Petróleo é o que menos importa para o Brasil na OPEP+, opinam
especialistas
A entrada do Brasil na Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP) sinaliza muito mais um engajamento com os países do denominado Sul
Global, que prezam pelo multilateralismo na ordem geopolítica atual, do que uma
estratégia econômica, de acordo com analistas ouvidas pela Sputnik Brasil.
O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou neste fim de
semana à imprensa que o Brasil não vai "apitar nada" como novo
integrante da OPEP+, que inclui países sem direito a voto e aos quais não são
impostos limites de produção.
A futura entrada do Brasil na OPEP+ como observador é uma aposta do país
sul-americano em se consolidar como potência energética no cenário geopolítico
mundial.
Além de ser o maior país produtor de petróleo da América Latina, o
Brasil é reconhecido internacionalmente enquanto um dos principais players do
cenário de óleo e gás do Atlântico Sul, pontuou a pesquisadora de Óleo, Gás
& Biocombustíveis e Geopolítica da Energia do Centro de Estudos de Energia
da Fundação Getulio Vargas (FGV Energia) Luiza Guitarrari.
Em entrevista à Sputnik Brasil, ela comentou que a participação
brasileira na organização está em sintonia com a política externa do governo
Lula de participar de fóruns de discussão multilaterais, estabelecer novos
acordos comerciais com atores-chave da economia global e, por extensão, retomar
sua influência geopolítica para além do Atlântico Sul.
"Acredito que a sua participação esteja mais ligada a um projeto de
reposicionamento do Brasil na geopolítica energética enquanto fornecedor
confiável para o mercado consumidor do petróleo. Desse modo, suas credenciais
no setor petrolífero podem se refletir em sua pauta de descarbonização dentro
do mesmo setor", opinou.
Na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2023
(COP28), em Dubai, na última semana, o governo brasileiro fez um esforço para
se estabelecer enquanto líder em temas que versam sobre o desenvolvimento
sustentável, a transição energética e soluções de baixo carbono, e esse é, para
analistas, o grande trunfo da política externa brasileira para esta década.
Entretanto essa participação implica novos desafios, ponderou
Guitarrari:
"Restam dúvidas sobre o grau de atuação e o poder de decisão que o
Brasil terá dentro do grupo, especialmente no âmbito da formulação de políticas
voltadas para o segmento de óleo e gás na organização, que conta com a
participação de países sob sanções, como Irã e Rússia, podendo ser um entrave
no momento das discussões", destacou.
Segundo a pesquisadora da FGV, o Brasil precisa tomar cuidado para não
ter sua imagem de líder da transição energética prejudicada em face de um
possível alinhamento a uma organização que reúne países com grande
predominância de fontes fósseis em sua matriz energética e elevado volume de
emissões de carbono.
Por outro lado, salientou ela, a adesão à OPEP+ enquanto membro
consultivo sinaliza que o objetivo é assegurar, através do diálogo, que o
suprimento do petróleo ocorra de maneira eficiente e regular aos consumidores e
a alocação de parte dos investimentos ao setor energético de países menos
desenvolvidos na América Latina e na África.
Considerado o nono maior país em produção de petróleo, o Brasil, segundo
ela, pode impulsionar projetos de transição energética e soluções de baixo
carbono na indústria de óleo e gás, "dados os seus projetos atuais de
aproveitamento da infraestrutura offshore, a exemplo do hidrogênio, da captura
e do armazenamento de carbono [CCS, na sigla em inglês] e das eólicas
offshore".
Guitarrari explicou que desde 2016 a indústria de óleo e gás brasileira
tem investido cerca de US$ 3,5 bilhões (cerca de R$ 18 bilhões) no segmento de
pesquisa e desenvolvimento de projetos voltados para a transição energética
verde, servindo de inspiração para os países da OPEP.
Juliana Inhasz, professora e coordenadora do Departamento de Economia do
Insper, ressaltou que a energia verde e soluções tecnológicas com menor emissão
de carbono no setor são prioridades do Brasil em projetos voltados ao setor
energético, como já anunciado pelo país na COP28.
"Na mesma linha, em declarações recentes, o Ministério do Meio
Ambiente e Mudanças Climáticas espera que a participação do Brasil na OPEP+
amplie o debate sobre economia verde e descarbonização", disse a
professora do Insper à Sputnik Brasil.
A expectativa de crescimento positivo do PIB de países do Oriente Médio
para o biênio 2023–2024 também é uma oportunidade para o Brasil, agora como
membro, de atrair novos investimentos para projetos de energia de baixo
carbono, comentou a pesquisadora da FGV.
O maior compartilhamento de informações sobre o mercado global de
petróleo é outro benefício que o Brasil poderá ter em momentos de oscilações
nos fundamentos de mercado, destaca Guitarrari.
Além disso, a entrada do Brasil na OPEP+ posicionará o país "em uma
das organizações multilaterais mais importantes para o comércio internacional
sob um regime de paridade política", concluiu ela.
Petrobras será das últimas
empresas a parar de explorar petróleo, diz Prates
Após o Brasil receber, no fim da tarde da segunda-feira (4), o
antiprêmio “Fóssil do Dia” na 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU),
a COP28, o presidente da Petrobras Jean Paul Prates reafirmou que a empresa
será uma das últimas a parar de explorar petróleo no mundo.
Questionado pela Agência Pública se ele tem a intenção de que isso
ocorra, respondeu: “Não tenho essa intenção. Acontecerá isso”. Prates deu uma
breve entrevista após participar de um debate sobre descarbonização do setor de
óleo e gás no pavilhão brasileiro na COP, que acontece até dia 12 de dezembro
em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
“A gente tem que se preparar para administrar isso [o prolongamento das
atividades], porque as empresas privadas vão ter uma agilidade maior, ela vão
buscar [fazer a transição energética de maneira mais rápida], até porque os
acionistas, o financiamento, tudo vai levá-las à transição”, disse Prates. “As
empresas estatais mistas e as estatais nacionais, como Adnoc [dos Emirados
Árabes] e Aramco [da Arábia Saudita], vão acabar herdando essa responsabilidade
[de produzir o petróleo que ainda for necessário] e vão ser cobradas pelo
mundo”, justificou.
“E não vai haver problema nisso, de fazer operações cada vez mais
descarbonizadas. O mundo vai dizer assim: “olha, ainda preciso de petróleo, por
favor, tente ser o mais descarbonizado possível para que você cumpra essa
missão e nos supra enquanto nós fazemos a transição’”, adicionou.
Em sua fala, ele não ponderou o impacto que uma queima ainda prolongada
de combustíveis pode ter sobre a crise climática. No dia anterior, porém, ele
compartilhou em sua conta no X/Twitter um vídeo do secretário-geral da ONU,
António Guterrez, cobrando, no plenário da COP, as empresas de combustíveis
fósseis:
“A indústria de óleo e gás responde por apenas 1% dos investimentos em
energia limpa. Então permitam-me enviar uma mensagem para os líderes das
empresas de combustíveis fósseis: Seu antigo papel está rapidamente
envelhecendo. Não dupliquem um modelo de negócios obsoleto. Liderem a transição
para as energias renováveis usando os recursos que vocês têm disponíveis. Não
se enganem. O caminho para a sustentabilidade climática também é o único
caminho viável uma sustentabilidade econômica das suas empresas no futuro”,
afirmou o português. Junto ao vídeo, Prates comentou: “E é esse processo que
estamos liderando em nossa @Petrobras. Do Brasil para o mundo.”
Já a frase sobre a Petrobrás ser uma das últimas a continuar explorando
óleo foi dita cerca de uma hora depois de o Brasil receber o nada honroso
“Fóssil do Dia”, concedido nas COPs pela Climate Action Network (CAN) a nações
que atrapalham o progresso das negociações. A rede internacional que reúne mais
de 1.300 organizações não governamentais dedicadas à pauta climática faz
irônica premiação desde 1999, em cerimônias simbólicas ao fim de cada dia de
conferência.
Nesta segunda-feira, o agraciado foi o Brasil por ter “confundido a
produção de petróleo com liderança climática”, segundo a justificativa feita
pela CAN. A escolha se deu pela entrada do país na Opep+, grupo estendido da
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), durante a COP28. O
anúncio, inicialmente feito pelo ministro de Minas e Energia Alexandre da
Silveira e confirmado no último dia 2 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), ofuscou a pauta positiva que o governo levou a Dubai, protagonizada pela
queda do desmatamento na Amazônia no último ano.
Durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), o Brasil recebeu a premiação
mais de uma vez em COPs, mas isso não era esperado neste ano pelo discurso
enfático de Lula na área ambiental e os avanços no combate ao desmatamento, a
principal fonte de emissões de gases de efeito estufa no país.
“A corrida do Brasil ao petróleo mina os esforços dos negociadores
brasileiros em Dubai, que estão tentando romper velhos impasses e agir com
senso de urgência”, criticou a CAN ao divulgar o Brasil como ganhador do
prêmio. “Não queremos um passeio pelos campos de petróleo quando estivermos em
Belém em 2025”, citou a entidade, referindo-se à COP30, que deve ocorrer na
capital paraense.
A nota da CAN mencionou ainda reportagem da Pública que revelou que,
caso seja explorado todo o petróleo que se estima existir na chamada Margem
Equatorial – faixa entre os litorais do Amapá e do Rio Grande do Norte –, as
emissões de gases de efeito estufa decorrentes de sua queima anulariam, em
níveis mundiais, os ganhos alcançados com a redução do desmatamento da
Amazônia.
Ø "Petróleo
na Margem Equatorial deve ser fonte de riqueza", diz ministro de Minas e
Energia
Para Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, o anúncio da entrada do
Brasil à Opep+ não causou mal-estar. Em Dubai, Silveira anunciou a adesão do país
ao subgrupo comandando pelos maiores produtores de petróleo um dia antes do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursar na Conferência do Clima, COP28.
"Ninguém pode negar que o Brasil explora petróleo. Tanto é que nós
temos uma das maiores empresas que tem maior expertise em explorar petróleo em
águas profundas, que é a Petrobras",
justificou em entrevista à DW nesta segunda-feira (04/12) depois de participar
de um debate no pavilhão que o governo federal montou na conferência.
Questionado se a COP28 deve fixar uma data para o fim da era fóssil, uma
das principais discussões no evento, Silveira foi evasivo. Ele disse que vai
liderar o debate dentro do G20 para que a conta da descarbonização seja paga
pelos países que mais poluíram historicamente, e não pelos países em
desenvolvimento.
Embora a ciência seja clara sobre a obrigatoriedade da redução drástica
da queima de combustíveis fósseis para conter o aquecimento
global, o ministro brasileiro defendeu ainda a abertura de novas frente de
exploração no país, incluindo na região chamada de Foz do Amazonas.
No fim deste quinto dia de COP28, após a publicação da entrevista, o
Brasil ganhou o antiprêmio Fóssil do Dia, uma tradição mantida pelas entidades
da sociedade civil nas conferências do clima. O antiprêmio visa expor governos
que prejudicam o meio ambiente ou têm posições contrárias aos objetivos da
conferência.
LEIA A ENTREVISTA:
·
No dia da abertura da Conferência do Clima em Dubai, o senhor participou
de uma reunião com a Organização dos Países Exportadores do Petróleo (Opep) e anunciou a
entrada do Brasil para o subgrupo chamado de Opep+. O senhor não acha que isso
causou um mal-estar bem na abertura da COP28?
Alexandre Silveira: Muito pelo contrário. Na verdade, o Brasil
nunca escondeu que sua grande potencialidade é exatamente a sua pluralidade
energética, sua diversidade energética. É importante destacar que o Brasil já é
um grande líder da transição energética no mundo, e aqui na COP isso ficou
claro. Temos 88% da nossa matriz energética limpa e renovável.
Tivemos investimentos robustos na construção de hidrelétricas, inclusive
em mandatos do presidente Lula, como Belo Monte, Jirau, Santo Antônio.
Continuamos fazendo investimento para aumentar a produção de energia eólica,
solar e biomassa no Nordeste brasileiro.
A questão da OPEP+ é importante destacar que nada tem a ver com o núcleo
da OPEP que discute a questão do controle de petróleo. A OPEP+, na verdade, é
uma carta de adesão, de cooperação, de uma plataforma que discute a estratégia
dos investimentos dos países petroleiros do mundo. Ninguém pode negar que o
Brasil explora petróleo. Tanto é que nós temos uma das maiores empresas que tem
maior expertise em explorar petróleo em águas profundas, que é a Petrobras.
·
Vamos falar sobre o petróleo?
Eu vou continuar, com maior alegria e toda clareza. Falando sobre
petróleo, vou falar aqui sobre a França. A França não tem petróleo, mas tem a
terceira maior petroleira do mundo, que é a Total Energies, que inclusive
explora petróleo no Brasil.
O debate que nós temos que fazer é o seguinte: a transição energética
tem que ser um instrumento de proteger o planeta, de aumentar a
sustentabilidade, e o Brasil já está fazendo isso com louvor. Há esse
reconhecimento aqui em todos os fóruns que eu tenho participado na COP.
Inclusive o relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) aponta a
América Latina como a região que mais protege o meio ambiente no planeta. O que
nós precisamos fazer, na verdade, é um debate com os países desenvolvidos para
como a transição vai se dar de forma justa, inclusiva, e como disse o Papa
Francisco, obrigatória.
Enquanto nós não criarmos um mecanismo internacional onde os países em
desenvolvimento sejam financiados de forma mais justa, com juros mais baratos
pelos bancos multilaterais para avançar na transição energética, enquanto não
tivermos uma forma de aquilatar a emissão de carbono pelos países que emitem
mais – e esses países a gente sabe muito bem que são industrializados – nós não
vamos conseguir alcançar o grande objetivo da sustentabilidade e transição
energética.
Na minha visão, o principal ponto da transição energética é a proteção
planetária. Mas ela tem uma outra missão, que é incluir o povo do Sul global,
em especial, na cidadania, combatendo a desigualdade, gerando emprego e renda
com oportunidade. E o Brasil não vai perder esta oportunidade.
·
Mas vamos falar de emissões, ministro. A gente tem uma realidade, que
está sendo discutida aqui na COP, que mostra que o mundo não pode mais emitir
gases do efeito estufa, que o limite para queima do petróleo foi ultrapassado.
A ciência mostra que não se pode mais abrir novos poços de petróleo para que se
cumpra o Acordo de Paris...
O relatório da IEA mostra de forma clara o que tem feito
geopoliticamente as regiões para salvaguardar o planeta. A América Latina, os
países do Sul global, os países mais pobres que financiam de forma mais vigorosa
a transição energética. Para que seja justa e inclusiva, a transição não pode
penalizar mais ainda as pessoas que mais precisam de serem incluídas na
cidadania.
·
E essa inclusão é com petróleo, é isso que o senhor está querendo dizer?
Não. Ao contrário. É com os países ricos, desenvolvidos, num debate
internacional honesto, transparente claro, como o presidente Lula tem liderado.
Eu fui a Goa [Índia] e me reuni com 46 ministros de energia no mundo
inteiro, desenvolvidos e do Sul global, fazendo este mesmo debate. Eu estive
aqui na COP, corajosamente, fazendo este mesmo debate. E eu vou presidir o G20
de energia do Brasil ano que vem exatamente para levar este debate.
Além dos esforços já feitos pelo Brasil e pelos outros do Sul global, o
avanço da descarbonização e o declínio da produção de petróleo no mundo têm que
ser feito pelos países que se tornaram ricos e incluir suas populações. Tem que
ser feito de forma justa para que os países em desenvolvimento não continuem
pagando esta conta com pobreza e miséria.
·
Quando deve ser declarado o fim da era fóssil, na visão do senhor? Isso
deveria ser decidido aqui na COP?
Eu defendo que isso deve ser feito num critério onde o mundo inteiro
possa entender que nós vivemos num único ecossistema e que, portanto, não
sacrifique um único ou alguns países menos desenvolvidos para poder pagar a
conta da sustentabilidade sozinho.
·
Ou seja, o Brasil vai continuar abrindo poços de petróleo? Sim ou não?
Eu defendo que a Margem
Equatorial [região também chamada de Foz do Amazonas], de forma adequada,
cumprindo a legislação ambiental, deve ser mais uma fonte de riqueza para
combater a desigualdade no Brasil.
Fonte: Sputnik Brasil/Agencia Publica/Deutsche Welle
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