domingo, 26 de maio de 2024

Lava Jato admitiu em 2015 que grampo em Youssef arriscava anular a operação; Deltan retaliou delegados

Um novo lote de mensagens da Operação Spoofing obtido pelo Jornal GGN na tarde desta sexta (24) comprova que a força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal no Paraná, antes coordenada por Deltan Dallagnol, sabia desde 2015 que “arriscava” anular toda a operação com a escuta clandestina instalada pela Polícia Federal na cela do doleiro Alberto Youssef, um dos principais delatores.

Conscientes do perigo, os diálogos mostram que os procuradores agiram pessoalmente – ora usando a mídia contra agentes federais que apuravam o caso, ora pressionando a defesa de Youssef a recuar da denúncia – para que a ameaça de nulidade não se concretizasse.

O grampo ilegal, descoberto ainda em 2014, foi objeto de sindicâncias da Polícia Federal que acabaram arquivadas precocemente. Em entrevista exclusiva ao GGN nesta semana, o advogado de Youssef, Antonio Figueiredo Basto, afirmou que há digitais dos procuradores da Lava Jato e do ex-juiz Sergio Moro no arquivamento.

•        “É arriscado”

Os novos diálogos da Spoofing evidenciam que os procuradores estavam preocupados com a hipótese de nulidade que chegou a ser sustentada pela defesa de Youssef nos autos dos processos conduzidos por Sergio Moro.

Deltan Dallagnol tentou driblar a situação sugerindo ouvir Youssef “formalmente” para induzí-lo a “consignar” que nunca fora confrontado com alguma informação obtida pela escuta ilegal. Os colegas, no entanto, acharam o caminho perigoso. “É arriscado”, respondeu o procurador Andrey Mendonça.

“Vamos tomar cuidado com o Youssef, pois podemos ser acusados de manipulação”, acrescentou um outro procurador – possivelmente Carlos Fernando dos Santos Lima. Orlando Martello complementou: “Não adianta ouvir youssef. A nulidade decorreria da informação. (…) Ou Seja, da informação obtida ilegalmente (…) É melhor não mexer e torcer para não ter nada naquele computador”. O computador, no caso, eram dos policiais federais, que já haviam sido apreendidos àquela altura.

•        Ataque aos delegados

O diálogo sobre o que fazer com Youssef ocorreu em 4 de julho de 2015. Na mesma conversa, Deltan Dallagnol mostrou como usava setores da grande mídia em seus estratagemas. Ele afirmou aos colegas que pediria ao Caex – órgão do Ministério Publico – para “levantar informações” contra “Iegas e Mesquita”, que são José Alberto de Freitas Iegas e Wagner Mesquita, dois delegados da PF que, à época dos fatos, reconheceram a existência da escuta ilegal na cela de Youssef.

Deltan avisou ao grupo de Telegram que vazaria ao Valor Econômico o material contra os delegados para que uma matéria com “maldades” sobre eles saísse numa segunda-feira, mesmo dia em que o jornal previa a publicação de uma entrevista com o então ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, afirmando que “escutas ilegais podem anular a Lava Jato”.

No final daquela conversa, o procurador Diogo Castor de Mattos demonstrou confiança de que o Judiciário não teria coragem de enfrentar as nulidades da Lava Jato. “Quero ver ser macho pra anular a Lava Jato”, disse Castor, ao que Deltan rebateu: “Quero ver ser macho pra devolver mais de 500 milhões pros reus confessos”, em referência aos acordos que já estavam sendo fechados pela força-tarefa.

•        Pressão sobre advogados

As conversas entre Deltan e seus colegas indicam ainda que o ex-procurador sempre teve contrariedade com o fato da defesa de Youssef arguir a nulidade do processo por diversas razões. A escuta clandestina na cela era apenas uma delas. Em 28 de maio de 2015, após compartilhar com os colegas trechos da defesa de Youssef com o pedido de nulidade, Deltan escreveu: “Com um colaborador desses, não precisamos de adversários.”

Em 2 de julho de 2015, Deltan escreveu a Januário Paludo e Carlos Fernando para reclamar que a defesa insistia na tese de nulidade mesmo depois de “vocês falarem com eles e eles dizerem que não fariam mais isso”, revelando que havia pressão contra o exercício da ampla defesa. Januário afirmou que conversara com o advogado Figueiredo Basto, que haveria recuado dessa linha de sustentação.

Ao GGN, Figueiredo Basto afirmou que o acordo de delação premiada jamais foi a primeira opção de Youssef, mas que foi impossível, àquela época, lutar pela nulidade da operação com Moro na 13ª Vara e uma sequência de juízes alinhados com a Lava Jato em instâncias superiores. Até hoje, a defesa não teve acesso à sindicância da PF que conteria todas as manobras que levou ao arquivamento do caso dos grampos. O Supremo Tribunal Federal foi acionado.

<<<<< Leia os diálogos obtidos pelo GGN abaixo:

28 May 15

10:43:56 Deltan Januário e CF, olhem o AY na defesa da OAS:

10:43:56 Deltan A peça defensiva escrita em nome do acusado YOUSSEF foi juntada ao evento 147. Sustenta: a) nulidade das interceptações1, ante a1) a ausência, na decisão que afastou os sigilos telefônico e telemático e nas que prorrogaram o afastamento, de apontamento de indícios prévios de autoria ou participação no fato investigado e de delimitação dos fatos a serem investigados, a implicar interceptação “em prospecção”, sem definição do “raio de alcance objetivo das investigações”, em contrariedade ao art. 2º, I e p. único, Lei 9.296/96; a2) vício de fundamentação nas decisões que afastaram os sigilos, por invocar a gravidade e a natureza jurídica do fato, bem como a complexidade do caso, além de repetir fundamentação usada em decisões anteriores, para autorizar as medidas subsequentes; e a3) a existência de períodos de monitoramento não albergados por decisão judicial, bem como de períodos fundados em decisões judiciais de prorrogação proferidas após solução de continuidade das medidas anteriores e com fundamentos inidôneos; b) nulidade, em razão dos vícios na interceptação, das demais provas produzidas em inquérito policial, bem como da denúncia e do seu recebimento, por ilicitude derivada; c) inversão de etapas processuais, com c1) o recebimento da denúncia antes da apresentação da resposta à acusação, em contrariedade ao art. 396, CPC; e c2) a designação de audiência antes da citação do réu, da apresentação de resposta à acusação e da possibilidade de absolvição sumária; d) necessidade de reunião de todos os feitos criminais relacionados à 7ª fase da Operação Lava Jato em um único processo, a fim de evitar contradição entre decisões, em observância aos arts. 76, I e III, e 79, CPP, por narrarem delito de organização criminosa integrado por denunciados em comum, com conexão fática e instrumental, não podendo haver o “fatiamento” da denúncia – que deveria tratar os fatos em “uma unidade fática indivisível”, sob pena, ainda, de litispendência -, não estando presente motivo apto que autorize o excepcional desmembramento, conforme o art. 80, CPP. Sobre o mérito, após defender a legitimidade da colaboração premiada que firmou, YOUSSEF afirma que não foi o líder da organização criminosa descrita nos autos, tendo atuação subsidiária à dos agentes políticos e públicos envolvidos. Defende que não pode ser responsabilizado por corrupção passiva, pois não tinha qualquer ingerência na celebração de contratos com a Petrobras e não participou do engendramento dos respectivos contratos, atuando somente na posterior fase de lavagem dos correspondentes valores. Reputa de inepta a denúncia neste ponto, por não referir qualquer conduta de YOUSSEF que caracterize a prática de corrupção passiva, não descrevendo as condutas do réu que “omitiram ou realizaram atos próprios de funcionários públicos”. Pede ainda a ordenação das provas nos autos, a fim de facilitar o exercício do direito de defesa.

10:47:04 Deltan Com um colaborador desses, não precisamos de adversários

2 Jun 15

09:58:33 Deltan Agora quero ver quem quer se lotar em Curitiba… e o frio está chegando… Curitiba é para os fortes

10:26:48 Deltan Caros, quem redigiu o acordo do Julio Camargo? Precisamos da versão editável dele

11:39:08 Roberson MPF Pessoal, Alberto Youssef sustentou preliminares de (a) nulidades das interceptações, (b) inversão de etapas processuais (designação de aud antes da resposta preliminar) e (c) necessidade de reunião das ações penais.

11:39:32 Roberson MPF Protocolo efetuado no dia 01/06

11:43:20 Athayde Pessoal, Alberto Youssef sustentou preliminares de (a) nulidades das interceptações, (b) inversão de etapas processuais (designação de aud antes da resposta preliminar) e (c) necessidade de reunião das ações penais.

11:43:25 Athayde Protocolo efetuado no dia 01/06

11:46:00 Deltan Januário e CF, eles fizeram isso depois de Vcs falarem com eles e eles dizerem que não fariam mais isso… acho que era o caso de dizer, ainda que seja blefe, que não dá mais para fazer acordo com eles como advogados, pq não são mais confiáveis, ou algo assim…

21:00:04 Januario Paludo Falei com o Figueiredo. Ele disse que já havia avisado a equipe e foi um erro do bretas. Vamos ver amanhã o que ele resolve.

4 Jul 15

11:46:24 Deltan VALOR: sai na segunda entrevista do Marco Aurélio STF dizendo que as escutas podem anular lava jato

11:47:16 Deltan O que acham de ouvir Y formalmente para consignar que ele nunca foi confrontado com nada dessa suposta escuta? Preventivamente , antes que eles desenvolvam a tese de nulidade?

11:47:24 Deltan Arriscado?

11:53:52 Deltan O valor vai publicar maldades do Mesquita e Iegas se dermos

11:54:08 Deltan Vou passar um material na segunda que tenho do Mesquita

12:11:40 Vamos tomar cuidado com o Youssef, pois podemos ser acusados de manipulação.

12:13:36 Creio que podemos fazer um artigo a respeito. Mas vamos esperar um pouco.

12:15:52 Minha vontade é somente dizer que há desinformados emitindo irresponsavelmente, ou pior, opiniões.

12:17:44 Eu já separei o artigo do Fernando Rodrigues. Por isso quero o acordo com a Borghi-Lowe, para poder entrar na SECOM.

12:49:48 Vou escrever um artigo chamado ‘O Ministro boquirroto’

13:10:48 Andrey B Mendonça Deltan, o Y ja me falou q acha q descobriram algo por conta dessa interceptação

13:10:52 Orlando SP Não adianta ouvir youssef. A nulidade decorreria da informação

13:11:08 Andrey B Mendonça Eh arriscado

13:11:20 Orlando SP Ou Seja, da informação obtida ilegalmente

13:11:49 Orlando SP É melhor não mexer e torcer para não ter nada naquele computador

13:12:08 Orlando SP Apreenderam os computadores dos dps tb!

13:44:20 Deltan Ich… Tomara que não achem os vazamentos dos DPs kkkk

13:44:47 Deltan Pedi um levantamento do Coex de tudo que tem do Iegas e do Mesquita

14:11:20 Diogo Quero ver ser macho pra anular a lavajato

14:11:32 Diogo Se fizer isto vai ter revolução

14:16:56 Deltan Iero ver ser macho pra devolver mais de 500 milhões pros reus confessos

14:43:40 Deltan To levantando hoje a questão do Iegas e Mesquita pro Valor publicar junto na segunda, qdo for falar do Marco Aurélio

19 Jun 15

18:31:16 Januario Paludo Figueiredo:Petição de desistência protocolada

18:31:32 Januario Paludo Aos 45 minutos. Tem que ver!!!

18:37:40 Deltan Hahaha ah garoto

18:37:48 Deltan E nos? Desistimos?

18:38:56 Januario Paludo No. Mas eu só acredito vendo a petição.

 

•        Lava Jato fraudou investigação que teria evitado delação de Youssef, diz advogado do doleiro

Em entrevista exclusiva ao Jornal GGN, o advogado Antônio Figueiredo Basto, defensor de Alberto Youssef na Lava Jato, afirmou que o acordo de delação premiada com a força-tarefa de Curitiba “jamais” teria acontecido se a investigação sobre o grampo ilegal não tivesse sido arquivada precocemente, jogando para debaixo do tapete mais uma nulidade praticada pela operação em sua origem.

O arquivamento tem as digitais de agentes da Lava Jato em Curitiba e, mais grave do que isso, segundo Basto relatou ao GGN, houve também “fraude”, já que foram prestadas informações falsas à sindicância que apurava o origem e intuito do grampo ilegal.

“Nós tomamos medidas durante anos para ter acesso [à sindicância que foi arquivada e está em sigilo]. Recentemente, o juiz da 13ª Vara nos negou acesso dizendo que não havia interesse da defesa em conhecer aqueles autos. Como não temos interesse? Temos interesse, sim! Muda totalmente o acordo do Youssef”, disse Basto.

“Se tivéssemos a oportunidade de combater [a operação] com essa nulidade, certamente o acordo não teria aconteceria. Ou não aconteceria nas condições em que aconteceu. A ideia nunca foi fazer acordo. O acordo vai acontecer depois que o [ex-gerente da Petrobras] Paulo Roberto Costa ter feito, e quando já não havia mais como escapar daquele assédio e pressão [para delatar]”, revelou Basto.

Na entrevista ao jornalista Luis Nassif, transmitida ao vivo no Youtube, na noite de quarta (22), Figueiredo Basto afirmou que a Lava Jato tem três “nulidades grosseiras” em sua origem:

•        a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgar todos os casos;

•        Sergio Moro era suspeito em relação a Youssef, a quem já tinha julgado antes, no caso Banestado;

•        a intercepção ilegal na cela de Youssef é uma prova ilícita que gerou centenas de horas gravadas – que provavelmente foram usadas pela Lava Jato para criar estratagemas.

Com base nessas três nulidades, Basto – que levou ao Supremo Tribunal Federal sua demanda a respeito do grampo ilegal – defende que “a Lava Jato seja anulada por completo. Não pode ser anulada em frações, para um ou para outro. (…) Tem que se ter coragem de dizer: nós erramos, o Estado brasileiro errou, os tribunais erraram. E, agora, os que erram têm que ser responsabilizados.”

SERGIO MORO, DELTAN DALLAGNOL E A FALSIFICAÇÃO

Basto relatou ao GGN que após seu sócio, Luis Gustavo Flores, registrar a famosa foto onde Youssef segura o aparelho clandestina localizado em sua cela, a defesa procurou Sergio Moro oficialmente para saber se ele tinha autorizado grampo da Polícia Federal na cela do doleiro. “Ele disse que não. Nós denunciamos esse fato e, imediatamente, eles varreram tudo para debaixo do tapete”, disse Basto.

Segundo o advogado, Moro estaria implicado na história porque um ex-delegado da Polícia Federal, O Moscardi Grillo, confessou à época que “Moro exigiu que ele entregasse os relatórios [da sindicância] ao Moro antes de qualquer outra pessoa. Ou seja, havia uma interferência do juiz diretamente numa investigação da PF, o que é um abuso, um absurdo. Não estou dizendo que Moro sabia da interceptação; agora, que ele depois atuou de forma direta para que isso fosse encoberto, não há dúvida.”

Já sobre o papel dos procuradores de Curitiba no arquivamento do caso, Basto invoca as conversas reveladas na Operação Spoofing. “Na Spoofing você vê o [procurador] Orlando Martello dizendo que qualquer advogado mediano anularia a operação inteira em razão da gravidade daqueles fatos, e o Deltan Dallagnol imediatamente responde: ‘precisamos tomar providências para anular isso [a sindicância para apura ro grampo] o mais rápido possível’. Não passaram 10 dias, e isso foi arquivado a pedido do Januário Paludo – contrariando, inclusive, o relatório da Polícia Federal que insistia em continuar a investigação. Ainda assim, um juiz federal daqui de Curitiba [Nivaldo Brunoni] arquivou a investigação [em 2019, sem a PF ter tido tempo de realizar diligências básicas].”

Para Basto, “o mais grave de tudo isso é que eles falsificaram, houve a falsificação numa sindicância, que é a 04/2014, dizendo que aquele aparelho era para gravar Fernandinho Beira-Mar. Mentira, quando ele estava preso na Superintendência da Polícia Federal, esse aparelho sequer havia sido adquirido pela PF. Ele estava cadastrado para outra operação, com Alberto Youssef. E eles mentiram mais: disseram que o aparelho não estava ativo. Um laudo da própria PF desmentiu. Não só estava ativo como houve interceptação e gravaram várias e várias horas que ninguém sabe o que tem. Ou seja, é uma prova ilícita que estava no cerne da Lava Jato.”

“Entramos com medidas no Supremo Tribunal Federal para que seja apurado, porque não houve vontade de apurar. Todas as tentativas que eles fizeram [para abafar o caso] estão dentro da sindicância 05/2015, a qual elucida todas as falsidades“, pontuou Basto, frisando que só conseguiu avançar com o caso de Youssef quando o juiz federal Eduardo Appio assumiu a 13ª Vara. No entanto, Appio sofreu um revés na Justiça e foi removido para uma Vara previdenciária. “O colocaram num exílio jurídico porque ele estava tirando do armário os esqueletos mais pobres que estavam escondido.”

 

Fonte: Jornal GGN

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário