Reforma agrária: incompetência do Estado
fomenta disputas entre trabalhadores no sul da Bahia
A história que se lerá
a seguir é mais uma sobre o estancamento da reforma agrária no Brasil. Um tema
que aparentemente perdeu apelo no debate público nas últimas décadas ao passo
que o agronegócio ganhou força e adquiriu papel hegemônico em diversas esferas.
Quem perde, invariavelmente, são os trabalhadores pobres do campo.
Na longa reportagem
que segue, veremos como a morosidade do governo do estado da Bahia em mediar
acordos para a regularização de um enorme território, oriundo de terra devoluta
grilada por empresa de celulose, tem gerado uma onda de disputas entre dois grupos
diferentes de trabalhadores rurais, com relatos de episódios violentos e
acusações trocadas. Um grupo é ligado ao MLT (Movimento de Luta pela Terra) e o
outro a um sindicato local da Fetag-BA (Federação dos Trabalhadores Rurais
Agricultores Familiares da Bahia).
O Assentamento Baixa
Verde está a noroeste de Eunápolis, município de 113 mil habitantes de acordo
com o último censo do IBGE, localizado no sul da Bahia e longe da costa. Com
acesso por meio de uma estrada rural que sai do centro da cidadezinha, falamos
de um território que pode ser considerado um representante do “interior do
interior” do Brasil. Porto Seguro, a cidade mais famosa da região, está a cerca
de 100 km dali.
Recebemos a denúncia
do MLT, feita através do site da Teia dos Povos, e conversamos com um dos
moradores do seu acampamento. Também conversamos com um dirigente sindical
local da Fetag-BA para saber sua posição – as versões aparecerão nessa ordem.
Ainda enviamos questionamentos à Secretaria de Desenvolvimento Agrário do
Estado da Bahia, mas não fomos respondidos.
• A denúncia do MLT
Em 7 de agosto uma
adolescente de apenas 14 anos, moradora do Assentamento Baixa Verde - do
Movimento de Luta pela Terra (MLT) ligado à Teia dos Povos - enviou uma
mensagem em áudio para o grupo de WhatsApp da comunidade em que descreveu o
terror que vivenciou próximo ao acampamento. Intercalando o choro com a própria
narração do episódio, a menina contou que estava acompanhada de uma colega
quando chegou a uma área coletiva chamada de Viveiro, onde havia três homens
estranhos à comunidade. Um de camisa vermelha, outro de branco e um terceiro de
preto vestia algo que, para ela, parecia um colete à prova de bala. Os três
estavam “aparentemente abaixados, escondidos numa moita”, relatou.
“Na hora que estávamos
perto eles levantaram, estavam com uma arma e não era pequena”, disse a
adolescente no áudio. A certa distância dos homens, ela explica na mensagem que
tentou seguir seu caminho, mesmo com a presença dos estranhos, tomando cuidado para
que não vissem seu rosto. De longe, viu o momento em que os homens efetuaram
dois disparos e abordaram um carro branco que passou pela estrada de acesso.
O veículo chamou a
atenção dos homens, que se movimentaram em sua direção. Um deles correu para um
canavial próximo à porteira de acesso da área coletiva dos acampados, saindo do
campo de visão do carro e de seus ocupantes. O carro tem modelo e cor similar
ao de uma das lideranças da comunidade, que desenvolve periodicamente
atividades no Viveiro, fazendo com que os membros da mesma suspeitem que
pudesse ter sido uma tentativa de emboscada para atingi-los. De cabeça baixa,
as jovens então decidiram retornar para a comunidade. Guardaram suas
ferramentas de lavoura e, ao se dirigirem a um local do Viveiro para lavarem as
mãos, deram de cara com um dos homens, ajoelhado, apontando-lhes a grande arma.
“A única coisa que
passava na nossa cabeça era que a gente ia morrer. A única coisa. A colega
falava ‘eu vou morrer, eu vou morrer’. Eu tava assustada também, só que eu
falava pra ela não se desesperar. Na hora que nós estávamos lavando a mão, eles
deram mais dois tiros, aí na hora eu vi o cara mirando a arma para a gente.
Eles já tinham dado dois tiros. Nós continuamos andando, fomos pela estrada
como se não tivesse acontecido nada, e do nada eles começaram a gritar: ‘Ei!
Ei’. Minha perna começou a falhar, eu não estava conseguindo andar direito com
uma perna e pedi a colega para esperar. E o tempo todo eles gritando: “Ei! Ei”.
Eu tava com medo de morrer naquele momento ali com um tiro nas costas, mas
conseguimos sair de lá”, relata a jovem aos prantos. O áudio foi transcrito na
íntegra em nota publicada no site da Teia dos Povos.
Mas segundo a
denúncia, esse foi só mais um episódio de uma longa história de animosidades.
“Diversas situações similares foram sistematicamente denunciadas a diversos
órgãos competentes, sem que houvesse nenhuma prisão. Casas queimadas, cercas e
roças destruídas”, diz a nota.
Um mês antes, diz a
denúncia, adolescentes da Baixa Verde voltavam da escola quando foram acossadas
por um membro da comunidade invasora conhecido por suas condutas violentas. Ele
abordou os jovens sobre uma moto. “Questionou quem eram, para onde iam, entre
outras perguntas, alegando que não era para as crianças estarem andando ali ‘na
quebrada dele’, fazendo menção a facções criminosas que atuam na região”, diz a
denúncia.
Desesperados, os
jovens adentraram a área de outro assentado do MLT para cortar caminho e
desviar a rota. Chegaram em casa assustados e contaram o ocorrido aos parentes.
Dias depois, em 17 de
julho, dois homens numa moto teriam invadido o acampamento do MLT no período
noturno e efetuado uma série de disparos de armas de fogo. De manhã, membros da
comunidade recolheram e fotografaram as cápsulas. A ação foi testemunhada por
uma anciã da comunidade e não há relatos de feridos.
O MLT atribui os
ataques a um segundo grupo de trabalhadores rurais e aponta a existência de
“centenas de boletins de ocorrência” sobre os ataques. Alega que acionou, além
da Polícia Civil de Eunápolis, a Polícia Federal, Polícia Militar, a Secretaria
Nacional de Justiça e o Ministério Público Estadual. Diz que em todos os casos
protocolou denúncias, as quais desconfia que não estejam sendo investigadas.
“Nenhuma ação efetiva
foi tomada por nenhum setor para garantir a vida, saúde e segurança alimentar
dos membros do MLT na área. A área faz parte do Mapa Nacional de Conflitos
Agrários e diversos membros do MLT fazem parte de programas de proteção por conta
da periculosidade explícita dos invasores”, finaliza a nota da Teia.
• O Assentamento Baixa Verde e o MLT
Conversamos com um
morador do Assentamento Baixa Verde que explicou melhor a história, e pediu
para não ter seu nome revelado por razões de segurança. Ele disse que o Viveiro
é uma área coletiva que faz parte de um projeto mais amplo desenvolvido pelo MLT
desde a ocupação em 2008. Esse projeto consiste na recuperação da mata nativa –
ali é uma área de Mata Atlântica.
Explica que quando
ocuparam a área tinham diversos projetos produtivos, sociais e culturais em
andamento, oriundos de iniciativas dos próprios membros da comunidade. O
principal objetivos deles enquanto movimento é fomentar a vida comunitária de
cara ao mundo em que lutam para viver. Anos mais tarde, com a participação do
MLT, viria a articulação em torno dessas ideias e práticas que daria luz à Teia
dos Povos, conta o morador.
Entre esses projetos
está a recuperação ambiental e a própria organização do trabalho e da terra de
modo a garantir glebas individuais aos assentados em paralelo com áreas comuns,
que teriam importância tanto na produção agrícola como na reprodução social da
comunidade – uma marca do trabalho da Teia dos Povos, da qual o MLT é um dos
elos. Em termos de produtividade, o MLT buscava viabilizar renda de um a três
salários mínimos por família através da produção rural coletiva e individual –
e frisa que registrou essa projeção nos processos jurídicos que envolvem o
caso.
“A perspectiva do
trabalho coletivo sempre foi um fundamento da nossa luta. Então no nosso
assentamento tem áreas individuais e coletivas... E em uma dessas áreas
coletivas a gente construiu um viveiro de mudas, que estamos usando para
reflorestar a margem do rio e outras áreas degradadas. Aqui era uma área de
monocultura de eucalipto, então tem muita degradação ambiental e estamos
recuperando esse território”, disse o morador.
A comunidade vive um
processo de transição entre a condição de acampamento e a de assentamento, após
mais de 14 anos de luta incessante contra o Estado da Bahia e o capital
privado, e há mais de 10 anos em disputa agressiva pelo território com um
segundo grupo de trabalhadores rurais, supostamente ligado à Fetag (Federação
dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares da Bahia), o qual acusa de
cometer uma série de atos de violência como o relatado pela adolescente.
“Perceberam que as
lideranças estavam indo fazer as atividades no Viveiro e se entocaram lá.
Ficaram esperando, só que quem chegou foram duas crianças. Duas adolescentes
que são de um projeto aqui da comunidade, que atua na formação da juventude
local. As crianças entraram para fazer um trabalho ligado ao projeto e viram os
caras armados. E eles dispararam. O carro de uma das lideranças é branco. E no
momento desse encontro deles com as meninas veio um carro do mesmo modelo.
Abordaram o veículo e quando perceberam que quem estava no carro não era a
liderança, mudaram a postura. Ficaram tranquilos, o carro passou e eles
voltaram pra dentro da área. Foi aí que fizeram disparos de arma de fogo”,
disse o morador.
• Terra pública ocupada pela indústria da
celulose
O MLT iniciou a partir
de 2006 uma pesquisa cartorial nos imóveis da região para identificar indícios
de terras públicas griladas que poderiam ser revertidas para a reforma agrária.
A área do Assentamento Baixa Verde foi indicada por um morador da região, e
após a pesquisa cartorial, a suspeita se confirmou, baseada em indícios de
alteração nos tamanhos das propriedades. Esse morador havia presenciado todo o
movimento de grilagem e derrubada da mata nativa ao longo de décadas. Naquele
momento, a área estava nas mãos da Veracel Celulose.
“Ocupamos em 2008 e a
empresa entrou com reintegração de posse. A gente sofreu o primeiro despejo e
depois pressionamos o Estado a realizar uma Ação Discriminatória no território
inteiro. Foram identificadas aqui três fazendas que a Veracel alegava ser dona.
Mas das três, só tinha documento de duas: a fazenda São Caetano estava alocada
completamente em terras públicas. A gente foi com essa novidade da Ação
Discriminatória, e ocupou de novo o imóvel. A empresa disse que não reconhecia
e tentou entrar novamente com a reintegração de posse, mas a gente se articulou
pra derrubar”, conta o morador.
O MLT se articulou
dentro do próprio Estado, que acionou o judiciário para inverter a acusação,
retirando o processo da vara cível (que via a ação do movimento como crime),
para a vara da Fazenda Pública, que trata de posses do Estado. Agora, ao invés
do movimento ser acusado de invadir uma área privada, a empresa era exposta,
como uma entidade que tentava se apropriar de terras públicas. O MLT então
conseguiu um mandado de manutenção de posse do imóvel válido até 2010 e
reocupou a área de mais de 1300 hectares. A empresa tentou novo recurso e foi
derrotada.
“Mas quando a gente
achou que fosse ter paz para poder trabalhar na área porque já tínhamos ganho
esse processo, a área foi invadida por esse grupo. Fizemos investigações e
identificamos a ação da própria Veracel para descaracterizar nossa luta no
território, incentivando que o outro grupo invadisse nossa área. Em 2016, já
com o conflito instalado por esses invasores, a empresa assume para o Estado
que já não tem mais interesse no imóvel, que vai abrir mão do mesmo para que o
Estado assista às famílias ligadas ao MLT”, narra o morador.
• Problemas com o outro grupo
“A gente fez diversas
denúncias dessa invasão, de que o grupo que invadiu não tinha perfil de reforma
agrária e que a Veracel se aproveitou de um grupque já tinha um histórico de
violência no campo aqui da região. É um grupo ligado ao movimento sindical, não
são fazendeiros. São pessoas que dizem fazer parte do movimento social, então
por isso a gente tem muita dificuldade para contar para fora o que está
acontecendo. Esse grupo se afirma enquanto um grupo de esquerda e um dirigente
desse movimento afirmou em audiência pública realizada com a Ouvidoria Agrária
Nacional para tratar do conflito, que a empresa ofereceu a área para eles em
2010, sendo que desde de 2008 o MLT já havia iniciado o processo formal de
reconquista do território. Foi o momento que a gente teve a confirmação de que
a empresa estava por trás da invasão. Tempos depois, numa ação de mobilização
em que paralisamos o maquinário da empresa, sugerimos que a mesma fizesse uma
nota pública, se excluindo do conflito e declarando não ter apoiado o grupo
invasor. A empresa se recusou”, relata o morador.
Esse grupo teria
chegado ao local em 2010 e espalhado na região o boato de que a área havia sido
liberada e que o MLT estava atrasando o processo de assentamento. Em seguida
começou a chegar gente. “Caravanas e mais caravanas de pessoas”, diz o
entrevistado. “Não estamos em conflito com eles. Somos vítimas de uma invasão
ligada à empresa. Somos de paz e optamos por não atacar desde o início, quando
começaram a roubar gado, quebrar cerca, ameaçar e jogar carro em cima dos
nossos companheiros. Nunca fizemos nada parecido com nenhum deles”, completa.
A partir de 2019 o
Estado começa a sugerir que a área fosse dividida, para que com isso o conflito
fosse finalizado. O MLT inicialmente recusou a proposta. Mas desgastados por 10
anos de hostilidades, a partir de 2020 o movimento aceita a divisão do imóvel e
o Estado dá continuidade ao processo de assentamento.
Na sequência, quando é
feita a divisão do território, algumas dessas famílias do grupo antagonista já
estavam ocupando regiões destinadas ao MLT, o que fez com que a partir de 2021
o Estado começasse um processo de retirada dessas pessoas, com o objetivo de
realocá-las nas áreas de direito.
“Só que as lideranças
do movimento deles não têm interesse no desenvolvimento da região, querem mais
que a área sirva a interesses personalistas. Eles então instruíram as pessoas a
venderem, ou eles próprios, os dirigentes do movimento, venderam essas áreas.
Comercializaram, arrendaram, fizeram várias coisas com as áreas que seriam
nossas, ocupando ilegalmente nosso território. Tem anúncio de terreno até no
Facebook. E assim, temos vivido esse forte conflito nos últimos anos. Ficamos
expostos a essa violência”, concluiu o morador.
• Desfecho à vista? Pra quando?
Ordens de reintegração
de posse contra o grupo apontado como invasor já foram emitidas semanas atrás.
Enquanto não são cumpridas, o MLT teme o crescimento das tensões e a escalada
de episódios de violência. O grupo rival, apoiado pela Defensoria Pública,
paralisou as ordens de reintegração de posse nos últimos dias de agosto e agora
a disputa não tem mais data para ganhar um desfecho.
“Estamos numa situação
que não sabemos mais o que fazer. A reintegração de posse dos invasores está
para ser executada e vários setores do Estado estão nessa demora para fazer o
que o juiz determinou. Enquanto isso as famílias estão correndo perigo. Passa a
semana e o Estado sem notificar, sem aparecer, deixando a gente no escuro”,
desabafou o morador entrevistado.
A impressão do
movimento é que a liberação desses terrenos prometidos no acordo derradeiro
encerraria a fase mais crítica da luta pela terra e permitiria o
desenvolvimento das atividades no território já regularizado.
“O Estado poderia
despejar os invasores que estavam no nosso território, alguns iam ser
despejados definitivamente porque não faziam parte do processo e outros iam só
ser realocados para seus lotes de direito. Mas enquanto o Estado não executa
essa reintegração de posse, nossas famílias ficam à mercê da violência, da
insegurança alimentar, da falta de moradia e de trabalho. Não existe conflito
aqui. Existe um grupo que demandou uma área ao Estado para assentar suas
famílias em 2008 e teve sua área invadida em 2010. Nós nunca fizemos nada com
eles, nunca. Depois que dividiram a área, até área nossa com documento eles
invadiram. Não existe conflito, existe um grupo atacando sistematicamente. O
MLT é vítima da invasão e o Estado se esconde atrás do discurso de conflito
entre movimentos pra não atuar, e isso tem gerado mais violência contra o povo
do MLT”, protesta o morador.
Em reunião com o MLT,
a Superintendência de Desenvolvimento Agrário (SDA) teria expressado que não
tem interesse de executar a decisão judicial, o que foi interpretado pelo
movimento como a suspeita de que podem existir forças dentro do Estado
favoráveis aos chamados invasores. “Governador, cadê o assentamento das 61
famílias do MLT?”, diz um cartaz levado pelo movimento a uma manifestação em
Salvador durante uma das reuniões. Para o entrevistado, essa é “a pergunta que
não quer calar”.
Ele explica: “Ocupamos
a terra primeiro, provamos que ela devia ser destinada à reforma agrária,
fizemos a demanda seguindo todo o rito jurídico, ganhamos e ainda não fomos
assentados”.
• “As acusações são infundadas”, diz o
STTR-Fetag
Aílton Lisboa,
conhecido como Tico, é secretário de finanças e patrimônio do STTR(Sindicato
dos Trabalhadores e Florestais) de Eunápolis, ligado à Fetag-BA. Ele reuniu
dois homens – Mauri de Fátima Valter, o Mauro, que fez parte do MLT, e Berg
Silva Santos - ambos oriundos da primeira ocupação do local. Juntos,
responderam aos questionamentos da reportagem.
Lisboa nega as
denúncias acerca dos episódios de violência. Diz que os tiros podem ser os
próprios membros do MLT fazendo caçadas e que só a polícia pode confirmar tais
episódios – também afirma que há histórico de porte de armas e contravenções no
acampamento do movimento que os acusa. “Eu desconheço, para mim é novidade”,
disse. Mauro, por sua vez, diz que entre as famílias do MLT há dois CACs e que
o grupo costuma “acusar os outros daquilo que faz”.
A seguir, o dirigente
explica a ocupação do território pelo seu movimento. Ele diz que a área não foi
originalmente ocupada pelo MLT, mas indicada pela própria Fetag. Lisboa diz que
o MPE descobriu que a área era devoluta do Estado e que a partir daí, com a
chegada do desembargador agrário em Eunápolis, os movimentos sociais foram
envolvidos na disputa: STTR-Fetag, MLT e MST.
“A área foi ocupada a
partir de uma reintegração de posse de área urbana da Veracel que foi ocupada
por movimento sem-teto. Com o despejo o povo foi para essa área rural, sem
bandeira nenhuma. Na época, o presidente do STTR não tinha interesse em acompanhar
aquela ocupação, senão teria tido a bandeira da Fetag. O MLT entrou depois”,
afirma Lisboa, que completa a seguir.
“Não existe essa
história de ocupação irregular e de pessoas da Fetag invadindo o local. Quem
está lá, sempre esteve lá. O problema é que a liderança do MLT acha que é dona
do território. Quando alguém rompe com eles, fazem uma suposta assembleia, com
uma suposta maioria, e tentam decidir a vida das pessoas de forma sumária, sem
dar direito à ampla defesa, e isso já gerou muitas ações judiciais”.
O sindicalista nega
que a chegada dos trabalhadores tenha sido influenciada pela Veracel. “Isso não
tem lógica, nem fundamento”, afirma. “A área coletiva deles, e aproveito para
fazer uma denúncia também, é usada por terceiros. É arrendada por fazendeiros
da região, que pagaram o arrendamento ao líder do MLT, que sobrevive disso.
Além disso, duas áreas que o governo do Estado retirou famílias da Fetag e
assentou as do MLT estão lá cercadas e, ao invés de produzir culturas de ciclo
curto, hoje tem gado. Porque está arrendada a donos de gado da região”, afirma
Tico Lisboa, que qualifica as acusações do MLT como “uma versão fantasiosa e
cinematográfica”.
“Tem dono de loja de
móveis que tem lote lá para passar final de semana, tem três lotes contínuos
que são de uma família da agroindústria. O filho de uma liderança também vendeu
lote”, completa.
Aílton também falou
sobre os acordos para apaziguar a região, que nunca teriam ocorrido. Segundo a
sua versão foi o próprio STTR quem fez a proposição, por volta de 2015, a fim
de dividir o terreno proporcionalmente às famílias. Ele afirma que naquele momento
o MLT ocupava apenas de 30% a 40% da área. “O MLT não aceitou, então não teve
acordo”.
“A intenção deles era
assentar só as famílias do MLT, fazendo manipulação junto com governo do Estado
e deixar as famílias da Fetag fora. E quando alguém rompia com eles, tentavam
tirar essa pessoa da lista”, completa.
Ele afirma que cerca
de 70% das famílias que estão hoje com a Fetag já estiveram com o MLT e própria
presença de Mauro servirá como uma comprovação daquilo que diz. O trabalhador
narra como foi seu rompimento com o MLT. Insatisfeito que o movimento estaria
arrendando parte das terras e associando a questão do trabalho coletivo com
possível oportunismo das lideranças, ele saiu do movimento, foi para um canto
da fazenda, e reuniu outras famílias insatisfeitas. Montada a dissidência,
assumiram a bandeira da Fetag posteriormente por terem recebido o apoio da
organização. “Não via retorno nisso de trabalhar no lote coletivo”, explicou
Mauro. “Estou lá desde 2008 e quem botou eles lá fui eu”, completou.
Tico Lisboa também
acusa o MLT de ter promovido a degradação ambiental, matando nascentes com a
criação de gado e a extração de cascalho. Pondera que a antiga indústria da
celulose desmatava muito, mas acusa o movimento de ter sido aprovado num edital
de recuperação ambiental com o qual não avançou em termos práticos. Por isso,
teria se aproximado da Teia dos Povos. Berg então entra na conversa afirmando
que os agricultores do MLT não estariam interessados no projeto de recuperação
de nascentes, o que fez o movimento transformá-lo num programa direcionados a
jovens e adolescentes.
• E a reforma agrária?
Lisboa fez mais acusações
sobre pessoas sem perfil para reforma agrária que estariam de posse de lotes
oriundos do MLT. Mas para além do desentendimento, MLT e STTR-Fetag concordam
com uma coisa, cada um à sua maneira: a raiz dos problemas está na inoperância
do Estado da Bahia em trabalhar em prol de um acordo que consiga colocar um
ponto final às tensões na região e assentar todas as famílias. Terras não
faltam.
“Eu só lamento que
setores do governo do Estado da Bahia, que é um governo do PT, nosso, que
ajudamos a eleger, tenha lideranças que são verdadeiros lobos em pele de
cordeiro. Lá em Brasília dão discursos hipócritas e assinam documentos e
projetos defendendo o Despejo Zero, enquanto aqui na Bahia, entram com ação,
através do governo, o que é uma vergonha, para dar despejo em pais de família,
em pessoas que estão trabalhando na terra. Inclusive, semanas atrás morreu uma
senhora lá de câncer e, por isso, as reintegrações de posse foram paralisadas.
A Justiça entendeu que isso seria uma injustiça e a Defensoria Pública do
Estado em Eunápolis tomou a dianteira do processo, desmoralizando o governo do
Estado. Fui eleito no sindicato para defender os trabalhadores, não o governo”,
finaliza Lisboa.
Fonte: Por Raphael
Sanz, no Correio da Cidadania
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