sexta-feira, 2 de agosto de 2024

O que está em jogo com as eleições de 2024?

O PT e o governo de Frente Ampla desempenham papeis cruciais na transformação do regime político atual, que busca institucionalizar a extrema-direita e estabelecer um novo modelo político mais à direita do que o vigente desde 1988.

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É de Ulysses Guimarães o conselho de que em política você nunca deve estar tão próximo que amanhã não possa ser adversário e nem tão distante que amanhã você fique em dificuldade por ter que estar próximo.

O político, nada menos do que deputado federal por 11 mandatos consecutivos, de 1951 a 1992, e presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1988 é um conhecedor particular das entranhas que configuraram o regime de 1988. O conselho de uma das principais cabeças da transição pactuada, da ditadura militar para a chamada Nova República, soa como uma reza na missa das eleições de 2024.

Após alguns anos de um período político muito agitado do regime brasileiro, um novo arranjo está se conformando e pode ser visto no atual pleito municipal. E ele tem como pedra angular a pactuação do governo Lula-Alckmin com a extrema-direita, que está cada vez mais institucionalizada.

Esse processo não é recente. Durante o governo Bolsonaro, frações poderosas das classes dominantes e do regime político, especialmente o judiciário, trabalharam para moderar os aspectos mais disruptivos do bolsonarismo. Após a eleição de 2018, esses setores passaram a considerar o modus operandi bolsonarista, que promovia constantes instabilidades na política nacional em função de interesses particulares, como inapropriado e disfuncional.

Esse processo culmina com a inelegibilidade de Bolsonaro, ainda que seus espólios estejam em constante disputa e ele mesmo continua sendo um player muito importante da política. Agora, aqueles que buscam atuar no espaço que ele ocupou estão de vento em popa querendo seu lugar ao sol. Para isso, contam com acordos e pactuações com diversas alas do regime político, o que inclui o próprio governo Lula-Alckmin.

Embora alguns tentem apresentá-los como antagonistas inconciliáveis, uma análise mais detalhada revela um complexo emaranhado de negociações que está moldando o novo regime que se ergueu após o golpe institucional de 2016. Vamos explorar isso mais a fundo.

O governo de Lula e as alianças com a extrema-direita

Parte central da política das candidaturas que são apoiadas ou são diretamente do PT é dizer que nessas eleições a tarefa é barrar o bolsonarismo. O exemplo mais claro dessa narrativa é a disputa pela prefeitura de São Paulo, onde Guilherme Boulos frequentemente usa esse argumento.

De acordo com essa lógica, seria de se esperar que o governo Lula estivesse alinhado contra o bolsonarismo. No entanto, a realidade é bem diferente. Vejamos alguns exemplos para ilustrar isso.

Começando pela capital paulista, nada menos do que a metade dos partidos que compõem os ministérios do governo Lula estão na coligação de Nunes. MDB, PP, PSD, Republicanos, e União Brasil. Partidos que congregam 11 ministérios do atual governo federal.

No outro polo está Boulos, com o que restou dos partidos do governo e que conta como sua vice Marta Suplicy, ex- MDB e que era Secretária das Relações Exteriores da prefeitura de Nunes antes de aderir a chapa com o candidato do PSOL.

Além de São Paulo, os partidos da base de Lula estão se aliando ao PL, de Bolsonaro, em pelo menos outras cinco capitais e mais cinco grandes cidades: Florianópolis, Curitiba, Salvador, Porto Alegre, Natal, além de Duque de Caxias, Campinas, Santos, Ribeirão Preto, Feira de Santana e Londrina.

Em Campinas, o atual prefeito do Republicanos, Dário Saadi, recebeu apoio em vídeo do vice-presidente Geraldo Alckmin após um evento em que Lula pediu aos militantes do PT que cessassem as vaias contra ele. Alckmin, com seu partido PSB, é vice do candidato apoiado por Tarcísio. A parceria entre Republicanos e PSB também se repetirá em Santos, outra importante cidade do estado de São Paulo.

Além disso, há outros arranjos onde expoentes bolsonaristas apoiam candidaturas que também têm o apoio do PT. O atual prefeito do Rio, Eduardo Paes, não concedeu a vaga de vice para o PT e, em vez disso, anunciou o deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), como seu coordenador de campanha e tem relações descaradas com a família Brazão e históricas relações com a milícia. Bolsonarista e conservador, Otoni de Paula é pastor da Assembleia de Deus e é reconhecido pelas suas posições reacionárias. O acordo com Otoni de Paula incluiu a condição de veto ao vice petista na chapa pela reeleição, mas, ainda assim, o PT apoia sem qualquer pesar a candidatura de Paes.

Considerando ainda outras capitais, a conciliação do PT vai mostrando seu significado. Em Belo Horizonte, Alexandre Kalil, que recebeu apoio do PT, agora apoia o candidato do Republicanos, Mauro Tramonte. Em Porto Alegre, Maria do Rosário inclui o partido reacionário Avante em sua coligação; até recentemente, o Avante tinha em seus quadros ninguém menos que Chiquinho Brazão, um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco, e está buscando apoio do União Brasil. E não muito distante, o PT declarou apoio a Eduardo Leite, um dos responsáveis pela crise das enchentes, que admitiu não ter investido em prevenção para economizar recursos.

Esse movimento não é recente. Nas eleições de 2020, PT e PSL, quando Bolsonaro ainda era parte do partido, formaram uma coligação em 136 municípios. A relação com o PL também tem uma longa história. Nas últimas eleições, PT e PL estavam na mesma coligação em 385 cidades, e essa coalizão saiu vitoriosa em 213 delas.

Vale lembrar que o PL, que hoje é o principal refúgio da direita e da extrema-direita no país, já integrou a base dos governos do PT. Na eleição presidencial de 2002, esse grupo indicou José Alencar para a vice-presidência de Lula e ocupou diversos cargos importantes durante as gestões petistas.

E como não poderia deixar de ser, todas essas alianças com a direita e extrema-direita não foram feitas sem a benção de Lula. Foi sua corrente interna no PT, a CNB (Construindo um Novo Brasil) que vetou um trecho de uma resolução que foi aprovada no diretório nacional do PT que propunha proibir alianças com o PL. Nessa ocasião, o deputado federal Jilmar Tatto foi claro: "Se o candidato a prefeito declarar que estará conosco em 2026, mesmo estando no PL, é permitido".

Uma das expressões dessa resolução, dentre tantas outras que ainda estamos por ver, será na eleição para a Prefeitura de Francisco Morato, cidade na Grande São Paulo. Ildo Gusmão, do Republicanos, que é pastor da Igreja Quadrangular é conhecido por suas posições reacionárias, deverá ter como vice o presidente municipal do PT, Chicão Bernabé.

A busca pela estabilização do regime após o golpe institucional de 2016 e o mandato de Bolsonaro

Após ter seus direitos políticos cassados pelo judiciário em um processo arbitrário, Lula foi reabilitado com a missão de estabilizar um regime abalado por diversas incursões autoritárias. Desde sua saída da prisão, ele deixou claro que não buscava vingança e escolheu Alckmin, então principal figura da direita neoliberal, como garantia de suas intenções de repactuação.

Portanto, a estratégia do PT visa alcançar essa nova estabilidade, reeditando a conciliação de classes de seus mandatos anteriores, mas agora incorporando a extrema-direita que se consolidou no regime político. Tarcísio representa essa extrema-direita institucionalizada, que, embora não adote agora os métodos de Bolsonaro de permanente desestabilização do regime, mantém seu programa econômico ultra-neoliberal e seu ataque direto aos direitos sociais, além de repressão à vanguarda sindical do estado e à juventude pela via do recrudescimento da violência policial

Lula à frente da configuração desse regime político, apesar de ter em Tarcísio um competidor, promove com ele um pacto pela estabilização. É por isso, que mesmo em meio a privatização da Sabesp, os ataques contra o Metro e a CPTM e tentativa de implementação das reacionárias escolas cívico-militares, Tarcísio tenha recebido o “maior cheque” do BNDES de Lula, dentre todos os governadores.

Nesse contexto, a candidatura de Boulos e do PSOL em São Paulo é funcional para a construção de um arco de alianças com velhos bolsonaristas. Lula pode se utilizar de uma grande vitrine de uma capital como São Paulo, e apoiar um candidato que há alguns anos atrás já foi visto como mais “radical” - denominação que Boulos tenta se desvencilhar com o diabo da cruz - para ao mesmo tempo promover alianças e acordos com os setores mais reacionários da extrema-direita. Facilitam acordos dessa natureza a incorporação na secretaria de segurança de Boulos de um comandante da ROTA, batalhão de extermínio da juventude negra e pobre em São Paulo.

Ao contrário do que o PT e o PSOL afirmam em suas campanhas, alegando que o voto neles é uma forma de barrar o bolsonarismo, na prática, eles acabam fortalecendo esses setores. E ainda de brinde em vários lugares leva o apoio de organizações como PCB e UP que mais uma vez revelam seu real projeto de conciliação como manda a velha tradição stalinista e já começam a indicar seus apoios aos candidatos do PT.

É essa lógica que fortalece os setores que buscaram aprovar a reacionária PL da Gravidez Infantil e recrudescer a lei de drogas que alimenta a guerra as drogas e o assassinato da população negra no Brasil. Os mesmo que investem contra as terras indígenas, que promovem a LGBTfobia e querem novas privatizações e ataques aos direitos da classe trabalhadora. Que queimam a Amazônia, o Pantanal e destroem rios e mananciais. Que mantém a precarização do trabalho, a jornada 6x1, as terceirizações. Que querem chamar a Ditadura de Revolução. Todos esses que governam o país junto ao PT e seus aliados, como o PSOL.

Como resultado desse movimento, o que resta é a preservação de todas as grandes contra-reformas aprovadas desde o governo Temer, como a reforma trabalhista e da previdência. Mas não só elas. Vemos também a construção de uma nova arquitetura neoliberal pelas mãos do próprio PT com o Arcabouço Fiscal. Para provar sua vitalidade ao capital financeiro, mais 15 bilhões foram cortados do orçamento público, deixando como vítimas a saúde e educação para o pagamento dos juros das dívidas para as grandes instituições financeiras. Tudo isso com o apoio do PSOL que assumiu um verdadeiro compromisso com o arcabouço fiscal.

Portanto, não é coincidência que, tanto nas lutas quanto nas necessidades da classe trabalhadora e dos setores populares, podemos identificar ataques promovidos pelo PT e o PSOL que poderiam ser compartilhados por governadores e prefeitos da extrema-direita.

A greve dos federais teve que enfrentar a política de arrocho salarial de um governo que concedeu 0% de aumento, justificando-se com o arcabouço fiscal, enquanto ofereceu aumentos substanciais para as polícias e recordes para o agronegócio. Além disso, apesar de o governo ter prometido, por meio de Lula, não reprimir greves, entrou na justiça para ilegalizar as greves do Ibama e ICMbio, essenciais para a defesa do meio ambiente, além da greve do INSS.

Dentro dessa mesma estrutura neoliberal a serviço do capital financeiro, está o Regime de Recuperação Fiscal do Rio de Janeiro, sob a liderança de Cláudio Castro. A reitoria da UERJ, apoiada pelo PT e pelo PCdoB, e que conta com um vice-reitor do PSOL (ligado à Resistência e Insurgência), cortou milhares de auxílios estudantis, atacando os setores mais pobres e deixando-os em situação de penúria para cumprir com o compromisso fiscal (segundo a mesma política de Lula-Haddad), além de ameaçar com repressão aqueles que ocuparam a reitoria.

Portanto, erguer uma voz contra todo esse projeto é uma tarefa para hoje. É com esse objetivo que o MRT irá apresentar suas candidaturas nessas eleições. São candidaturas contra o arcabouço fiscal e a conciliação de classes com o agronegócio, STF, militares e a extrema-direita. Candidaturas comunistas que apostam na força da classe trabalhadora.

 

Fonte: Esquerda Diário

 

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