A mulher que ajudou a prender estuprador
que fingiu a própria morte para fugir da polícia
Jade Skea era
adolescente quando conheceu o carismático comerciante de rua Kim Avis.
Ela não sabia que esse
encontro a levaria a um relacionamento controlador e abusivo de uma década,
além de uma história que envolveu uma simulação de morte, uma caçada humana
internacional e um julgamento em um tribunal superior da Escócia.
Pela primeira vez,
Jade contou a história de como ela e outros levaram Kim Avis à Justiça.
Tudo começou no início
dos anos 2000, quando Avis tinha uma banca de joias no coração de Inverness, na
Escócia, que ela costumava visitar com amigos.
Avis era bem conhecido
na cidade por sua arrecadação de fundos para caridade - incluindo por fazer
ambiciosos percursos nadando no Lago Ness - e aparecia regularmente na imprensa
escocesa.
"Era quase como
se ele fosse uma espécie de celebridade local", diz ela.
Aos 18 anos, Jade via
regularmente Avis, que estava na casa dos 40 anos.
"Ele não era como
os outros adultos", lembra Jade. "Nós meio que sentíamos que ele era
um de nós."
À medida que o
relacionamento deles se tornou mais sério, Jade Skea se isolou de sua família e
dos amigos e foi viver com Avis em uma casa nos arredores de Inverness.
"Olhando para
trás agora, sei que parte do plano era apenas me isolar de tudo", diz ela.
Em pouco tempo, Jade
começaria a ver o outro lado de Avis.
"Ele apareceu uma
noite e agiu de forma bastante errática. Estava chateado com alguma
coisa", diz ela.
"Ele subiu em uma
mesa de piquenique que estava fora da casa e começou a uivar e a fazer barulhos
estranhos de animais."
Jade conta que depois
disso Avis bateu nela pela primeira vez.
Avis passou a submeter
Jade a uma vida de violência física e abusos. Ele a estuprou novamente em sua
casa, chamada por ele de "Covil dos Lobos".
"Lembro-me de
sentir que aquilo era apenas o fim, que esta seria a minha vida para sempre”,
diz Jade.
Em 2015, após anos de
violência, Jade decidiu agir.
"Ele nunca pensou
que eu iria denunciá-lo à polícia", diz ela.
"Não acho que ele
pensasse que eu tinha isso em mim. Ele provavelmente ficou bastante
chocado."
E Jade não estava
sozinha.
Três outras mulheres
se apresentaram para contar as suas histórias de como Avis as estuprou e abusou
ao longo de décadas. Duas delas eram crianças na época do abuso.
"Quando outras
pessoas se apresentaram, nesse ponto tudo se desfez completamente para
ele", diz Jade.
Avis foi processado
por múltiplos estupros e agressões sexuais contra quatro mulheres. Ele foi
libertado sob fiança e a data do julgamento foi marcada para março de 2019.
O problema era que ele
não estava mais no país.
Kim Avis vendeu
rapidamente seu "Covil dos Lobos" por 245 mil libras, comprou uma
passagem de avião e viajou para Monastery Beach, na Califórnia.
O local é conhecido
por frequentes afogamentos acidentais. Era lá que Avis tentaria simular sua
própria morte.
"Ele não tinha
nada a perder naquele momento. Se ele não tem nada a perder, você simplesmente
não sabe do que ele é capaz, porque ele está completamente perturbado",
diz Jade.
O filho mais velho de
Avis, que estava com ele nos EUA, denunciou seu desaparecimento, mas após três
dias de buscas, ficou claro que o afogamento era uma farsa e que o estuprador
em série estava à solta.
Documentos policiais
do Departamento do Xerife do Condado de Monterey registraram denúncias de
pessoas que dizem ter visto Avis por toda a costa da Califórnia nos dias
seguintes ao desaparecimento.
Uma testemunha
descreveu Avis como um "escocês maluco", outra falou sobre como o
homem desaparecido estava indo para Montana, onde comprou uma propriedade.
Meses depois, um homem
misterioso com um sotaque incomum chegou a uma barraca que vendia pedras
preciosas nas montanhas perto de Colorado Springs, a cerca de 2.100 quilômetros
de onde Avis havia “desaparecido”.
O homem, que disse se
chamar Cameron MacGregor, gastou cerca de U$ 3 mil na barraca, administrada por
uma mulher chamada Angie.
"Ele era
realmente esquivo", diz ela. "Eu sabia que algo estava errado."
O homem alegou ser
escocês e exibia uma tatuagem inacabada de um lobo gigante nas costas.
Angie diz que ele era
um homem simples, mas que sempre tinha muito dinheiro.
"Ele estava
sempre jogando dinheiro por aí”, diz ela. "Ele comprava comida para todo
mundo e poderia estar comprando amigos."
Ele disse a Angie que
era cidadão americano.
"Pedi para ver o
passaporte dele e ele ficou bravo. Ele dirigiu por cerca de uma hora. Pensei:
'isso é estranho, isso é realmente peculiar, ele está falando sobre uma caça às
bruxas, algo não está certo aqui.'"
Angie não acreditava
mais que Cameron MacGregor fosse quem dizia ser.
"Tirei uma foto
das placas do carro dele. Eu tinha um amigo policial. Pedi que ele verificasse
as placas", conta.
Angie diz que recebeu
um telefonema do US Marshals, uma agência governamental que caça fugitivos além
das fronteiras estaduais.
"Eles disseram
'fique longe dele, ele é perigoso'", diz ela.
Eles pediram a Angie
informações sobre o paradeiro de Avis.
Os US Marshals
reuniram várias denúncias, relatos de testemunhas e transações financeiras do
escocês na área.
Depois, receberam
outra informação que dava conta de que Avis estava em um hotel.
Os policiais
procuraram todas as rotas de fuga possíveis durante horas enquanto esperavam
que Avis aparecesse.
Seus últimos momentos
de liberdade foram capturados por câmeras corporais usadas pela polícia local.
Ele foi processado em
Denver antes de ser transferido para uma prisão federal para aguardar a
extradição para a Escócia.
Quando foi preso, Avis
tinha mais de US$ 50 mil em dinheiro, além de moedas de ouro. Ele também tinha
uma van nova que comprou nos EUA.
Angie diz que o
dinheiro ficou com Avis, então ela recebeu uma procuração. Ela acabou vendendo
a van por US$ 20 mil e devolveu a maior parte do dinheiro restante para Avis.
Enquanto ele estava na
prisão federal, Angie o visitou três vezes. Avis não tinha ideia de que ela
provavelmente estava por trás de sua prisão.
A sua última visita
foi depois de Avis ter regressado à prisão na Escócia. Quando ela o viu na
prisão em Edimburgo, ela decidiu lhe contar um segredo.
"Eu disse: 'quer
saber, fui eu quem entregou você'", lembra ela.
"Ele estava
chateado. Eu disse 'você não entende. Você mentiu para a garota americana
errada'."
Mais de dois anos após
desaparecer na costa da Califórnia, Avis foi condenado por estupro e crimes
sexuais contra quatro mulheres em junho de 2021 na Escócia.
Foi condenado a 15
anos de prisão – 12 anos por crimes sexuais e três anos por não comparecer ao
tribunal.
Ele foi levado para um
presídio em Edimburgo, onde permanece até hoje.
"Não acho que ele
deveria ser libertado", diz Jade.
"Ele é um perigo
para qualquer pessoa com quem tenha contato de alguma forma. Ele arruinará
absolutamente qualquer pessoa com quem estiver por perto por tempo suficiente.
E eu não acho que ele deveria ser solto novamente."
Fonte: BBC Escócia
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