Os bastidores da maior troca de
prisioneiros entre EUA e Rússia desde a Guerra Fria
Quando um conhecido
assassino russo e um correspondente de um jornal americano embarcaram em aviões
separados na Turquia na quinta-feira (01/08), isso marcou a conclusão de um
acordo secreto e dramático para a troca de prisioneiros entre a Rússia e o Ocidente, que durou anos.
As origens desse
acordo, que envolveu duas dúzias de prisioneiros, remontam a 2022.
No entanto, as negociações nos bastidores entre a Rússia, os EUA e quatro
países europeus se intensificaram no início deste ano, e ainda mais nas últimas semanas, com a divulgação de um
acordo final.
Essas negociações
foram muitas vezes difíceis, como era de se esperar. Até porque ocorreram num
momento em que as tensões entre EUA e Rússia aumentaram por conta da guerra na Ucrânia.
“Foi o resultado de
muitas rodadas de negociações complexas e meticulosas ao longo de muitos e
muitos meses”, disse Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional dos EUA
que desempenhou um papel fundamental no acordo.
Na quinta-feira, em
uma ligação com repórteres, incluindo da CBS, parceira americana da BBC,
representantes da Casa Branca forneceram um cronograma detalhado dos eventos.
Segundo eles, o primeiro indício de que o governo de Vladimir Putin poderia
estar aberto a um acordo surgiu no segundo semestre de 2022.
EUA e Rússia estavam
negociando a libertação de Brittney Griner, a
estrela do basquete americano que foi presa por possuir óleo de
Cannabis e enviada para uma colônia penal russa. Griner acabou sendo liberada
no final de 2022 em uma troca pelo notório traficante de armas russo Viktor
Bout.
Foi durante essas
conversas, disseram autoridades da Casa Branca, que a Rússia deixou claro que
também queria garantir a libertação do assassino Vadim Krasikov, que cumpria
pena de prisão perpétua na Alemanha por matar a tiros um homem em um
movimentado parque de Berlim sob ordens diretas do Kremlin.
Sullivan disse a seu
colega alemão que a Rússia estava buscando meios de libertar Krasikov e
perguntou se Berlim consideraria libertá-lo em troca de Alexei Navalny, o
ativista anti-Putin e líder da oposição que estava detido na Rússia.
A Alemanha, no
entanto, estava relutante em libertar um criminoso que havia abertamente
cometido um assassinato em seu território.
Embora Sullivan não
tenha recebido uma resposta definitiva de Berlim, as conversas iniciais em
2022, tanto entre os EUA e a Rússia quanto entre os EUA e a Alemanha, ajudaram
a pavimentar o caminho para o acordo maior e mais complexo firmado nas últimas
semanas, concluído na pista de um aeroporto turco sob intenso calor.
Isso foi possível
porque os dois lados sinalizaram, pelo menos até certo ponto, o que queriam. A
Rússia deixou claro que queria Krasikov.
E Washington não
queria apenas Navalny, mas também Paul Whelan, um ex-fuzileiro naval preso por
acusações de espionagem na Rússia em 2018.
Os elementos iniciais
de um possível acordo de troca começaram então a tomar forma, mas ainda havia
um longo caminho a percorrer.
No final de março de
2023, um repórter do Wall Street Journal, Evan Gershkovich, de 31 anos, de Nova
Jersey, foi preso por agentes da inteligência russa durante uma viagem de
reportagem. Sua detenção foi condenada pelos EUA e por seus aliados.
Um dia depois, Biden
instruiu Sullivan a fechar um acordo que traria o jornalista e Whelan para
casa.
Os EUA contataram
diretamente a Rússia. A negociação então começou para valer. Autoridades da
Casa Branca e os ministros das Relações Exteriores dos dois países falaram por
telefone.
Mas as conversas logo
passaram desses diplomatas para os serviços secretos de inteligência, o que os
EUA hesitaram em fazer, pois Gershkovich tinha sido acusado de espionagem e
Washington temia que o envolvimento da CIA nas negociações apenas alimentasse
essas acusações.
No final de 2023, à
medida que essas negociações tensas prosseguiam, os EUA entenderam que a
libertação de Krasikov era fundamental para qualquer acordo bem-sucedido,
segundo autoridades da Casa Branca.
Foram feitas ofertas à
Rússia que não incluíam o assassino de 58 anos. Todas foram rejeitadas.
Como Krasikov estava
preso na Alemanha e não nos EUA, Washington não tinha o poder de libertá-lo
unilateralmente.
No final de 2023 e no
início de janeiro de 2024, Sullivan conversou com seu colega alemão quase que
semanalmente, em um esforço para convencê-lo a trocar Krasikov e atender à
principal demanda da Rússia para efetivar o acordo.
Qualquer acordo
potencial, segundo assessores da Casa Branca, dependia da libertação de
Krasikov pela Alemanha.
A posição de Moscou,
disseram eles, era, em última análise, que seus espiões presos deveriam ser
devolvidos em troca dos americanos acusados de espionagem.
Com isso em mente, os
EUA trabalharam para encontrar mais espiões russos mantidos por seus aliados
que pudessem fazer parte de uma ampla negociação. Autoridades dos EUA,
diplomatas e funcionários da CIA viajaram pelo mundo em busca de governos
amigos dispostos a libertar prisioneiros que se encaixassem nessa descrição, de
acordo com o Wall Street Journal.
Um sinal de seu
sucesso veio na quinta-feira, quando os russos foram libertados das prisões na
Polônia, Eslovênia e Noruega.
Em fevereiro deste
ano, o chanceler alemão Olaf Scholz se encontrou com o presidente Biden na Casa
Branca. E, de acordo com o relato fornecido pela Casa Branca, eles discutiram
opções para uma troca que incluía todas as pessoas-chave: Krasikov, Navalny, Whelan,
Gershkovich.
Também houve sinais
positivos da Rússia. Em uma entrevista com o ex-apresentador da Fox News,
Tucker Carlson, no início de fevereiro, Vladimir Putin falou sobre Gershkovich.
“Não descarto que
Gershkovich possa retornar à sua terra natal”, disse o presidente russo.
Steve Rosenberg,
editor da BBC sobre Rússia, classificou a declaração de Putin como "uma
dica muito pública e pouco sutil de que Moscou estava aberto a fazer um
acordo".
Legenda da foto,Os
líderes dos EUA e da Alemanha conversaram sobre o acordo secreto durante
reunião na Casa Branca em fevereiro
No entanto, em 16 de
fevereiro de 2024, poucos dias após a entrevista e a reunião na Casa Branca
entre Scholz e Biden, e antes que qualquer oferta pudesse ser feita aos russos,
a possibilidade de acordo fracassou em circunstâncias trágicas.
Provavelmente, o prisioneiro mais importante que poderia ter sido incluído na
troca, Alexei Navalny, morreu em sua cela na Sibéria aos 47 anos. Amigos, seguidores e parentes, bem como muitos líderes
estrangeiros, culparam Putin por sua morte. As autoridades russas disseram que
ele morreu de causas naturais.
Embora quase nada se
soubesse sobre as negociações no momento de sua morte, Maria Pevchikh, colega
de Navalny, disse abertamente que ele estava perto de ser libertado em troca de
Krasikov.
Na época, a BBC News
não conseguiu verificar de forma independente essas alegações. O Kremlin, por
sua vez, negou publicamente que um possível acordo tenha sido fechado.
Na quinta-feira, no
entanto, a Casa Branca confirmou que estava trabalhando para incluir Navalny no
acordo, que acabou libertando da custódia russa três pessoas que haviam
trabalhado diretamente com o opositor de Putin.
“A equipe sentiu como
se o vento tivesse sido retirado de nossas velas”, disse Sullivan, visivelmente
emocionado, ao descrever o impacto da morte de Navalny.
A mãe e o pai de
Gershkovich, em uma coincidência que adicionou mais drama à história, estavam
se encontrando com Sullivan na Casa Branca no dia em que a morte de Navalny foi
anunciada.
Reconhecendo a
importância da notícia e o risco que ela representava para essas negociações,
ele disse que dali para a frente “seria um caminho um pouco mais difícil”.
O acordo potencial
teve que ser reestruturado e os EUA e a Alemanha se reagruparam.
A vice-presidente dos
EUA, Kamala Harris, realizou então duas reuniões importantes para ajudar a
manter uma possível troca em andamento, disse à BBC uma alta fonte do governo
americano.
Em meados de
fevereiro, ela participou em Munique, na Alemanha, da Conferência de Segurança,
onde enfatizou a Scholz a importância de entregar Krasikov.
Kamala Harris também
se encontrou com o primeiro-ministro da Eslovênia, onde estavam detidos dois
prisioneiros russos identificados pelos EUA como sendo de alta prioridade para
Moscou. Ambos foram libertados na última quinta-feira.
Então, nos últimos
meses, o novo acordo, que obviamente não incluía mais Navalny, tomou forma na
Casa Branca. Em junho, Berlim concordou em libertar Krasikov.
“Por você, eu farei
isso”, disse Scholz a Biden, de acordo com Sullivan.
O acordo foi submetido
à Rússia.
Em meados de julho,
Moscou respondeu aceitando os termos do acordo e concordando com a libertação
dos que estavam na lista detidos nas prisões russas.
No entanto, quando as
negociações estavam chegando à fase final, a política interna se impôs, com
Biden sofrendo imensa pressão de dentro de seu próprio Partido Democrata para
retirar sua candidatura à reeleição em novembro, após um fraco desempenho no debate
com Donald Trump.
De acordo com
Sullivan, apenas uma hora antes de Biden anunciar, em 21 de julho, que não
concorreria à reeleição, ele estava em uma ligação com seu colega esloveno
finalizando a troca de prisioneiros.
Como acontece com
qualquer troca de prisioneiros de alto risco, o acordo não estava garantido,
mesmo quando o avião estava a postos e as rotas dos prisioneiros para casa
finalizadas.
“Prendemos a
respiração e cruzamos os dedos até algumas horas atrás”, disse Sullivan na
tarde de quinta-feira.
Depois, Biden postou
uma foto dos americanos libertados juntos em um avião com destino a solo
americano, junto com uma legenda curta. “[Eles] estão seguros, livres e
começaram sua jornada de volta aos braços de suas famílias.”
¨ Os sinais de que Putin e Biden negociavam troca de prisioneiros
“Este é um assunto que
é melhor tratado em silêncio.”
Essa foi a frase
escolhida pelas autoridades russas quando solicitadas a comentar sobre
possíveis trocas de prisioneiros entre Rússia e o Ocidente. Trata-se de palavras
ditas alguns meses atrás.
É assim que o Kremlin
gosta: negociação a portas fechadas, “diplomacia de reféns” longe dos holofotes
da mídia. Serviço de inteligência conversando com serviço de inteligência;
governo para governo.
Até Moscou conseguir o
que — ou melhor, quem — quer.
Na quinta-feira
(01/08), dezesseis pessoas foram libertadas de prisões russas no maior acordo de troca de prisioneiros desde a Guerra
Fria.
O presidente dos EUA,
Joe Biden, confirmou que o repórter do Wall Street Journal Evan Gershkovich e o
veterano da Marinha dos EUA Paul Whelan estavam entre as pessoas em retorno
para os EUA.
Enquanto isso, oito
russos detidos em prisões americanas e europeias foram devolvidos em troca.
Eles foram detidos nos EUA, Noruega, Eslovênia, Polônia e Alemanha e são
suspeitos de vínculos com a inteligência russa.
No entanto, apesar do
“silêncio” da Rússia e dos EUA nos meses que antecederam esse acordo, houve
sinais. Algo estava em movimento.
Em uma entrevista com
o ex-apresentador da Fox News Tucker Carlson em fevereiro, Vladimir Putin falou
sobre Evan Gershkovich, o repórter do Wall Street Journal que havia sido preso
na Rússia, acusado de espionagem.
“Não descarto que
Gershkovich possa retornar à sua terra natal”, disse Putin. “Queremos que os
serviços especiais dos EUA pensem em como podem contribuir para alcançar as
metas que nossos serviços especiais estão buscando.”
Foi uma dica muito
pública e pouco sutil: Moscou estava disposto a fazer um acordo.
O líder do Kremlin não
citou nomes. Mas ele deixou bem claro quem a Rússia queria em troca: Vadim
Krasikov, o suposto agente russo que estava cumprindo pena de prisão perpétua
por assassinato — não nos EUA, mas na Alemanha.
Alguns dias depois, o
líder da oposição russa Alexei Navalny morreu em uma remota colônia penal no Ártico. Circularam rumores de que, antes de sua morte, estavam em
andamento negociações para trocar Navalny, Evan Gershkovich e o ex-fuzileiro
naval americano Paul Whelan, todos presos na Rússia, por Vadim Krasikov na
Alemanha.
As autoridades alemãs
haviam entrado em negociações sobre a troca de prisioneiros?
Avance para junho. O
julgamento de espionagem a portas fechadas de Evan Gershkovich — considerado
uma “farsa” pelo Wall Street Journal e pelo governo dos EUA — finalmente
começou em Ecaterimburgo. O caso foi rapidamente adiado até meados de agosto.
Mas, no mês passado, o
tribunal inesperadamente antecipou a segunda audiência em mais de três semanas.
No final de um julgamento ultrarrápido de três dias, Evan Gershkovich foi
condenado e sentenciado a 16 anos em uma colônia penal.
No mesmo dia, a
jornalista russo-americana Alsu Kurmasheva foi condenada a seis anos e meio de
prisão por um tribunal em Kazan. Seu julgamento durou apenas dois dias.
Alguém estava
claramente com pressa.
Foi o sinal mais forte
até agora de que um acordo havia sido feito, de que uma troca era provável. As
autoridades russas normalmente tratam a condenação como um pré-requisito para
qualquer troca de prisioneiros.
No início desta
semana, houve mais sinais, com relatos de que uma série de proeminentes
prisioneiros políticos russos haviam sido retirados de suas colônias penais ou
centros de detenção.
A especulação cresceu.
Esses dissidentes poderiam fazer parte de uma troca de prisioneiros maior do
que a prevista originalmente?
Surgiram notícias em
Belarus: o líder do país, Alexander Lukashenko, concordou em perdoar Rico
Krieger, cidadão alemão condenado à morte por terrorismo e outras acusações.
Ele poderia fazer parte de uma troca?
Agora sabemos. Esta é
a maior troca de prisioneiros entre os EUA e a Rússia desde a Guerra Fria.
Os governos ocidentais
receberão com entusiasmo a libertação de estrangeiros, bem como a liberdade de
alguns dos prisioneiros políticos mais proeminentes da Rússia.
Moscou celebrará o
retorno de seus agentes.
Ambos os lados
alegarão que é um bom negócio.
Mas se a Rússia
concluir, como fez no passado, que a “diplomacia de reféns” funciona, é
improvável que seja a última vez que prisioneiros — tanto estrangeiros quanto
russos — sejam usados como moeda de troca.
Fonte: BBC News em
Washington
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