Nuno
Vasconcellos: Resultado da eleição nos EUA não terá efeitos práticos no Brasil
Na medida em que o dia
5 de novembro se aproxima e a campanha para as eleições que apontarão o próximo
morador da Casa Branca chega perto do desfecho, a política dos Estados Unidos
passa a atrair o interesse de um número maior de pessoas no Brasil. Em alguns
casos, mais interesse até mesmo do que as eleições municipais brasileiras, que
acontecerão um mês antes. As preferências se dividem entre Democratas e
Republicanos e, não é raro, o ardor da discussão faz lembrar as divergências
sobre as preferências políticas que provocam brigas entre a esquerda e a
direita no Brasil.
Independente, porém,
do que as urnas norte-americanas venham a mostrar no momento em que forem
abertas, um ponto precisa ficar claro. Naquilo que realmente interessa, nenhum
resultado deve gerar mudanças significativas no relacionamento do Brasil com os
Estados Unidos. Vença quem vencer, tudo tende a permanecer mais ou menos como
tem estado nos últimos anos.
Isso mesmo! Por maior
que seja a importância dos Estados Unidos no mundo, por maiores que sejam os
laços comerciais históricos entre os dois países e por mais acentuada que pode
ser a guinada na política externa norte-americana depois que Joe Biden deixar a
presidência, tudo continuará como antes depois das eleições. E mais: no que diz
respeito às relações entre os dois países e aos benefícios que o Brasil pode
tirar de uma maior proximidade com os Estados Unidos, não haverá diferenças
significativas caso o próximo presidente da maior potência do mundo seja a
vice-presidente Kamala Harris, que concorre pelo Partido Democrata, ou o
candidato do Partido Republicano, o ex-presidente Donald Trump.
É bom bater nessa
tecla: seja uma, seja o outro, tudo tende a permanecer exatamente como é hoje,
sem expectativa de maiores mudanças. E isso, convenhamos, é lamentável. Brasil
e Estados Unidos, que no passado chegaram a ser aliados próximos, hoje estão mais
afastados do que deveriam. A situação tende a permanecer assim e quem mais
perde com esse afastamento é o Brasil.
O país teria muito a
ganhar caso aproveitasse a oportunidade proporcionada pela troca de presidente
para iniciar uma jornada de negociações que, se for bem-sucedida, pode resultar
numa reaproximação com os Estados Unidos. Seria muito positivo se houvesse, por
parte de nossa diplomacia, disposição para discutir e superar as divergências
(principalmente as motivadas por picuinhas ideológicas) acumuladas nos últimos
anos, aparar as arestas que se formaram e estabelecer um novo padrão de
relacionamento baseado nos benefícios que essa proximidade pode oferecer para
um e para o outro.
Não! Ninguém está
propondo aqui a volta do tempo em que os governos brasileiros, quase sempre
movidos pela falta de dinheiro para investimentos, se submetiam a uma postura
de inferioridade em relação aos Estados Unidos. Em 1964, numa resposta
descuidada a um repórter, o ex-governador da Bahia Juracy Magalhães, que havia
acabado de receber do marechal Castello Branco a nomeação para a embaixada do
Brasil em Washington, disse uma frase que acabaria por se transformar na mais
pura expressão da subserviência brasileira em relação ao governo
norte-americano. “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”,
disse Magalhães.
É claro que não é e nunca foi assim. Os dois países, que mantêm relações
diplomáticas ininterruptas desde o dia 24 de maio de 1824, têm diferenças
históricas, econômicas e culturais que precisam ser consideradas em qualquer
negociação. Ao longo desses 200 anos de relacionamento, os dois sempre tiveram
interesses específicos. Mesmo nos momentos de maior proximidade, havia
divergências a serem levadas em conta no diálogo.
Foi assim, por
exemplo, nas negociações que aproximaram o Brasil dos Estados Unidos em 1943,
durante a Segunda Guerra Mundial. O resultado mais visível e duradouro da
aliança fechada naquele momento foi a instalação da primeira grande siderúrgica
brasileira, a CSN, em Volta Redonda, e outras vantagens comerciais.
SONHO
DISTANTE
A situação atual é
outra. Seria proveitoso, para dar apenas um exemplo apressado daquilo que o
Brasil pode ganhar caso decida propor um diálogo de reaproximação com os
Estados Unidos, que o país usasse o momento para dar início a negociações que
resultassem num programa de cooperação capaz de assegurar, por exemplo, acesso
à tecnologia produzida pelas universidades e centros de pesquisas
norte-americanos. Um acordo como esse poderia abranger áreas como tecnologia da
informação, novos materiais, geração e transmissão de eletricidade, engenharia
e outros campos do conhecimento em que, admitam ou não os mais ufanistas, os
Estados Unidos estão quilômetros à frente do Brasil.
Na mesma linha, seria
bom se o governo brasileiro, ao invés de insistir em gestos de desafio que
servem apenas para aumentar a distância que tem separado os dois países nos
últimos anos, desse início a um processo gradual de distensão de suas relações
com os Estados Unidos. Seria importante que a competência que ainda deve
existir no corpo diplomático do Itamaraty (cada vez mais orientado pela
ideologia de esquerda) fosse posta a serviço da negociação de acordos
comerciais que sejam realmente vantajosos para o país.
Se isso acontecesse, o
Brasil estaria no melhor dos mundos. Infelizmente, porém a hipótese de que o
governo tome providências nessa direção não passa de um sonho distante. Sendo
assim, o melhor a fazer é voltar à realidade e falar das eleições.
RECEITA DE
BOLO
A campanha eleitoral
prossegue por lá e, como sempre acontece nesses momentos, desperta paixões que
nem sempre permitem uma análise mais serena dos fatos. Conforme mostram os
levantamentos mais recentes, os ventos neste momento sopram a favor da candidata
do Partido Democrata. Uma pesquisa feita pela Agência Reuters e pelo instituto
Ipsos, divulgada na semana passada, aponta Kamala com 45% das intenções de voto
e Trump com 41%.
A diferença é mínima,
mas é bom não se esquecer de que até alguns dias atrás Trump aparecia como
franco favorito na disputa então travada com o presidente Joe Biden. Bastou que
o adversário fosse substituído e que a aparente fragilidade demonstrada por Biden
desse lugar à energia desafiadora de Kamala para que os ventos mudassem a
direção.
É daí que surgem as
opiniões a respeito do futuro das relações entre os dois países. Muita gente
considera a eventual vitória de Kamala Harris um sinal de que poderá haver
mudanças no relacionamento entre os dois países. A candidata, embora seja do
mesmo partido de Biden, aparenta ter uma linha de conduta mais, digamos assim,
à esquerda do atual presidente. Não seria razoável, portanto, esperar que haja
nas relações do Brasil com os Estados Unidos uma alteração de rota que levou ao
atual distanciamento?
O que aconteceria se, ao invés de ser chefiado por um presidente protocolar e
pouco inovador, como é o caso de Biden, o governo norte-americano passasse a
ser comandado por uma mulher que defende pontos de vista simpáticos à agenda do
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Isso não seria um elemento
suficiente para provocar uma mudança para melhor nas relações entre os dois
países?
Algumas pessoas, que enxergam as relações internacionais como uma receita de
bolo, acham que, no cenário atual, uma eventual vitória de Kamala traria
benefícios ao Planalto. Afinal, a simpatia que os democratas despertam na
esquerda latino-americana seria, por esse ponto de vista, razão suficiente para
facilitar o entendimento e proporcionar acordos vantajosos entre os dois
países. Será que isso procede? Não! E se Trump ganhar? Será que a posição
francamente conservadora já demonstrada pelo republicano contribuirá para
piorar ainda mais o relacionamento tíbio que o atual governo do Brasil mantém
com os Estados Unidos? Também não!
Na verdade, qualquer possibilidade motivada por afinidades como essas
simplesmente não existe quando o que está em jogo são decisões de Estado, não
de governo. A simpatia recíproca que havia entre Trump e o ex-presidente Jair
Bolsonaro não gerou mais do que acordos protocolares e benefícios superficiais
ao Brasil dentre 2019 e 2020, período em que seus mandatos coincidiram nas
presidências dos dois países.
Da mesma forma, as eventuais afinidades que certamente existem entre as
posições de Lula e Kamala não serão capazes de remover o entulho diplomático
que, nos últimos anos, contribuiu para dificultar as relações do Brasil com os
Estados Unidos. Esse entulho é considerável. Pode-se dizer que essas relações
entre os dois países atravessam nos dias atuais um dos períodos de maior
distanciamento desde que o presidente James Monroe, em 1824, recebeu o
encarregado de negócios brasileiro, José Silvestre Rebello, em Washington, no
ato que marcou o reconhecimento da independência do Brasil pelos Estados Unidos.
AFINIDADES
IDEOLÓGICAS
O maior problema em
torno dessa situação é que, desde que o presidente Lula assumiu seu primeiro
mandato, no já distante ano de 2003, a diplomacia no Brasil deixou de ser
assunto de Estado — em que os interesses comerciais, estratégicos e
geopolíticos orientam o relacionamento com os parceiros. De lá para cá, ela foi
reduzida a uma agenda de governo baseada em interesses político-ideológicos de
curto prazo. Ou nem isso. Quem reparar direito notará que a agenda da
diplomacia brasileira é orientada única e tão somente pelas afinidades
ideológicas do partido do presidente da República, o PT, com governantes de
países que adotam o credo da esquerda.
A mudança de conduta
positiva verificada durante a breve passagem de Michel Temer pelo Planalto e de
José Serra pelo Itamaraty não foi suficiente para deixar uma marca duradoura na
conduta do corpo diplomático. Veio o governo de Bolsonaro e, com ele, uma
mudança de orientação que levou a uma alteração de rumo, mas não de postura.
Explica-se: assim como os governos petistas alinham os interesses do Brasil ao
das piores ditaduras de esquerda do mundo, o governo Bolsonaro fez a mesma
coisa. Só que os aliados passaram a ser os governos de direita. Simples assim.
A marca mais visível nesse processo foi a mudança da posição do Brasil em
relação a Israel. Sob Bolsonaro, os dois países ensaiaram uma aproximação que
poderia ter rendido benefícios mais profundos para o Brasil caso não tivesse se
assentado apenas nas afinidades ideológicas e na admiração do presidente
brasileiro pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Poderia ter havido, por
exemplo, acordos capazes de avançar no rumo da contribuição israelense para a
solução dos crônicos problemas de escassez de água no semiárido Nordestino.
Mas tudo, no final das
contas, parece ter se resumido ao envio de militares de Israel para colaborar
no resgate das vítimas do acidente de Brumadinho, em janeiro de 2019. Sob Lula,
o que era simpatia se transformou numa antipatia que desafia o bom senso — a
ponto da condenação do governo brasileiro aos ataques terroristas em Israel, no
ano passado, logo ter se transformado em manifestações de simpatia aos
agressores. No final da história, os estupros, as degolas, os assassinatos de
crianças e os sequestros cometidos por eles no dia 7 de outubro foram relevados
em nome da simpatia da esquerda brasileira aos grupos que defendem os
terroristas que, em nome da defesa da causa palestina, querem apenas a
destruição de Israel.
A propósito, na semana passada, Kamala Harris declarou que, caso vença as
eleições, manterá o apoio histórico, inclusive militar, que os Estados Unidos
sempre deram a Israel. Será que isso influenciará a posição do governo
brasileiro em relação a sua administração, caso ela vença a disputa? Tomara que
não.
Seria bom que a partir
de agora, o governo brasileiro deixasse de se orientar por questões como essa e
conduzisse sua diplomacia de olho apenas nos interesses nacionais do longo
prazo—e não de eventuais simpatias de ocasião. Qualquer pessoa com um mínimo de
informação sobre o que acontece no interior do Itamaraty sabe que isso é muito
difícil. Ocorre, porém, que, mais cedo ou mais tarde, o Brasil terá que
escolher seu lado de uma vez por todas. E tomara, quando isso acontecer, que
ele opte por ficar do lado das grandes democracias do mundo. Especialmente a
dos Estados Unidos.
Fonte: O Dia
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