terça-feira, 3 de setembro de 2024

Eduardo Appio: ‘Elon Musk mandou o direito para o espaço’

O ministro do STF Alexandre de Moraes acaba de suspender as atividades da plataforma X em todo o território nacional, em mais um capítulo do que promete ser a disputa do século entre a alegada liberdade fundamental de expressão e a soberania do Estado Nacional. O Estado Nacional, nas palavras do sempre indispensável Georges Burdeau (em O Estado), significa um notável avanço rumo à civilização e uma resposta à barbárie tantas vezes denunciada por Thomas Hobbes (em Leviatã). Se no estado da natureza (em que impera uma irrestrita liberdade) o homem se torna predador do próprio homem, o Estado Nacional se apresenta como uma poderosa instância de superação deste indesejável cenário, uma vez que traz para si o monopólio da força. O mesmo monopólio da força que hoje vem sendo destruído pelo crime organizado (vide a força do PCC no Brasil) encontra um forte antagonista nas chamadas big techs que, a exemplo da Plataforma X (ex-Twitter), insistem em descumprir decisões judiciais sob o argumento de que estão sediadas nos Estados Unidos. A soberania do Estado Nacional vem sendo questionada através de uma suposta defesa da liberdade de expressão. Esta liberdade fundamental está amparada em nossa Constituição, a qual também permite que o Judiciário intervenha para prevenir ameaças a direitos. A jurisdição é a mais pura expressão da soberania nacional, na medida em que o Estado Nacional traz para si o monopólio de mediar os conflitos entre os particulares, evitando a hegemonia dos mais fortes.

Nesse sentido, o crime organizado - e agora a Plataforma X - parecem convergir para um mesmo objetivo, qual seja retirar do Estado Nacional o monopólio da força, substituindo-o pelo poder do capital privado (lícito ou não). A ressurreição de um modelo feudal de descentralização do Estado representa um notável e potencial retrocesso civilizatório, fazendo emergir o real pesadelo dos iluministas, ou seja, a substituição do bem-estar comum pela concentração de renda e poder em alguns poucos autodeclarados imperadores do mercado. A disputa entre o STF e Elon Musk não guarda relação com a liberdade de expressão. Muito pelo contrário, visa suprimir a débil voz dos economicamente mais fracos e sem representação na área política, mas que encontraram na capacidade de votar livremente a única oportunidade real de cidadania. O eleitor tem direito de acesso à informação fidedigna para que possa participar do debate político em segurança, sabendo que não será vítima de armações tecnológicas. A liberdade de expressão não significa conceder tratamento acima da lei em favor de quem já dispõe de mais força. Pelo contrário, concretiza uma aspiração civilizatória em face do monopólio anteriormente privado de se fazer ouvir no espaço público e de receber igual consideração e respeito por parte do Estado.

O livre mercado de ideias – uma concepção cunhada pela Suprema Corte dos Estados Unidos (Abrams v. United States, 1919) – visava conciliar a liberdade de expressão com as forças do mercado em uma visão hoje bastante ingênua acerca da liberdade de expressão. Em um livre mercado, a mão invisível do leitor trataria de selecionar as informações que sobreviveriam e as que cairiam no descrédito. Todavia, desde o episódio envolvendo a manipulação de dados via algoritmos nas eleições – escândalo Steve Bannon, hoje preso nos EUA – todos sabemos que somente o Estado tem as condições de assegurar a manifestação da vontade livre do eleitor. Colocar as redes sociais acima das leis e da Constituição significaria uma rendição antecipada e irrestrita à hegemonia das fake news. Valeria a lei do mais forte e de quem paga mais, pesadelo de Hobbes. As redes sociais são hoje a praça pública de debates em uma democracia, mas isso não lhes concede imunidade frente à lei local e à soberania dos Estados Nacionais. Muito pelo contrário, impõe-lhes o dever de observar a Constituição e os poderes constituídos, sem os quais sobrevivem apenas os economicamente mais fortes.

 

¨      Elon Musk e o STF. Por Maurício Rands

No Inquérito 4957, a PF investiga milícias digitais e a tentativa de golpe de 08 de janeiro. A investigação constatou que várias pessoas instrumentalizaram redes sociais, em especial a X, para ameçar e coagir delegados federais que atuam na investigação. A rede social X foi intimada em 07/08, em 12/8 e em 16/8, a bloquear os perfis desses investigados. Nunca cumpriu essas ordens judiciais. Dobrando a aposta, a X culminou por evadir seus representantes legais da X Brasil para evitar ser intimada.

Reagindo à desobidiência da X, o ministro Alexandre de Moraes prolatou decisão, em 28/8, instando-a a designar em 24h o novo representante legal e a cumprir as decisões anteriores. Dessa decisão, mandou intimar as partes por meios eletrônicos. E mandou postar a intimação no perfil do STF na própria rede social. A plataforma continuou a descumprir todas essas ordens. Aí, em 30/8, ele prolatou nova decisão, na Petição 12.404-DF, determinando: "a suspensão imediata, completa e integral do funcionamento da 'X Brasil Internet Ltda' em território nacional, até que todas as ordens judiciais proferidas nos presentes autos sejam cumpridas, as multas devidamente pagas e seja indicado, em juízo, a pessoa física ou jurídica representante em território nacional".

Do ponto de vista técnico-processual, o ministro relator Alexandre Moraes cometeu pelo menos um acerto e um erro em suas últimas decisões no Inquérito 4957. As críticas processuais foram basicamente duas. A primeira foi quanto à opção do ministro pela intimação de Elon Musk, “Twitter International Unlimited company”, “T. I. Brazil Holdings LLC”, “X Brasil Internet ltda.”, “Starlink Brazil Holding Ltda." e “Starlink Brazil Serviços de Internet Ltda”, "inclusive por meios eletrônicos", em sua expressão. Trata-se de intimação de pessoas jurídicas, além da pessoa física Elon Musk, sobre uma decisão que pode ser feita por meios combinados. Pela ciência tomada pelos advogados constituídos nos autos. E também pelos meios eletrônicos, que incluíram a postagem da intimação na própria plataforma X. Quando um réu manobra para evitar ser citado, o direito processual prevê a citação por hora certa e, sucessivammente, por edital. No caso desse Inquérito 4957, a tentativa de evadir-se das decisões judiciais está documentada. Logo, o ministro poderia intimar as partes por edital, do qual a postagem pode ser um sucedâneo. Note-se que todas as PJs envolvidas estão incorporadas no Brasil, têm CNPJ indicado nos autos e, portanto, representantes e endereços no Brasil. Podem ser intimadas por todos os meios admitidos em direito. Entre os quais os meios eletrônicos. Como dispõe a Resolução 693/2020, do STF, que altera a Resolução 661/ 2020. Como se vê no acórdão do STJ, de 12/9/23, "a citação por meio eletrônico, quando atinge a sua finalidade e demonstra a ciência inequívoca pelo réu da ação penal (...) não pode ser simplesmente rechaçada, de plano, por mera inobservância da instrumentalidade das formas" (STJ - AgRg no HC: 764835). Ou na decisão do STF no Inq: 4923 DF, publicada em 27/01/2023. Vê-se, pois, que a intimação das PJs pelas redes sociais nesse caso do inquéirto 4957 já vinha sendo admitida pelo STF e pelo STJ. Ademais, por força do art. 239 do CPC, "o comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação". Depois que o STF postou a intimação da decisão de Alexandre de Moraes no perfil do STF mantido na rede X, o próprio Elon Musk e as PJs deram declarações e postaram "memes" reagindo ao conteúdo da intimação. Atraíram, assim, a aplicação do art. 239 do CPC por terem agido como se espontanemanete tivessem se informado da decisão judicial. Não se pode tecnicamente, por tais motivos, considerar ilegais as intimações determinadas por Alexandre Morais na própria rede X.

O mesmo não se pode dizer quanto à ordem de bloqueio das contas de uma das empresas do grupo, a Starlink. A segunda decisão controversa. Para tanto, o ministro precisaria ter aberto o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art.133 do CPC, garantindo o contraditório e a ampla defesa. Como isso não foi observado, a decisão é falha neste ponto. Como é falha do Inquérito 4957 ter vício de origem, não ter objeto preciso e já ter se arrastado por tempo excessivo.

Estes erros técnicos, todavia, não impedem a conclusão pelo acerto geral das medidas ordenadas para que a jurisdição brasileira seja observada pela rede X, que a vinha desobedecendo sistematicamente. As empresas de Elon Musk agem com dois pesos e duas medidas. Nos EUA, Europa e Índia têm cumprido ordens judiciais restritivas diante dos abusos que o X comete sob o manto da liberdade de expressão. Curvam-se naqueles países, ao tempo em que pretendem furtar-se ao cumprimento das decisões judiciais no Brasil. Como se esta fosse terra sem lei. E insistem no desafio ao criar na X o perfil "Alexandre Files" para vazar decisões sigilosas do STF. Enganou-se Elon Musk porque as instituições não se curvaram ao seu ataque à soberania nacional. As decisões de Moraes devem ser confirmadas pelo pleno do STF. E atraíram matérias favoráveis em grandes jornais como The New York Times, Washington Post, The Guardian e Le Monde. Ganham redes sociais similares ao X, como Threads e BlueSky, que poderão recolher parte dos 21 milhões de usuários do X. Espera-se apenas que essas redes também não se tornem tóxicas como o ex-Twitter, que virou espaço privilegiado para a retórica de ódio da extrema-direita a que se filia Elon Musk. O episódio mostra que o CN precisa votar o PL 2630/20 para criar normas de transparência e bom funcionamento das plataformas.

 

¨      “A extrema direita quebra todas as regras e não é Moraes quem está ‘fora do rito’”, diz João Cezar de Castro Rocha

Em entrevista recente ao programa Boa Noite 247, o historiador e pesquisador João Cezar de Castro Rocha criticou duramente a atuação da extrema direita no Brasil e figuras como Pablo Marçal, candidato a prefeito de São Paulo pelo PRTB. Rocha afirmou que "a extrema direita quebra todas as regras e não é Moraes quem está ‘fora do rito’", referindo-se ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em um contexto de crescente tensão política e judicial no país.

O historiador destacou a influência negativa de Marçal no cenário político atual, comparando-o ao político argentino Javier Milei. "Marçal despreza Bolsonaro e seu modelo é Milei. O sistema político não tem condições de frear uma figura como Pablo Marçal", afirmou. Para Rocha, Marçal e Milei são "parasitas do sistema político", aproveitando-se das brechas e fragilidades existentes para avançar com suas agendas.

Rocha alertou para as consequências de figuras como Marçal permanecerem na política brasileira. "Se figuras como Marçal não forem banidas, o Brasil se tornará inviável. Se Marçal não for impugnado, estaremos na antessala do inferno em 2026", disse, reforçando a necessidade de uma resposta firme das instituições para proteger a democracia e a integridade do sistema político.

<><> Usuários relatam extremismo de direita ainda maior no X após suspensão no Brasil

O comunicador Thiago dos Reis, usuário do X que vive no exterior, reportou um aumento significativo na presença de conteúdo de extrema-direita na plataforma após a suspensão de suas operações no Brasil, decretada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Reis observou que, mesmo com sua conta configurada para silenciar certas figuras e temas, esses conteúdos passaram a aparecer frequentemente em sua linha do tempo, destacando nomes como Donald Trump e Elon Musk, além de menções a postagens de cunho nazista.

A suspensão do X no Brasil, conforme veículos internacionais, foi uma resposta ao descumprimento de exigências legais por parte de Elon Musk. Publicações como The New York Times, The Washington Post, The Guardian e Le Monde repercutiram a medida, enfatizando sua legitimidade e necessidade. O New York Times apontou que a suspensão foi uma resposta direta à inobservância de Musk às ordens judiciais brasileiras, enquanto The Washington Post criticou Musk por comprometer um dos maiores mercados do X para apoiar Jair Bolsonaro e seguidores que promovem falsas narrativas de fraude eleitoral.

No Reino Unido, The Guardian analisou a decisão como uma medida necessária para controlar as ações de Musk, descrito como "fora de controle". Le Monde, por sua vez, considerou a decisão severa, mas previsível, dado o contexto de preparação de longo prazo e as investigações realizadas por Moraes, focadas na disseminação de informações falsas e na atuação de milícias digitais. Os relatos de Thiago dos Reis, somados à cobertura da mídia internacional, destacam os desafios contínuos na moderação de conteúdo e na governança das redes sociais.

<><> Moro usa amigo nos Estados Unidos para seguir postando no X, a plataforma do fascismo global

O ex-juiz suspeito e senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) expressou sua insatisfação com a decisão judicial que suspendeu a plataforma X, que dissemina conteúdos fascistas ao redor do mundo, classificando a medida como "ilegal" e "desproporcional". Utilizando a própria plataforma X, Moro afirmou no domingo que continuará a publicar suas opiniões e críticas, conforme reportado pela Gazeta do Povo.

Moro, que não mencionou o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, explicou que, devido à suspensão, solicitou a um amigo nos Estados Unidos para postar em seu nome até que a decisão seja revista. O senador argumentou que, assim como a imprensa usa correspondentes internacionais, ele pode utilizar amigos no exterior para manter sua comunicação ativa.

Anteriormente, no sábado, Moro havia compartilhado uma coluna de O Globo escrita pelo jornalista Merval Pereira intitulada “Perdendo a Razão”, que criticava a decisão de suspender a antiga plataforma Twitter no Brasil, comparando-a com medidas adotadas em países como Coreia do Norte e China.

 

Fonte: Brasil 247

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário