sábado, 21 de junho de 2025

Conservadores acham que “marxismo” é qualquer coisa que os assuste

No início deste mês, o autor de best-sellers Jordan Peterson declarou que “justiça climática” é “a nova roupagem do marxismo assassino”. No mesmo dia, o candidato presidencial republicano Ron DeSantis compareceu a um evento público patrocinado pela WMUR-TV em Manchester, New Hampshire. Um eleitor perguntou a DeSantis, que frequentemente critica tudo o que é “woke”, qual era seu termo favorito. DeSantis respondeu que “woke é uma forma de marxismo cultural”. Falando de Manchester, alguns dias após o evento de DeSantis, um membro da legislatura de New Hampshire acusou a prefeita da cidade, Joyce Craig, de promover “doutrinação marxista” nas escolas públicas.

O “marxismo” parece estar ocupando muito espaço na cabeça dos conservadores contemporâneos. Mas, como eles usam o termo, o que ele significa?

Muitas vezes, é um termo genérico para cada tendência codificada à esquerda que eles acham assustadora.

<><> Hazony e o desafio do “marxismo”

Yoram Hazony é um pensador conservador muito mais inteligente do que DeSantis, Peterson ou Mike Belcher — o legislador de New Hampshire que acusou a prefeita de Manchester de promover “doutrinação marxista”. Hazony é o intelectual líder do movimento NatCon (conservador nacional), que se tornou cada vez mais influente na direita contemporânea. Se você o vir em uma conferência da NatCon, ele pode estar lado a lado com Marco Rubio, Ted Cruz ou o líder autoritário húngaro Viktor Orbán. Sei por experiência própria, porém, que Hazony é perfeitamente capaz de ter uma conversa bem fundamentada sobre a filosofia de David Hume.

No ano passado, ele lançou um livro importante expondo sua visão de mundo, intitulado Conservatism: A Rediscovery [Conservadorismo: Uma Redescobrimento]. Quando leio os textos de Hazony, não espero concordar com ele em quase nada. O que me surpreendeu e me decepcionou, porém, foi que Hazony incluiu um capítulo inteiro intitulado “The Challenge of Marxism” [O Desafio do Marxismo] — e que sua compreensão do marxismo é tão superficial quanto a de seus colegas conservadores.

Hazony faz afirmações alucinantes como:

No verão de 2020, mesmo com as cidades estadunidenses sucumbindo a tumultos, incêndios criminosos e saques, os guardiões liberais de muitas das principais instituições do país adotaram uma política de acomodação de seus funcionários marxistas, cedendo a algumas de suas reivindicações: demitindo funcionários liberais do New York Times, removendo o nome do presidente Woodrow Wilson dos corredores da Universidade de Princeton e assim por diante. Mas o que inicialmente parecia uma política temporária de apaziguamento tornou-se uma derrota. O controle de muitos dos mais importantes meios de comunicação, universidades e escolas, grandes corporações e organizações filantrópicas, e até mesmo da burocracia governamental, das forças armadas e de algumas igrejas, passou para as mãos de ativistas marxistas.

O que significa marxismo aqui? Qual poderia ser o significado consistente com a ideia de que “grandes corporações” estão nas mãos de marxistas? Seria de se esperar que qualquer “ativista marxista” desejasse que essas corporações fossem nacionalizadas ou transferidas para alguma forma de propriedade dos trabalhadores. Por que os ativistas marxistas que as controlam não tomaram medidas nessa direção desde o verão de 2020?

Se ativistas marxistas tomaram conta dos “veículos de notícias mais importantes”, esses veículos não deveriam estar atuando pela expropriação dos meios de produção? Se tomaram conta das universidades, os departamentos de economia, há muito tempo repletos de economistas tradicionais e pró-capitalistas, não deveriam agora ser ocupados por economistas, digamos, marxistas? (Talvez Hazony dê crédito aos ativistas marxistas por respeitarem a liberdade acadêmica dos economistas burgueses.) Se tomaram conta das Forças Armadas, como é possível que a postura de domínio militar imperial dos Estados Unidos não tenha sido impactada pela mudança?

<><> O “quadro geral” de Marx

Uma pista surge quando Hazony admite que os “novos marxistas” não usam “o jargão técnico que foi criado pelo Partido Comunista do século XIX”. Isso faz parecer que uma organização com esse nome existiu no século XIX, o que é incorreto — embora Marx, como outros escritores de sua época, às vezes usasse a palavra “partido” para se referir a correntes gerais de pensamento. Podemos, no entanto, deixar de lado esse erro relativamente pequeno e analisar o jargão que Hazony tem em mente.

Ele diz que os “novos marxistas” não usam termos como “burguesia, proletariado, luta de classes, alienação do trabalho, fetichismo da mercadoria e tudo mais”, mas, em vez disso, “desenvolveram seu próprio jargão adaptado às circunstâncias atuais nos EUA, Grã-Bretanha e em outros lugares”. Mas isso é uma digressão.

Uma coisa é evitar jargões ultrapassados ​​e outra bem diferente é discordar das ideias substantivas que o jargão pretendia expressar. Um marxista do século XXI pode preferir falar sobre a classe trabalhadora em vez de o proletariado, por exemplo, alegando que provavelmente será mais familiar ao seu público, mas parte do que o torna marxista é que ele acredita que todos aqueles que não têm outra maneira de ganhar a vida a não ser vendendo suas horas de trabalho para um empresário estão unidos por interesses comuns.

Para sustentar suas alegações sobre “ativistas marxistas” estarem no controle de grandes corporações, das Forças Armadas dos EUA e assim por diante, Hazony precisa usar a palavra com M de forma muito mais ampla. Ele afirma que vários tipos de ativistas da justiça social são marxistas porque, por mais que discordem de Marx em “detalhes”, aceitam os quatro elementos principais de uma “estrutura marxista”, que ele classifica como:

<><> Opressor e Oprimido

Hazony escreve que Marx argumentou “que, como uma questão empírica, as pessoas invariavelmente se formam em grupos coesos (ele os chamou de classes), que exploram uns aos outros na medida em que são capazes”. Muito claramente, nas mãos de Hazony, não importa muito se os “grupos coesos” são classes reais ou se são raças, gêneros ou praticamente qualquer outra coisa.

<><> Falsa Consciência

Hazony é escrupuloso o suficiente para reconhecer que Marx nunca realmente usou essa expressão. O colaborador de Marx, Friedrich Engels, a cunhou, não em um trabalho teórico, mas em uma carta a um amigo, e alguns marxistas posteriores adotaram o conceito. Assim, é mais do que um pouco estranho chamá-lo de elemento definidor da estrutura do pensamento de Marx — tanto que mesmo aqueles que discordam das afirmações centrais que Marx passou a vida defendendo são marxistas se as adotarem. De qualquer forma, porém, Hazony define a crença na “falsa consciência” simplesmente como a crença de que muitas pessoas dentro de uma determinada sociedade entendem sinceramente como essa sociedade funciona de maneiras que “obscurecem a opressão sistemática que ocorre”.

<><> Reconstituição Revolucionária da Sociedade

Isto é simplesmente a ideia de que o “grupo coeso” oprimido assumirá o controle da sociedade para acabar com sua opressão, e…

<><> Desaparecimento total dos antagonismos de classe

…a previsão é que isso resultará em uma sociedade não mais dividida em tais grupos.

Significativamente, a palavra “produção” não aparece em nenhum lugar desta descrição da estrutura de Marx, embora nenhum aspecto do pensamento marxista seja reconhecível sem ela. Marx, é claro, queria dizer algo muito mais específico com “classes” do que “grupos coesos”. Tampouco a noção de “exploração” de Marx é reconhecível na fala de Hazony sobre “grupos coesos” tentando “explorar uns aos outros na medida em que são capazes”.

Se o marxismo não fosse nada mais do que a visão de que qualquer sociedade em que qualquer “marxista” se encontrasse estaria dividida em grupos onde alguns deles tratariam os outros de forma injusta, então o “marxismo” antecederia dramaticamente o nascimento de Karl Marx.

Quando Espártaco liderou uma revolta de escravos na Roma Antiga, ele e seus seguidores eram marxistas? E os camponeses que periodicamente se revoltavam contra os senhores feudais na Europa medieval? Talvez os camponeses não contassem porque buscavam apenas melhorias imediatas e, em sua maioria, não tinham o conceito de uma “reconstituição revolucionária da sociedade”, mas e os revolucionários franceses que tomaram a Bastilha em 1789? Os abolicionistas que protestaram contra os males da escravidão no Sul dos Estados Unidos muito antes de Marx descobrir a política? Mary Wollstonecraft, cujo tratado feminista “Uma Reivindicação dos Direitos da Mulher” foi publicado alguns anos após a tomada da Bastilha, mas mais de um quarto de século antes do nascimento de Marx, era marxista?

Mesmo as queixas especificamente socialistas sobre as injustiças da sociedade capitalista são anteriores a Marx. Houve um próspero movimento socialista europeu antes que o marxismo se tornasse uma das facções em conflito dentro dele. As contribuições de Marx foram muito mais específicas.

O que hoje chamamos de marxismo é, antes de tudo, uma teoria da história — dos diferentes estágios do desenvolvimento histórico, de como funciona o estágio capitalista em que nos encontramos e de como podemos transcender o capitalismo e alcançar o socialismo. Marx postulou que as instituições jurídicas e políticas de toda sociedade estão a jusante de suas “relações de produção”. Essas são as relações entre alguma classe de “produtores imediatos”, que de fato fabricam os produtos e serviços que fazem a sociedade funcionar, e a classe dominante de qualquer sociedade — por exemplo, a relação entre escravos e senhores de escravos, entre camponeses e senhores medievais, ou entre trabalhadores assalariados modernos e empresários.

Quando Marx diz que as relações de trabalho capitalistas são marcadas pela “exploração”, ele não se refere apenas à injustiça ou à vantagem comparativa de um grupo. Ele quer dizer que algumas das horas trabalhadas pelos proletários são aquelas em que eles criam o equivalente ao que recebem de volta em seus salários, enquanto outras são horas em que trabalham em benefício de seus empregadores — e que essa extração de “trabalho excedente” é essencialmente involuntária, uma vez que a classe trabalhadora não tem outra maneira realista de ganhar a vida a não ser vendendo suas horas de trabalho aos capitalistas. Essas relações de produção, por sua vez, estão a jusante do nível de desenvolvimento das forças produtivas — ou seja, da capacidade que uma sociedade tem de produzir coisas para atender às necessidades das pessoas.

É muito difícil imaginar uma sociedade humana que não fosse, em nenhum sentido, dividida em grupos que poderiam, às vezes, experimentar conflitos. Quando Marx usou o termo classe, ele se referia a classes definidas por sua relação com os meios de produção — por exemplo, fábricas, fazendas ou mesmo restaurantes onde as pessoas produzem alimentos para obter lucro. A crença de que podemos ter uma sociedade sem classes nesse sentido não é a crença em alguma utopia impossível e livre de conflitos, mas simplesmente a crença de que, agora que estamos em um estágio da história em que as forças de produção se desenvolveram o suficiente para permitir a abundância compartilhada de forma geral, podemos alcançar uma sociedade melhor substituindo a propriedade individual pela propriedade coletiva dos meios de produção.

Uma fração dos ativistas da justiça social que tanto incomodam Hazony pode realmente aceitar algumas dessas ideias marxistas. Essa fração, porém, controla exatamente zero “grandes corporações”.

O fundo de verdade na descrição exagerada de Hazony é que realmente existem pessoas em posições de poder em instituições importantes que falam muito sobre diversas questões de justiça social. Longe de serem marxistas, porém, a maioria deles são, na pior das hipóteses, tecnocratas sem alma, dispostos a seguir qualquer roteiro que considerem bom para as relações públicas de suas instituições e, na melhor das hipóteses, liberais radicais cuja visão não é de uma sociedade sem classes, mas de uma sociedade em que os cargos mais altos na hierarquia de classes são distribuídos de forma demograficamente justa entre diferentes raças, gêneros, orientações sexuais, identidades de gênero e assim por diante. Eles não querem que essas “grandes corporações” sejam nacionalizadas e colocadas sob o controle dos trabalhadores, por exemplo — eles querem mais CEOs mulheres e negras.

Enquanto a ênfase predominante de Marx era na mudança das condições materiais na prática, com mudanças na consciência coletiva tendendo a ocorrer na esteira dessas mudanças mais básicas, os ativistas que incomodam Hazony concentram-se principalmente em mudar as ideias subjetivas na cabeça das pessoas, mantendo as circunstâncias materiais praticamente inalteradas. Qualquer descrição da estrutura do pensamento de Marx que misture essas ideologias rivais acabará mais confundindo que esclarecendo.

Assim como os proponentes de todas as outras filosofias, os marxistas podem aprender e, em última análise, se beneficiar das críticas intelectualmente mais rigorosas às nossas ideias. Devemos acolher esse processo. Por isso, gostaria que um inimigo tão inteligente quanto Hazony não se contentasse em lutar contra espantalhos.

 

Fonte: Por Ben Burgis – Tradução Pedro Silva, em Jacobin Brasil

 

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