Petrobras, batalhões e navios militares:
quanto o Brasil depende da Starlink de Elon Musk?
A recente disputa
entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e
o dono do X (antigo Twitter), o
bilionário Elon Musk, chamou a atenção do
mundo na última semana por conta da suspensão da rede social no Brasil, iniciada na semana passada.
O fogo cruzado entre
Musk e o ministro Alexandre de Moraes respingou em outro negócio do bilionário
sul-africano: o serviço de internet via satélite Starlink.
No dia 30 de agosto,
Moraes determinou o bloqueio do X no Brasil após a plataforma descumprir uma
série de ordens judiciais, entre elas, a de indicar um representante legal no
Brasil.
Musk reagiu e acusou
Moraes de ser um "falso juiz" e de ter promovido "interferência
eleitoral em 2022", quando presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Poucos dias após a
decisão, no entanto, um rumor pairava no país: a possibilidade que Moraes
também determinasse a suspensão das atividades da Starlink.
O temor era resultado
do fato de que a empresa ainda não havia cumprido as ordens de Moraes para
impedir que seus clientes pudessem acessar o X a partir das suas conexões via
satélite.
Na terça-feira (3/9),
porém, a Starlink anunciou que estava cumprindo as ordens de Moraes e a possibilidade de suspensão do serviço de internet da
empresa foi dissipada.
Mas o mero receio de
que a Starlink pudesse ser tirada do ar no Brasil deixou clientes e
especialistas preocupados.
Em pouco mais de dois
anos de operação, a Starlink se transformou em líder em um segmento pequeno,
mas estratégico no setor de telecomunicações do país: o de internet via
satélite.
Neste período, a
empresa passou a ser fornecedora de importantes órgãos públicos do governo
federal como o Exército, a Marinha, os ministérios da Saúde e Educação além da
gigante Petrobras.
Com clientes tão
importantes vinculados à empresa do bilionário, a BBC News Brasil analisou
documentos e procurou especialistas para responder a uma questão: quanto o
Brasil depende da Starlink de Elon Musk?
Os especialistas
afirmam que uma eventual suspensão dos serviços poderia causar prejuízos em
eficiência e custos para os seus clientes uma vez que a tecnologia fornecida
pela empresa é mais competitiva que a dos concorrentes.
Os documentos,
pareceres elaborados pelo Exército e pela Marinha, apontam que uma eventual
suspensão dos serviços poderia afetar o "emprego de tropas
especializadas" e até mesmo causar "prejuízo à vida humana" como
em operações de resgate.
·
Plataformas, quartéis
e navios conectados
Um levantamento feito
pela BBC News Brasil com base no Portal da Transparência e no Diário Oficial da
União (DOU) apontou que a empresa de Musk se transformou em uma importante
fornecedora de internet via satélite para diversos órgãos públicos e estatais.
Os contratos não foram
firmados diretamente com a empresa de Musk, mas com operadoras credenciadas
pela Starlink para atuarem no Brasil.
O contrato de uma
dessas operadoras com a Petrobras é, de longe, o mais vultoso identificado até
agora.
Segundo documentos
obtidos pela BBC News Brasil, em agosto de 2023, a Petrobras firmou um contrato
de US$ 24 milhões com a empresa MTNSAT para que ela fornecesse o serviço de
internet via satélite oferecido pela Starlink.
O valor é equivalente
a R$134 milhões.
A MTNSAT é uma
multinacional especializada em comunicações para o setor marítimo e
petrolífero.
De acordo com os
documentos obtidos pela BBC News Brasil, o contrato para uso da tecnologia da
empresa de Musk prevê a instalação de equipamentos para conexão de internet em
pelo menos 70 bases, plataformas e navios da petroleira brasileira.
Entre elas estão as
bases de exploração de petróleo e gás de região de Urucu, no interior do
Amazonas, plataformas de exploração de petróleo que atuam na Bacia de Campos,
entre outras. O contrato tem vigência até 2026.
Um dos detalhes que
chamou atenção é que o edital de licitação para a contratação do serviço de
internet via satélite realizado pela empresa citava diretamente que o serviço a
ser contratado era o fornecido pela Starlink.
Questionada pela BBC
News Brasil, a estatal confirmou o uso do sistema de Elon Musk.
"Os serviços de
conectividade Starlink são utilizados na Petrobras por meio de contrato com a
revenda autorizada da empresa no Brasil, selecionada através de processo
licitatório público", disse a Petrobras em nota enviada.
Além da gigante do
petróleo, a Starlink também vem sendo usada pelos militares brasileiros.
Em maio deste ano, o
Comando do Exército disponibilizou 100 pontos de internet da Starlink para
comunidades localizadas no Rio Grande do Sul durante as enchentes que mataram mais
de 170 pessoas no Estado.
No outro extremo do
Brasil, na Amazônia, o Exército também
passou a adotar a tecnologia a empresa de Elon Musk.
Em agosto deste ano, o
Comando Militar da Amazônia (CMA) contratou uma empresa para fornecer o serviço
de internet da Starlink a unidades militares da região amazônica.
O CMA é um dos
principais e mais estratégicos comandos das Forças Armadas do país e atende aos
Estados do Amazonas, Rondônia, Roraima e Acre.
Entre suas diversas
unidades estão 27 pelotões especiais de fronteira, normalmente situados em
locais de difícil acesso e sem conexão por fibra ótica.
Até o momento, a
empresa responsável pelos contratos recebeu pouco mais de R$ 90 mil para a
instalação de 15 pontos de internet.
Em maio deste ano, o
jornal Folha de S.Paulo publicou uma reportagem sobre uma licitação no valor de
R$ 5,1 milhões para a contratação de serviços de internet via satélite.
Ainda de acordo com a
reportagem, as especificações feitas pelo Exército limitariam a quantidade de
empresas capacitadas a oferecer o serviço e praticamente restringiriam o
certame à Starlink.
O Tribunal de Contas
da União (TCU) abriu uma investigação sobre o suposto direcionamento da
licitação. Questionado sobre o assunto, o Exército enviou uma nota à BBC News
Brasil reconhecendo o uso da tecnologia fornecida pela Starlink e informando
sobre a investigação do TCU.
"O objetivo dos
contratos é entregar uma solução para acesso à internet de forma adequada às
necessidades da região, em especial nas unidades localizadas nas faixas de
fronteira, onde a conectividade é essencial para o cumprimento das missões
constitucionais do Exército Brasileiro", disse um trecho da nota.
Sobre a investigação,
o Exército disse que as questões feitas pela equipe técnica do TCU já teriam
sido respondidas pela Força.
Quem também utiliza a
tecnologia da Starlink é a Marinha.
À BBC News Brasil, a
corporação informou que utiliza a Starlink em três embarcações: Navio-Veleiro
Cisne Branco; Fragata Liberal e Navio-Patrulha Babitonga.
Duas unidades da
Marinha também mantém contratos de internet com a Starlink: o Comando do
Grupamento de Patrulha Naval do Sul-Sudeste (em Santos) e o Comando do
Grupamento de Patrulha Naval do Norte (em Belém).
Ao todo, disse a
Marinha, os contratos somam R$ 239 mil.
Consultada sobre o
assunto, a Aeronáutica não respondeu.
O levantamento da BBC
News Brasil também identificou que outras instituições como a Fundação Nacional
do Índio (Funai) e a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) utilizam, em menor
escala, os serviços fornecidos pela Starlink.
A Funai, por exemplo,
contratou uma antena para atender a uma base avançada de proteção etnoambiental
na Terra Indígena Yanomami, alvo de garimpeiros que, coincidentemente, também
vêm utilizando as antenas da Starlink para fornecerem internet nos acampamentos
ilegais dentro da área.
À BBC News Brasil, o
Ministério da Saúde confirmou que prevê a utilização do sistema de satélites da
Starlink para conectar postos de saúde em áreas isoladas.
Essa interligação faz
parte da Rede InfoSUS IV, cujo objetivo é conectar pelo menos 819
estabelecimetos de saúde indígena no Brasil.
O ministério não
informou quantos destes pontos seriam atendidos exclusivamente pela Starlink.
·
Qual a diferença da
Starlink?
A Starlink é um braço
da SpaceX, a companhia de exploração espacial de Elon Musk.
A empresa fornece
serviços de internet por meio de uma enorme rede de satélites. Ela é voltada
para pessoas que vivem em áreas remotas, onde não há infraestrutura local como
cabos e postes — caso de boa parte da Amazônia.
Estima-se que mais de
6 mil satélites Starlink já foram lançados no espaço, segundo especialistas que
monitoram esses equipamentos.
Segundo a própria
empresa, trata-se da maior constelação de satélites do mundo, com uma base de
usuários em 37 países.
Rodrigo Hendges,
gerente de segurança ofensiva da empresa de segurança de dados Max Protection,
explica que a chave do sucesso da empresa é o fato de ela usar, como nenhuma
outra até então, um sistema uma rede de satélites de órbita baixa capaz de
fornecer uma conexão de baixa latência.
Latência é o tempo que
leva para um dado (como uma mensagem ou um comando) viajar de um ponto a outro
na rede via satélite, ser processado e retornar ao usuário.
Hendges explicou que a
transmissão de sinais de internet via satélite não é uma tecnologia nova no
mundo.
A diferença
introduzida pela Starlink, segundo ele, é que enquanto a maior parte dos
sistemas disponíveis no mercado usa satélites localizados a pelo menos 30 mil
quilômetros de altitude, os da empresa de Musk estão a 500 quilômetros.
Com satélites muito
mais perto da superfície terrestre que seus concorrentes, o tempo de latência é
menor. Na prática, isso resulta em uma conexão mais estável e muito mais
rápida.
Hendges ressalta ainda
outra característica da Starlink que a diferencia das demais competidoras: a
rede de satélites da Starlink é composta por milhares de satélites
interconectados, criando uma constelação que cobre grandes áreas.
"A grande
quantidade de satélites e a baixa altitude são fatores-chave", explica
Hendges.
O diretor de
tecnologia da Sage Networks, Thiago Ayub, disse à BBC News Brasil que essa
conjunção de fatores coloca a empresa de Musk à frente de muitos competidores.
“Esses satélites foram
projetados para estar muito mais próximos das antenas dos assinantes, o que
garante um tempo de resposta menor e uma qualidade de internet que se assemelha
à fibra ótica. Isso torna a Starlink uma solução única para regiões onde a infraestrutura
de fibra ótica não está disponível", completou.
·
Impactos de um
'apagão' da Starlink
Documentos elaborados
pelo Exército e pela Marinha apontam quais seriam os impactos de uma eventual
suspensão dos serviços fornecidos pela Starlink.
Os documentos são
pareceres elaborados pelas duas Forças em resposta a um requerimento de
informação feito pelo deputado federal Coronel Meira (PL-PE), em junho deste
ano.
Em seu parecer, o
Exército disse que o serviço prestado pela Starlink é considerado estratégico
por fornecer internet de qualidade em regiões remotas. Segundo o órgão, uma
eventual suspensão das atividades poderia causar problemas às tropas.
"Um eventual
cancelamento de contrato com a referida empresa, poderá haver prejuízo para o
emprego estratégico de tropas especializadas, pois as capacidades entregues
pela empresa proporcionam, entre outros fatores, redundância operacional,
elevada confiabilidade, rapidez de instalação, altas taxas de banda, cobrindo
grandes distâncias com praticamente nenhuma interferência do terreno",
disse o documento.
A Marinha, por sua
vez, disse que o fim dos serviços da Starlink poderia causar prejuízos levar à
"redução da capacidade e defasagem no fluxo de informações importantes na
atuação da salvaguarda da vida humana no mar".
Em junho, a Marinha
ainda mantinha contratos com fornecedores da tecnologia operando junto ao
Programa Antártico Brasileiro (Proantar). Para os militares, a Starlink era
considerada importante e o possível cancelamento do serviço "poderia
ocasionar perda de capacidade de recebimento de informações meteorológicas e de
comunicação dos navios com seu comando de apoio logístico" e interferir na
comunicação dos cientistas baseados no Polo Sul com suas universidades.
Thiago Ayub diz que,
em uma eventual suspensão dos serviços da Starlink o país, setores como o de
Defesa seriam obrigados a voltar a usar tecnologias antigas, o que acarretaria
em um aumento nos custos operacionais e uma queda na eficiência.
"Não creio que
haveria um apagão ou que haja uma dependência. Essas áreas funcionavam antes e
sem a Starlink. Mas órgãos como a Marinha e Exército teriam que recorrer a
tecnologias mais antigas, menos eficientes e, provavelmente, mais caras",
ele afirma.
O mesmo aconteceria
com empresas como a Petrobras, que contratou a tecnologia da Starlink para
conectar plataformas e embarcações
"A marinha
mercante e a indústria do petróleo já utilizam, há um bom tempo, internet via
satélite que depende da Starlink para suas operações em áreas remotas, ficariam
sem uma alternativa de igual qualidade. Isso teria um impacto considerável nas
atividades delas e poderia prejudicar um conjunto ainda maior de pessoas",
conclui Hendges.
Questionado
diretamente pela BBC News Brasil, o Exército não informou quais os impactos de
uma eventual suspensão dos serviços da Starlink em suas atividades.
A Marinha, por meio de
nota, disse que caso isso acontecesse, seria obrigada a procurar novos
fornecedores de conexão de internet via satélite.
A Petrobras minimizou
os possíveis impactos de um "apagão" da Starlink.
"Todas as
unidades operacionais da Petrobras dispõem de múltiplos meios de conectividade
de tecnologias diferentes oferecidos por diversos provedores. Não há qualquer
risco operacional decorrente de uma eventual descontinuidade dos serviços de um
desses provedores", disse a empresa à BBC News Brasil.
O Ministério da Saúde
também disse contar com alternativas caso a Starlink saia do ar.
"O Ministério da
Saúde tem plano de contingência, por meio da empresa fornecedora dos serviços,
para a adoção de medidas visando à substituição de tecnologias, garantindo a
continuidade dos serviços essenciais e reduzindo possíveis impactos na atenção
à saúde à população", disse o órgão.
A BBC News Brasil
enviou questionamentos à Starlink, mas nenhuma resposta foi enviada.
·
Ascensão meteórica
A Starlink se destacou
no Brasil atuando em um segmento até então pouco explorado: o de fornecimento
de conexão de internet de banda larga via satélite.
De acordo com a
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), órgão do governo federal que
regula o setor, as conexões de internet via satélite representam 0,9% do
mercado nacional. Grande maioria, 74,4% é formada por conexões via fibra ótica.
O sucesso da empresa,
apontam especialistas, é justamente o fato de que sua tecnologia se mostrou
acessível, eficiente e relativamente barata em áreas consideradas remotas e
onde a fibra ótica ainda não chegou, como em algumas regiões da Amazônia, ou em
áreas onde esse tipo de conexão é impossível como em alto mar.
No Brasil, a ascensão
da empresa no mercado foi meteórica. Em janeiro de 2023, segundo a Anatel, a
Starlink era a quinta principal provedora do mercado e responsável por 4,7% do
mercado de internet via satélite.
Um ano e sete meses
depois, em julho deste ano, a empresa já havia assumido a liderança do mercado
com 45,9% de participação no mercado.
Fonte: BBC News Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário