Eduardo
Appio: ‘Elon Musk mandou o direito para o espaço’
O
ministro do STF Alexandre de Moraes acaba de suspender as atividades da
plataforma X em todo o território nacional, em mais um capítulo do que promete
ser a disputa do século entre a alegada liberdade fundamental de expressão e a
soberania do Estado Nacional. O Estado Nacional, nas palavras do sempre
indispensável Georges Burdeau (em O Estado), significa um notável avanço rumo à
civilização e uma resposta à barbárie tantas vezes denunciada por Thomas Hobbes
(em Leviatã). Se no estado da natureza (em que impera uma irrestrita liberdade)
o homem se torna predador do próprio homem, o Estado Nacional se apresenta como
uma poderosa instância de superação deste indesejável cenário, uma vez que traz
para si o monopólio da força. O mesmo monopólio da força que hoje vem sendo
destruído pelo crime organizado (vide a força do PCC no Brasil) encontra um
forte antagonista nas chamadas big techs que, a exemplo da Plataforma X
(ex-Twitter), insistem em descumprir decisões judiciais sob o argumento de que
estão sediadas nos Estados Unidos. A soberania do Estado Nacional vem sendo
questionada através de uma suposta defesa da liberdade de expressão. Esta
liberdade fundamental está amparada em nossa Constituição, a qual também
permite que o Judiciário intervenha para prevenir ameaças a direitos. A
jurisdição é a mais pura expressão da soberania nacional, na medida em que o
Estado Nacional traz para si o monopólio de mediar os conflitos entre os
particulares, evitando a hegemonia dos mais fortes.
Nesse
sentido, o crime organizado - e agora a Plataforma X - parecem convergir para
um mesmo objetivo, qual seja retirar do Estado Nacional o monopólio da força,
substituindo-o pelo poder do capital privado (lícito ou não). A ressurreição de
um modelo feudal de descentralização do Estado representa um notável e
potencial retrocesso civilizatório, fazendo emergir o real pesadelo dos
iluministas, ou seja, a substituição do bem-estar comum pela concentração de
renda e poder em alguns poucos autodeclarados imperadores do mercado. A disputa
entre o STF e Elon Musk não guarda relação com a liberdade de expressão. Muito
pelo contrário, visa suprimir a débil voz dos economicamente mais fracos e sem
representação na área política, mas que encontraram na capacidade de votar
livremente a única oportunidade real de cidadania. O eleitor tem direito de
acesso à informação fidedigna para que possa participar do debate político em
segurança, sabendo que não será vítima de armações tecnológicas. A liberdade de
expressão não significa conceder tratamento acima da lei em favor de quem já
dispõe de mais força. Pelo contrário, concretiza uma aspiração civilizatória em
face do monopólio anteriormente privado de se fazer ouvir no espaço público e
de receber igual consideração e respeito por parte do Estado.
O
livre mercado de ideias – uma concepção cunhada pela Suprema Corte dos Estados
Unidos (Abrams v. United States, 1919) – visava conciliar a liberdade de
expressão com as forças do mercado em uma visão hoje bastante ingênua acerca da
liberdade de expressão. Em um livre mercado, a mão invisível do leitor trataria
de selecionar as informações que sobreviveriam e as que cairiam no descrédito.
Todavia, desde o episódio envolvendo a manipulação de dados via algoritmos nas
eleições – escândalo Steve Bannon, hoje preso nos EUA – todos sabemos que
somente o Estado tem as condições de assegurar a manifestação da vontade livre
do eleitor. Colocar as redes sociais acima das leis e da Constituição
significaria uma rendição antecipada e irrestrita à hegemonia das fake news.
Valeria a lei do mais forte e de quem paga mais, pesadelo de Hobbes. As redes
sociais são hoje a praça pública de debates em uma democracia, mas isso não
lhes concede imunidade frente à lei local e à soberania dos Estados Nacionais.
Muito pelo contrário, impõe-lhes o dever de observar a Constituição e os
poderes constituídos, sem os quais sobrevivem apenas os economicamente mais
fortes.
¨
Elon Musk e o STF. Por
Maurício Rands
No
Inquérito 4957, a PF investiga milícias digitais e a tentativa de golpe de 08
de janeiro. A investigação constatou que várias pessoas instrumentalizaram
redes sociais, em especial a X, para ameçar e coagir delegados federais que
atuam na investigação. A rede social X foi intimada em 07/08, em 12/8 e em
16/8, a bloquear os perfis desses investigados. Nunca cumpriu essas ordens
judiciais. Dobrando a aposta, a X culminou por evadir seus representantes
legais da X Brasil para evitar ser intimada.
Reagindo
à desobidiência da X, o ministro Alexandre de Moraes prolatou decisão, em 28/8,
instando-a a designar em 24h o novo representante legal e a cumprir as decisões
anteriores. Dessa decisão, mandou intimar as partes por meios eletrônicos. E
mandou postar a intimação no perfil do STF na própria rede social. A plataforma
continuou a descumprir todas essas ordens. Aí, em 30/8, ele prolatou nova
decisão, na Petição 12.404-DF, determinando: "a suspensão imediata,
completa e integral do funcionamento da 'X Brasil Internet Ltda' em território
nacional, até que todas as ordens judiciais proferidas nos presentes autos
sejam cumpridas, as multas devidamente pagas e seja indicado, em juízo, a
pessoa física ou jurídica representante em território nacional".
Do
ponto de vista técnico-processual, o ministro relator Alexandre Moraes cometeu
pelo menos um acerto e um erro em suas últimas decisões no Inquérito 4957. As
críticas processuais foram basicamente duas. A primeira foi quanto à opção do
ministro pela intimação de Elon Musk, “Twitter International Unlimited
company”, “T. I. Brazil Holdings LLC”, “X Brasil Internet ltda.”, “Starlink
Brazil Holding Ltda." e “Starlink Brazil Serviços de Internet Ltda”,
"inclusive por meios eletrônicos", em sua expressão. Trata-se de
intimação de pessoas jurídicas, além da pessoa física Elon Musk, sobre uma
decisão que pode ser feita por meios combinados. Pela ciência tomada pelos
advogados constituídos nos autos. E também pelos meios eletrônicos, que
incluíram a postagem da intimação na própria plataforma X. Quando um réu
manobra para evitar ser citado, o direito processual prevê a citação por hora
certa e, sucessivammente, por edital. No caso desse Inquérito 4957, a tentativa
de evadir-se das decisões judiciais está documentada. Logo, o ministro poderia
intimar as partes por edital, do qual a postagem pode ser um sucedâneo. Note-se
que todas as PJs envolvidas estão incorporadas no Brasil, têm CNPJ indicado nos
autos e, portanto, representantes e endereços no Brasil. Podem ser intimadas
por todos os meios admitidos em direito. Entre os quais os meios eletrônicos.
Como dispõe a Resolução 693/2020, do STF, que altera a Resolução 661/ 2020.
Como se vê no acórdão do STJ, de 12/9/23, "a citação por meio eletrônico,
quando atinge a sua finalidade e demonstra a ciência inequívoca pelo réu da
ação penal (...) não pode ser simplesmente rechaçada, de plano, por mera
inobservância da instrumentalidade das formas" (STJ - AgRg no HC: 764835).
Ou na decisão do STF no Inq: 4923 DF, publicada em 27/01/2023. Vê-se, pois, que
a intimação das PJs pelas redes sociais nesse caso do inquéirto 4957 já vinha
sendo admitida pelo STF e pelo STJ. Ademais, por força do art. 239 do CPC,
"o comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a
nulidade da citação". Depois que o STF postou a intimação da decisão de
Alexandre de Moraes no perfil do STF mantido na rede X, o próprio Elon Musk e
as PJs deram declarações e postaram "memes" reagindo ao conteúdo da
intimação. Atraíram, assim, a aplicação do art. 239 do CPC por terem agido como
se espontanemanete tivessem se informado da decisão judicial. Não se pode
tecnicamente, por tais motivos, considerar ilegais as intimações determinadas
por Alexandre Morais na própria rede X.
O
mesmo não se pode dizer quanto à ordem de bloqueio das contas de uma das
empresas do grupo, a Starlink. A segunda decisão controversa. Para tanto, o
ministro precisaria ter aberto o incidente de desconsideração da personalidade
jurídica previsto no art.133 do CPC, garantindo o contraditório e a ampla
defesa. Como isso não foi observado, a decisão é falha neste ponto. Como é
falha do Inquérito 4957 ter vício de origem, não ter objeto preciso e já ter se
arrastado por tempo excessivo.
Estes
erros técnicos, todavia, não impedem a conclusão pelo acerto geral das medidas
ordenadas para que a jurisdição brasileira seja observada pela rede X, que a
vinha desobedecendo sistematicamente. As empresas de Elon Musk agem com dois
pesos e duas medidas. Nos EUA, Europa e Índia têm cumprido ordens judiciais
restritivas diante dos abusos que o X comete sob o manto da liberdade de
expressão. Curvam-se naqueles países, ao tempo em que pretendem furtar-se ao
cumprimento das decisões judiciais no Brasil. Como se esta fosse terra sem lei.
E insistem no desafio ao criar na X o perfil "Alexandre Files" para
vazar decisões sigilosas do STF. Enganou-se Elon Musk porque as instituições
não se curvaram ao seu ataque à soberania nacional. As decisões de Moraes devem
ser confirmadas pelo pleno do STF. E atraíram matérias favoráveis em grandes
jornais como The New York Times, Washington Post, The Guardian e Le Monde.
Ganham redes sociais similares ao X, como Threads e BlueSky, que poderão
recolher parte dos 21 milhões de usuários do X. Espera-se apenas que essas
redes também não se tornem tóxicas como o ex-Twitter, que virou espaço
privilegiado para a retórica de ódio da extrema-direita a que se filia Elon
Musk. O episódio mostra que o CN precisa votar o PL 2630/20 para criar normas
de transparência e bom funcionamento das plataformas.
¨
“A extrema direita
quebra todas as regras e não é Moraes quem está ‘fora do rito’”, diz João Cezar
de Castro Rocha
Em
entrevista recente ao programa Boa Noite 247, o historiador e
pesquisador João Cezar de Castro Rocha criticou duramente a atuação da extrema
direita no Brasil e figuras como Pablo Marçal, candidato a prefeito de São
Paulo pelo PRTB. Rocha afirmou que "a extrema direita quebra todas as
regras e não é Moraes quem está ‘fora do rito’", referindo-se ao ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em um contexto de
crescente tensão política e judicial no país.
O
historiador destacou a influência negativa de Marçal no cenário político atual,
comparando-o ao político argentino Javier Milei. "Marçal despreza
Bolsonaro e seu modelo é Milei. O sistema político não tem condições de frear
uma figura como Pablo Marçal", afirmou. Para Rocha, Marçal e Milei são
"parasitas do sistema político", aproveitando-se das brechas e
fragilidades existentes para avançar com suas agendas.
Rocha
alertou para as consequências de figuras como Marçal permanecerem na política
brasileira. "Se figuras como Marçal não forem banidas, o Brasil se tornará
inviável. Se Marçal não for impugnado, estaremos na antessala do inferno em
2026", disse, reforçando a necessidade de uma resposta firme das
instituições para proteger a democracia e a integridade do sistema político.
<><> Usuários relatam extremismo de direita ainda
maior no X após suspensão no Brasil
O
comunicador Thiago dos Reis, usuário do X que vive no exterior, reportou um
aumento significativo na presença de conteúdo de extrema-direita na plataforma
após a suspensão de suas operações no Brasil, decretada pelo ministro do
Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Reis observou que, mesmo com sua
conta configurada para silenciar certas figuras e temas, esses conteúdos
passaram a aparecer frequentemente em sua linha do tempo, destacando nomes como
Donald Trump e Elon Musk, além de menções a postagens de cunho nazista.
A
suspensão do X no Brasil, conforme veículos internacionais, foi uma resposta ao
descumprimento de exigências legais por parte de Elon Musk. Publicações como
The New York Times, The Washington Post, The Guardian e Le Monde repercutiram a
medida, enfatizando sua legitimidade e necessidade. O New York Times apontou
que a suspensão foi uma resposta direta à inobservância de Musk às ordens
judiciais brasileiras, enquanto The Washington Post criticou Musk por
comprometer um dos maiores mercados do X para apoiar Jair Bolsonaro e
seguidores que promovem falsas narrativas de fraude eleitoral.
No
Reino Unido, The Guardian analisou a decisão como uma medida necessária para
controlar as ações de Musk, descrito como "fora de controle". Le
Monde, por sua vez, considerou a decisão severa, mas previsível, dado o
contexto de preparação de longo prazo e as investigações realizadas por Moraes,
focadas na disseminação de informações falsas e na atuação de milícias
digitais. Os relatos de Thiago dos Reis, somados à cobertura da mídia
internacional, destacam os desafios contínuos na moderação de conteúdo e na
governança das redes sociais.
<><> Moro usa amigo nos Estados Unidos para seguir
postando no X, a plataforma do fascismo global
O
ex-juiz suspeito e senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) expressou sua
insatisfação com a decisão judicial que suspendeu a plataforma X, que dissemina
conteúdos fascistas ao redor do mundo, classificando a medida como
"ilegal" e "desproporcional". Utilizando a própria
plataforma X, Moro afirmou no domingo que continuará a publicar suas opiniões e
críticas, conforme reportado pela Gazeta do Povo.
Moro,
que não mencionou o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes,
explicou que, devido à suspensão, solicitou a um amigo nos Estados Unidos para
postar em seu nome até que a decisão seja revista. O senador argumentou que,
assim como a imprensa usa correspondentes internacionais, ele pode utilizar
amigos no exterior para manter sua comunicação ativa.
Anteriormente,
no sábado, Moro havia compartilhado uma coluna de O Globo escrita pelo
jornalista Merval Pereira intitulada “Perdendo a Razão”, que criticava a
decisão de suspender a antiga plataforma Twitter no Brasil, comparando-a com
medidas adotadas em países como Coreia do Norte e China.
Fonte:
Brasil 247
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