A solidão
crônica é uma torrente
A solidão
crônica não traz problemas apenas para quem a sente. Segundo um estudo recente,
ela se dissemina no tecido social tal como uma doença, “infectando” as pessoas
mais próximas, que tendem a seguir o mesmo padrão de comportamento
É
inevitável: nas ocasiões em que mais se espera ver gente reunida comemorando,
como o Natal, o Réveillon ou o dia do próprio aniversário, certamente há
pessoas sofrendo com a solidão. Em determinados indivíduos, porém, essa
sensação se prolonga por muito mais tempo, tornando-se crônica e contaminando
inclusive o dia a dia. Segundo John Cacioppo, neurocientista e psicólogo da
Universidade de Chicago (Estados Unidos), em qualquer momento que se escolha,
por volta de 60 milhões de norte-americanos – cerca de um entre cinco –
sentem-se tão isolados que esse estado os torna seriamente infelizes. E o
problema não respeita fronteiras geográficas: em cidades que exemplificam a
formidável expansão econômica da China, como Xangai ou Ghangzhou, grupos
sociais tradicionalmente orientados pelo sentimento de comunidade estão
começando a sofrer de uma severa solidão. Aparentemente, a chegada da riqueza
também está fazendo muitos chineses se sentirem mais sozinhos.
Cacioppo
tornou-se um nome fundamental no moderno estudo da solidão. Ele é coautor de
Loneliness: The need for social connection (Solidão: A necessidade de conexão
social), livro publicado pela W. W. Norton & Company em 2008, e faz parte
da equipe que assina uma pesquisa sobre o tema publicada no Journal of
Personality and Social Psychology. Esse trabalho, que reuniu especialistas das
universidades de Chicago, Califórnia-San Diego e Harvard, revelou que a solidão
indesejada pode se comportar como uma doença, capaz até de contagiar outras
pessoas. “A solidão se dissemina através do tempo”, afirma o neurocientista.
“Ela viaja
através das pessoas. Em vez de um germe, ela é transmitida por meio de nossos
comportamentos.”
O banco de
dados que serviu de base para o estudo da equipe de Cacioppo é o mesmo
Framingham Heart Study usado por James Fowler e Nicholas Christakis para
investigar a felicidade (ver a esse respeito PLANETA 447, págs. 70-73). Os
pesquisadores das três universidades envolvidas no trabalho utilizaram
entrevistas feitas com mais de 5 mil pessoas ao longo de 10 anos, coletando
suas histórias de amizade e de solidão.
A análise
do material mostrou que indivíduos solitários tendem a se mover para as
extremidades dos círculos sociais, onde possuem cada vez menos amigos. Antes de
fazer essa migração, porém, eles “infectam” os amigos remanescentes com seus
sentimentos de solidão. Estes, por sua vez, tendem a ficar com um número de
relacionamentos próximos cada vez menor, o que os leva a se tornarem solitários
e a transitarem para a periferia dos círculos sociais, transmitindo sua solidão
para outros amigos. Com isso, o ciclo pode se repetir continuamente, num
processo que Cacioppo compara ao de um fio solto na ponta de uma blusa de
malha.
“Detectamos
um padrão extraordinário de contágio, que leva as pessoas à fronteira da rede
social quando ficam solitárias”, afirma o neurocientista. “Na periferia (da
rede social) as pessoas têm menos amigos, e a solidão dessas pessoas as leva a
perder os poucos laços que ainda têm.”
De acordo
com os dados recolhidos no estudo de Framingham, um amigo de uma pessoa
solitária era 52% mais propenso a desenvolver sentimentos de rejeição social, e
qualquer um de seus amigos tinha 25% mais chances de se sentir sozinho, por seu
lado. Até mesmo um amigo de um amigo de um amigo corria um risco maior de
conviver com a solidão.
“Quando
ficam sozinhas, as pessoas tendem mais a interagir negativamente com outras que
encontram”, afirma Cacioppo. “Se você tem dois vizinhos que são amigos e um
fica sozinho, eles começarão a tratar um ao outro de forma menos amigável. Em
última instância, eles estão menos propensos a ser amigos.”
Embora o
estudo mostre o potencial de “contágio” da solidão, Cacioppo ressalta que ela
não é uma doença, nem mesmo uma fraqueza individual. De acordo com o
neurocientista, ela é definida mais adequadamente como uma reação biológica,
comparável à fome, à sede ou à dor. “A sociedade tende a pensar nela como uma
característica individual – existem apenas solitários”, comenta Cacioppo. “Mas
essa é a concepção errada do que é a solidão. Trata-se de um sinal biológico
que nos motiva a corrigir algo de que precisamos para a sobrevivência genética.
Precisamos de relacionamentos de qualidade. Não sobrevivemos bem sozinhos.”
As
limitações das redes sociais eletrônicas
Mídias
sociais do gênero Facebook e Twitter podem parecer, em princípio, alternativas
atraentes para os solitários, mas o neurocientista John Cacioppo não se anima
muito com essa possibilidade tecnológica. “Se você está isolado devido a um
problema físico ou seu cônjuge sofre da doença de Alzheimer, então o Facebook
pode ser uma vantagem real”, afirma ele. “Mas quando você está passando seu
tempo no Facebook em vez de ficar frente a frente com amigos, isso incrementa
sua solidão. Estamos falando de qualidade. As pessoas solitárias usam as redes
sociais como um substituto; já as não solitárias as utilizam para dar sinergia
aos relacionamentos que têm. A pessoa com 4 mil amigos no Facebook pode muito
bem ser um individuo muito solitário.”
Os
estragos que a solidão faz na saúde atingem tanto o terreno físico quanto o
mental. O estudo da equipe de Cacioppo mostrou que ela está relacionada à
depressão, ao aumento da pressão sanguínea, à elevação do nível do cortisol
(hormônio do estresse) e ao desequilíbrio do sistema imunológico. Ela reduz
ainda mais a qualidade de vida ao estimular a ansiedade, a timidez e a sensação
de que o solitário não sabe se relacionar bem. Segundo Cacioppo, pesquisas
anteriores já haviam mostrado que a solidão pode deixar as pessoas mais
desconfiadas em relação às outras e colocar o cérebro numa posição defensiva:
“Seu cérebro lhe diz que as pessoas o estão rejeitando. A solidão pode
distorcer a mensagem que você está ouvindo.”
Como sair
dessa enrascada? Para Cacioppo, a estratégia deve começar com uma drástica
revisão sobre o que é a solidão de fato – trata-se apenas do corpo enviando um
sinal de alerta, sublinha o neurocientista. “Todos os seres humanos normais se
sentem sozinhos em algum ponto no tempo, assim como sentem fome, sede e dor.
Mas, enquanto temos tigelas cheias de comida, torneiras para água e remédios
para dor, não temos nada comparável para a solidão. Não estou lhe dizendo que
você precisa de uma tigela cheia de amigos, mas, se você se sente sozinho,
preste atenção e não tenha pressa para corrigir isso.”
O
neurocientista acredita que a sociedade deverá ter benefícios se cuidar das
pessoas que foram para a periferia dos círculos sociais. Ele propõe que os
vizinhos estabeleçam contato uns com os outros e acrescenta que isso seria
facilitado se as cidades se tornassem locais mais adequados para caminhar. Aos
seriamente solitários ele sugere ajudar os outros por meio de trabalhos
voluntários, como atuar em entidades beneficentes, ou cozinhar para conhecidos.
“Quando você está sozinho, sente que poderia até comer outras pessoas”, comenta
o neurocientista. “Mas o truque é alimentá-las.”
Fonte:
Planeta
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