Paulo, com direito a reversão momentânea da cotação do câmbio e do negócio acionário; depois disso tudo, dizíamos, é difícil evitar o pensamento de que já não se trata mais de “espíritos animais” em previsível, embora desvairada, busca de lucros, mas de uma disposição muito mais sinistra e consciente de dar cabo a um governo. Em outras palavras, a Nuvem resolveu, por estas bandas, assumir a mais grotesca e descarada forma de viés ideológico. Enfim, que implicações se podem extrair da presente análise? A primeira delas é um tanto óbvia, mas não custa nada explicitar. Lula 3 corre sério risco de descarrilhamento, se não desde já, na certa em futuro muito próximo, porque não consegue sair da cilada em que se meteu. Tal como nos mandatos anteriores, o presidente petista tentou encontrar – mas desta vez, definitivamente, sem sucesso – uma disposição acomodatícia das duas agências aqui examinadas. O encontro dessa disposição teria permitido ao governo, vencidos os efeitos da “PEC da Transição”, algum controle sobre o orçamento público. “Algum controle”, isto é, o mínimo necessário para cumprir a promessa central do mandato, qual seja, “colocar o pobre no orçamento”. Parece pouco, mas na verdade é quase tudo. Por isso, retire-se esse singelo calço de sua legitimidade, e teremos o sério risco de descarrilhamento acima mencionado. Desnecessário dizer o que restará da perspectiva de um Lula 4 ou qualquer outro que venha servir de substituto para o bloco governista, em caso de queda acentuada de popularidade do atual mandatário: o fato é que não apareceu até aqui, e muito provavelmente não aparecerá até 2026, um substituto para Lula. Ou o mandato em curso funciona, com Lula e tudo o mais, ou fim de jogo.

Fim de jogo mesmo? A pergunta remete à segunda implicação da análise, esta sim difícil até mesmo de esboçar. Chegados à segunda metade do tempo regulamentar, já não é possível argumentar que Lula 3 está de fato funcionando, apesar de tudo o que foi dito até aqui? Por que não, se a economia finalmente deslanchou, impulsionando até mesmo o setor industrial, com desemprego baixando a níveis que não se viam há uma década? E, contudo, em espantosa semelhança com o ocorrido ao longo de toda a gestão de Joe Biden, o povo, não se sabe se em virtude de uma inflação persistente, mas que os índices oficiais apenas registram tepidamente, ou por qualquer outro motivo sempre cercado de controvérsias, segue refratário e mal-humorado. Seja o que for, pouco adiantará ao governo continuar gastando enorme porção de seu tempo, cada vez mais escasso, e de suas energias para negociar com quem já deu todos os sinais de que não quer negociar. Se as grandes quantidades de horas usadas em conversações a portas fechadas for um indicador, há de supor que os ministros e lideranças parlamentares encarregados pelo governo já tenham usado todo o arsenal conhecido para aliciar a maioria do Congresso, com resultados incertos – às vezes bons, mas não raro também muito ruins. Porém, pelo menos nesse terreno o governo pode fazer aquele conhecido jogo de ambiguidades que, mesmo não sendo a seu favor, também não será abertamente contra.

O problema, muitíssimo maior, está no outro terreno, em que se vê de fato prisioneiro de uma trama interminável, que só tem produzido desgastes sucessivos e crescentes. Para ficar apenas no aspecto simbólico, fixemo-nos na imagem de um Ministério da Fazenda que parece não ter realizado nada mais nos últimos dois anos do que fazer contas que pudessem agradar um pequeníssimo grupo social – digamos, aqueles “1%” que em 2012 o movimento Ocupy Wall Street logrou expor a pelo menos algum opróbio – que, monopolizando as páginas econômicas de uma imprensa servil, conseguiu se fazer interlocutor reconhecido do governo. E assim impôs a discussão de sua pauta, mas, como vimos, sem jamais ficar satisfeito com esse óbvio ganho político. Foram e são intermináveis horas de negociações dentro e fora do governo para cortar alguns bilhões ali e outros bilhões acolá, enquanto o interlocutor apenas “assiste de camarote”, como se diz, para no final declarar, urbi et orbi, que tudo está aquém do esperado. Segue-se então uma nova rodada de tentativas e assim por diante. Enquanto isso, o que o mesmo Ministério da Fazenda consegue dizer para “o resto”, isto é, os, digamos, “99%” da população brasileira? Muito pouca coisa. Mas sim, a recente isenção do imposto de renda para os que ganham até 5 mil reais foi um lance deveras importante. Contudo, mesmo este ficou diluído na pauta que continuava tendo como interlocutor central a banca do mercado financeiro. Tendo introduzido, meio envergonhado, um ponto de sua própria agenda – aquela que supostamente fala com o seu público – na pauta alheia, a questão foi devidamente refratada pelo interlocutor através do qual a medida foi anunciada; e com isso o resultado publicado foi, mais uma vez, “que o governo não se mostra capaz de controlar seus gastos”… Somando tudo, o que queremos dizer é que Lula 3 parece estar embaraçado numa espécie de versão modificada de “síndrome de Estocolmo”: não é que se identifica com o algoz, mas de qualquer forma corre atrás de um parceiro impossível (a banca), que já confessou, sem a menor sombra de dúvida, que não lhe quer bem; que fará todo o possível para atrapalhar sua reeleição em 2026; e que, enfim, só aceita um acordo no qual ele mesmo “entra com o pé” e o outro “com o traseiro”. Entrementes, aquela imensa massa de despossuídos que nele votou aguarda, cada vez mais impaciente, que o governo diga, sem qualquer inibição e sem interpostas pessoas, em que medida e como está, afinal, executando a sua pauta. Mas se de fato ela consiste, como Lula gosta de repetir, em “colocar o pobre no orçamento”, que lute, com todas as forças que puder reunir, para assegurar a parte do orçamento necessário ao cumprimento dessa promessa. Sabemos que apenas a disposição nesse sentido não garante o resultado. Os obstáculos e as forças contrárias são imensas: como esta análise mesma tentou mostrar, Lula 3 se faz num contexto muito menos navegável do que os mandatos anteriores. Por isso, mais do que nunca é preciso economizar seu “combustível” político e gastá-lo bem onde tiver maior chance de obter vitórias no leque possível de batalhas a travar, evitando o drama paulino de dar “murro em ponta de faca”. Tudo bem, não é possível escolher todas as batalhas; mas algumas sim. E nessas, a disposição para mostrar claramente a que veio — ou seja, empunhando sua própria pauta, sem o uso espúrio de pautas alheias —, mesmo não garantindo a vitória de antemão, é condição necessária para tal. Ainda que as vitórias mais importantes acabem não vindo, e que o projeto da reeleição não vingue, o público para o qual essa pauta está voltada pelo menos saberá por que e pelo que se lutou. O que já seria importantíssimo até no caso de uma improvável vitória tranquila. Mas ainda mais em caso de derrota: isso, se quisermos evitar que a oposição social necessária para enfrentar o que viria a seguir entre naquele marasmo e deriva que agora mesmo desnorteiam sua contraparte norte-americana.

 

Fonte: Por Cicero Araujo, em A Terra é Redonda 

 

Quais as consequências do aquecimento global?

As consequências do aquecimento global podem atingir a sociedade de diversas formas, impactando as áreas social, cultural e ambiental. A saúde humana, a infraestrutura das comunidades, os sistemas de transporte, os suprimentos de água e a comida são exemplos de segmentos que podem ser prejudicados por esse fenômeno. No entanto, desafios maiores podem afetar alguns grupos sociais, como pessoas que vivem em áreas mais pobres e vulneráveis ou idosos e comunidades de imigrantes.

·        O que é aquecimento global?

Aquecimento global é o processo de mudança da temperatura média do planeta e da atmosfera. O acúmulo de altas concentrações de gases do efeito estufa na atmosfera bloqueia o calor emitido pelo sol, que fica preso na superfície e aumenta a temperatura média do planeta Terra. Esse fenômeno pode trazer consequências diversificadas e complexas para o planeta, além de danos irreversíveis para a humanidade. Alguns efeitos do aquecimento global já podem ser percebidos, como o derretimento das calotas polares, ondas de calor intensas e elevação do nível dos oceanos.

dióxido de carbono (CO2) é um exemplo de gás do efeito estufa que contribui para a intensificação do aquecimento global e, consequentemente, das mudanças climáticas. Ele é liberado durante a queima de combustíveis fósseis, decomposição de seres vivos, desmatamentos e outras ações humanas.

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), existem estudos científicos que comprovam que o aumento da temperatura no planeta está sendo provocado pela ação humana ao longo dos últimos 250 anos.

·        Consequências do aquecimento global

Aumento na incidência da ocorrência de eventos climáticos extremos

A principal consequência do aquecimento global está relacionada com um aumento na repetição e intensidade de eventos climáticos extremos, tais como enchentes, tempestades, furacões e secas. Ainda, o El Niño, um evento climático que ocorre regularmente a cada cinco a sete anos, também poderá se tornar mais recorrente, provocando secas severas no Norte e Nordeste e chuvas torrenciais no Sudeste do território brasileiro.

Um estudo mostrou que o aquecimento global está alterando profundamente o clima do Alasca. De acordo com especialistas, o número de tempestades no estado triplicará, aumentando os ricos de inundações generalizadas, deslizamentos de terra e incêndios florestais induzidos por raios.

Um outro estudo revelou que os ciclones tropicais se tornarão mais intensos. Além disso, anunciou que as ondas de calor ocorrerão com mais frequência.

·        Elevação do nível do mar

O nível do mar deve subir em média de 18 a 59 cm até o final do século XXI, o que implicaria no desaparecimento de muitas ilhas (em alguns casos países inteiros), com danos fortes em várias áreas costeiras, além de causar enchentes e erosão. Uma elevação de 50 cm no nível do oceano Atlântico poderia, por exemplo, consumir 100 metros em algumas praias no Norte e Nordeste do Brasil.

Perda de cobertura de gelo

O Ártico já perdeu cerca de 7% de sua superfície de gelo desde 1900, sendo que na primavera esta redução chega a 15% de sua área. Nos próximos anos, poderá haver uma diminuição ainda maior na cobertura de gelo da Terra tanto no Ártico quanto na Antártica.

Algumas projeções indicam ainda o desaparecimento quase total do gelo marinho ártico no final do verão. Os processos de derretimento deste gelo são lentos. A eliminação completa da cobertura de gelo da Groenlândia, por exemplo, contribuiria para um aumento de cerca de sete metros do nível do mar, embora possa demorar vários séculos para que este derretimento venha a ocorrer.

·        Alterações na disponibilidade de recursos hídricos

Outra consequência do aquecimento global diz respeito às mudanças no regime das chuvas, onde áreas áridas poderão se tornar ainda mais secas. Na Amazônia, as chuvas poderão diminuir em 20% até o final deste século. Poderá ocorrer também o avanço de água salgada nas áreas de foz de rios, além de escassez de água potável em regiões críticas, que já enfrentam estresse hídrico.

Além disso, as previsões alertam para os riscos de diminuição dos estoques de água armazenados nas geleiras e na cobertura de neve, ao longo deste século. Áreas que dependem do derretimento da neve armazenada no inverno, como os Andes e o Himalaia, podem sofrer impactos significativos na disponibilidade de água.

Uma pesquisa também mostrou que o aquecimento global está intensificando o ciclo global da água. De acordo com os especialistas, as mudanças na salinidade dos oceanos sugerem que as regiões secas ficarão mais secas e as regiões úmidas mais úmidas.

·        Mudanças nos ecossistemas

As alterações climáticas previstas afetarão os ecossistemas e poderão colocar em risco a sobrevivência de várias espécies do nosso planeta. Como consequência do aquecimento global, a biodiversidade de vários ecossistemas deverá diminuir e são esperadas mudanças na distribuição e no regime de reprodução de diversas espécies.

A antecipação ou retardamento do início do período de migração de pássaros e insetos e dos ciclos reprodutivos de sapos, a floração precoce de algumas plantas, a redução na produção de flores e frutos de algumas espécies da Amazônia, a redução da distribuição geográfica de recifes de corais e mangues, o aumento do número de micro-organismos presentes no solo, o aumento na população de vetores como malária ou dengue e a extinção de espécies endêmicas são alguns exemplos dos impactos da mudança climática global sobre a biodiversidade do planeta.

Um estudo sugeriu que o aquecimento global pode estar fazendo com que tubarões jovens migrem para o norte da Califórnia, já que as águas do sul estão ficando muito quentes para eles. Uma outra pesquisa retratou que esse fenômeno também pode estar relacionado ao aumento dos órgãos sexuais de peixes e à uma doença de pele que está acometendo populações costeiras de golfinhos.

Por fim, um outro estudo analisou quais características comportamentais dos animais são mais sensíveis às alterações climáticas. De modo geral, todos os traços incluídos – agressão, atividade, ousadia, sociabilidade e exploração de seu ambiente – mudaram significativamente. No entanto, a maior alteração foi observada na exploração de seu ambiente. Esses são alguns exemplos de como o aquecimento global provoca mudanças nos ecossistemas.

·        Poluição luminosa

De acordo com uma pesquisa, o aumento de gases do efeito estufa na atmosfera está provocando o clareamento do céu durante a noite. Esse fenômeno ocorre por conta da poluição luminosa, em que a luz emitida em ambientes urbanos é refletida e deixa o céu menos escuro. A intensificação de gases do efeito estufa na atmosfera favorecem a poluição luminosa. Isso porque as partículas suspensas no ar refletem a luz.

·        Desertificação

A desertificação é causada principalmente pelas atividades humanas e alterações climáticas. Estima-se que cerca de 135 milhões de pessoas estão sob o risco de perder suas terras por conta da desertificação. Segundo a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, a África pode perder cerca de 2/3 de suas terras produtivas até 2025, enquanto a Ásia e a América do Sul podem perder 1/3 e 1/5, respectivamente. 

Áreas inteiras podem se tornar inabitáveis como consequência dos crescentes efeitos do aquecimento global, além da agricultura predatória, queimadas, mananciais sobrecarregados e explosões demográficas.

·        Interferências na agricultura

Nas regiões subtropicais e tropicais, mudanças nas condições climáticas e no regime de chuvas poderão modificar significativamente a vocação agrícola de uma região. Na medida em que a temperatura mudar, algumas culturas e zonas agrícolas terão que migrar para regiões com clima mais temperado ou com maior nível de umidade no solo e taxa de precipitação.

Estudos mostram que, para aumentos da temperatura local média entre 1 a 3 ºC, prevê-se que a produtividade das culturas aumentaria levemente nas latitudes médias a altas, e diminuiria em outras regiões. Nas regiões tropicais, há previsão de que a produtividade das culturas diminua até mesmo com aumentos leves da temperatura local (de 1 a 2 ºC). 

Com isso, cresce também o risco da fome atingir um número muito maior de pessoas no mundo. Isto ocorreria principalmente nos países pobres, que são os mais vulneráveis aos efeitos do aquecimento global e os menos preparados para enfrentar seus impactos.

Além disso, uma pesquisa sugeriu que o aquecimento global está tornando mais difícil conseguir uma boa xícara de café. Isso porque as áreas destinadas ao cultivo de tipos especiais de café na Etiópia estão encolhendo e enfrentando mudanças em seus fatores climáticos.

·        Danos a propriedades e infraestruturas

Alterações no regime de chuva e a ocorrência de eventos extremos podem comprometer infraestruturas essenciais, como linhas de energia, estradas e pontes, que precisariam ser reparadas com mais frequência, gerando gastos significativos aos governos.

O relatório “Impacto, vulnerabilidade e adaptação das cidades costeiras brasileiras às mudanças climáticas” traça os possíveis cenários para as cidades da costa do Brasil caso o aquecimento global continue se intensificando. Cidades localizadas no litoral, que abrigam 60% da população brasileira e geram 30% do PIB nacional, devem ser as mais afetadas. Isso deve acontecer devido ao aumento do nível dos oceanos, que pode afetar a população e a infraestrutura da região, além de prejudicar as atividades agropecuária e industrial.

Além disso, o derretimento do permafrost na região Ártica e Antártida deve danificar edifícios e estradas, levando a dezenas de bilhões de euros em custos adicionais em um futuro próximo, de acordo com uma revisão internacional coordenada por geógrafos finlandeses.

·        Impactos na saúde e bem-estar da população humana

As mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global aumentam a intensidade, a frequência e o impacto de eventos climáticos extremos, sejam de frio ou de calor. Esses eventos, além de impactarem o meio ambiente, causam efeitos nocivos à saúde humana, como aumento do risco de suicídio, problemas respiratórios e cardiovasculares, entre outros.

Um estudo mostrou que as alergias causadas por pólen também podem aumentar. Isso porque as mudanças climáticas e na distribuição de espécies decorrentes do aquecimento global fazem com que as pessoas fiquem expostas a novos tipos de pólen. Além disso, sugeriu que as temporadas de alergia podem se tornar mais longas e intensas.

Outra pesquisa retratou que os aumentos das temperaturas devido à crise climática podem levar a uma elevação no número de pessoas que sofrem de cálculos renais – uma condição médica dolorosa exacerbada pelo calor e pela desidratação. De acordo com o Hospital Infantil da Filadélfia, os casos aumentarão entre 2,2% e 3,9%, dependendo dos níveis de emissão de gases do efeito estufa na atmosfera.

Outro estudo mostrou que a desaceleração do aquecimento global observada no final do século passado refletiu na diminuição da transmissão de malária nas terras altas da Etiópia. Isso sugere que esse fenômeno está diretamente relacionado à diminuição ou aumento da transmissão de algumas doenças.

·        Fatores que influenciam nas consequências do aquecimento global

As consequências geradas pelo aquecimento global variam de acordo com alguns fatores:

>>> Localização geográfica

A região em que as pessoas vivem pode influenciar a forma com que elas sofrem os efeitos do aquecimento global. Pessoas que vivem em áreas costeiras têm maior probabilidade de serem mais afetadas por eventos climáticos extremos, por exemplo. Além disso, países em desenvolvimento podem não conseguir atender às demandas de infraestrutura de transporte, água e energia decorrentes do aumento da temperatura.

Regiões úmidas podem sofrer com a intensificação das chuvas, enquanto regiões secas podem se tornar ainda mais secas, acelerando processos de desertificação. Por outro lado, regiões geladas podem passar a ser produtivas, se beneficiando do aumento da temperatura.

>>> Capacidade de lidar com as mudanças

Os grupos sociais lidam de formas distintas com as consequências do aquecimento global. Acredita-se que a população mais empobrecida e vulnerável dos países em desenvolvimento seria a mais afetada, uma vez que teriam recursos limitados para se adaptar às mudanças climáticas. Idosos e crianças também podem ser mais afetados, já que necessitam de mais cuidados e atenção.

>>> Comunidades tradicionais

Comunidades que dependem de recursos naturais para alimentação, práticas culturais e renda podem sofrer com a escassez desses recursos. Vale ressaltar que muitas comunidades já não possuem água potável e encontram dificuldades para obter alimentos nutritivos. Isso pode se agravar com o aquecimento global, provocar problemas de saúde e ameaçar a identidade cultural desses povos.

Populações Urbanas

Nas cidades, o aumento da temperatura é percebido de forma específica. As ondas de calor podem ser ampliadas devido à absorção de calor durante o dia, que é maior do que nas áreas rurais, por exemplo. Além disso, as cidades são mais densamente povoadas. Dessa forma, fenômenos como o aumento das ondas de calor, secas e tempestades atingiriam um número muito maior de pessoas nessas regiões.

 

Fonte: eCicle

 

Sérgio Ferrari: Saúde doente

O ano de 2024 terminou quase sem boas notícias para a humanidade. O aumento dos gastos militares é agravado pela diminuição dos orçamentos de saúde.

O último Relatório de 2024 da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre gastos globais nessa área, publicado em dezembro passado, conclui que, em 2022, os governos alocaram à saúde diminuíram em relação aos números de 2021.

A conclusão da OMS é o resultado de um processamento cuidadoso de informações abundantes e confiáveis disponíveis desde 2000, procedentes de 190 países. O relatório anual dessa organização das Nações Unidas é publicado regularmente desde 2017 e é uma referência essencial para a análise da situação da saúde no mundo.

Enquanto isso, em abril de 2024, o Instituto Internacional de Estudos para a Paz, de Estocolmo (SIPRI), informou que os gastos militares mundiais em 2023 aumentaram 6,8% em termos reais em comparação com 2022; foi o aumento mais acentuado dos últimos 15 anos. Essa tendência contrasta com a queda constante dos orçamentos de saúde.

·        Raio-X devastador

De acordo com o Relatório de 2024 da Organização Mundial da Saúde, 4.5 bilhões de pessoas –mais da metade da população do planeta– não têm acesso a serviços básicos de saúde e 2 bilhões enfrentam maiores dificuldades financeiras porque devem assumir privadamente uma parte significativa desses custos. O paradoxo revelado por essa agência das Nações Unidas é fundamental: embora o acesso aos serviços de saúde tenha melhorado ao longo do tempo, seu encarecimento representa uma carga financeira muito problemática para um vasto setor da população, a ponto de muitas pessoas caírem na pobreza porque precisam financiar seus cuidados médicos e de saúde.

De acordo com a OMS, os gastos diretos (pessoais e privados) continuam sendo a principal forma de financiamento da saúde em 30 países de baixa e média renda. Em 20 deles, "mais da metade do gasto total com saúde foi pago diretamente pelos pacientes, o que é um gatilho para o ciclo de pobreza e vulnerabilidade".

Os desafios colocados pela falta de proteção financeira para a saúde não se limitam aos países pobres. Também nos países de alta renda, os pagamentos diretos por salários de saúde geram sérias dificuldades. Como resultado, não é possível fornecer todos os cuidados médicos e de saúde necessários, especialmente em famílias de baixa renda.

Os dados não mentem: em mais de um terço dos países ricos, ou seja, aqueles com alta renda, pelo menos 20% do gasto total com saúde é assumido diretamente pelos pacientes. Em muitos casos, essa situação obriga os pacientes a minimizar seus custos médicos ou de medicamentos para evitar que seus orçamentos familiares explodam.

·        Um mau exemplo

Por exemplo, na Suíça –que goza de um sistema de saúde típico de um país altamente desenvolvido–, o que cada habitante paga mensalmente pelo seguro de saúde obrigatório (cerca de 500 dólares por adulto) varia de acordo com o valor da franquia (ou seja, o que o segurado deve pagar antes que seu seguro comece a funcionar). Quanto menor a franquia, maior o pagamento mensal. Cada vez mais, há um grande setor da população, especialmente jovens e pessoas de baixa renda, que optam por uma alta franquia de $ 2.750 (2.500 francos) por ano e, assim, buscam reduzir o pagamento mensal. Isso significa que as despesas médicas até esse valor terão que ser pagas individualmente pelo próprio segurado.

Assim, a saúde está hoje no centro das preocupações dos setores médios e baixos da população suíça, dado o aumento contínuo do pagamento mensal, entre 5 e 10% ao ano, dependendo de cada cantão (Província, Estado) e dependendo de cada uma das dezenas de fundos médicos, todos privados. Sindicatos e organizações sociais suíças se mobilizam há anos em favor de um Fundo Médico Único, com forte participação do Estado, com a perspectiva de redução de custos no setor. A maioria parlamentar de direita e extrema direita, com forte presença e intenso lobby de representantes de seguradoras privadas e da grande indústria farmacêutica, se opõe a tal proposta que reduziria substancialmente seus atuais lucros astronômicos no setor de saúde.

·        Fortalecimento da saúde pública

A OMS propõe que os governos priorizem a Cobertura Universal de Saúde (CSU, por sua sigla em espanhol) em nível nacional e reduzam o empobrecimento gerado pelas despesas relacionadas à saúde. Dessa forma, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio seriam alcançados e soluções substantivas seriam alcançadas até 2030. Essa prioridade na saúde pública em todas as suas esferas é condição fundamental para o alcance desses objetivos.

Já no final de 2023, a OMS alertou que mais de 1 bilhão de pessoas no mundo poderiam cair na pobreza devido às despesas diretas com saúde, que representam aproximadamente 10% ou mais, de seus orçamentos familiares. A agência da ONU defende a expansão da atenção primária à saúde, que, até 2030, poderia salvar 60 milhões de seres humanos em países de baixa e média renda e aumentar a expectativa de vida em 3,7 anos.

Entre as estratégias eficazes para fortalecer a proteção legal e financeira da saúde, a OMS enfatiza a necessidade de minimizar ou eliminar franquias para os usuários mais necessitados (incluindo pessoas de baixa renda e/ou com doenças crônicas) e estabelecer mecanismos de financiamento da saúde por meio de fundos públicos que beneficiem toda a população.

Segundo a OMS, a saúde pública envolve a definição de orçamentos para "serviços essenciais de saúde que vão desde a promoção à prevenção, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos, usando uma abordagem de atenção primária à saúde". Esse conceito "inclui toda a sociedade e visa garantir o mais alto nível possível de saúde e bem-estar e sua distribuição equitativa por meio de cuidados focados nas necessidades das pessoas".

A atenção primária, pilar essencial da saúde pública, inclui três componentes interdependentes e sinérgicos. Primeiro, o conjunto de serviços de saúde integrados e abrangentes que englobam esse nível básico de atenção. Em segundo lugar, políticas e iniciativas multissetoriais para abordar a saúde de forma abrangente e global. Em terceiro lugar, um elemento essencial baseado na participação cidadã e que a OMS define como "a mobilização e o empoderamento de indivíduos, famílias e comunidades para alcançar uma maior participação social e melhorar o autocuidado e a autossuficiência em saúde.

·        América Latina e Caribe: o déficit da medicina pública

Embora o investimento público em saúde na América Latina e no Caribe tenha aumentado na primeira parte do século, não foi suficiente para atingir os objetivos propostos. Em 2021, 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) foram alocados quando pelo menos 6,0% foram projetados. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), naquele mesmo ano, apenas 61% do que foi investido em saúde na região correspondeu a recursos financeiros públicos.

Como ambas as organizações apontam em seu relatório conjunto, de outubro de 2024, as contribuições diretas –ou seja, pagas do bolso dos usuários– chegaram a 28%. Em 14 países, os pagamentos diretos, ou com recursos dos pacientes, excederam 30% de seus respectivos investimentos nacionais em saúde. Cuba foi o país do continente com maior cobertura pública e menor gasto direto (8,4%). As famílias guatemaltecas, no outro extremo, tiveram que arcar com mais de 60% de seus gastos com saúde. Na Argentina e no Brasil, mais de 22% dos recursos familiares foram para a saúde-sal.

A OPAS e a CEPAL afirmam que esses números "são preocupantes, pois os gastos diretos reproduzem desigualdades no acesso e na qualidade do atendimento e podem se traduzir em despesas catastróficas ou empobrecedoras". Para essas duas organizações líderes em questões de saúde no continente, essas desigualdades destacam a necessidade urgente de "aumentar o gasto público em saúde, juntamente com uma gestão eficiente dos recursos".

A menos que os principais problemas estruturais do setor público de saúde sejam abordados –fundamentalmente o subfinanciamento crônico e a fragmentação e segmentação dos sistemas de saúde– essas desigualdades e o consequente empobrecimento de um vasto setor latino-americano e caribenho continuarão a piorar irremediavelmente, de acordo com a OPAS e a CEPAL.

É um panorama mundial no qual se instalam os altos e baixos da irracionalidade planetária. Em um dos lados da gangorra global, a saúde que cai, desconsiderando, assim, o esforço humano para cuidar e sobreviver. E no outro, armas mais sofisticadas, munições e a indústria militar em pleno andamento para alimentar as guerras espalhadas pelo planeta, responsáveis por milhões de vítimas e causadoras de retrocessos ambientais e civilizacionais.

 

Fonte: Brasil 247