quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Apesar de acordo eleitoral, tensão entre chavismo e direita cresce após primárias na Venezuela

A Venezuela vive dias de acirramento das tensões políticas e nem o acordo eleitoral assinado em Barbados conseguiu estabelecer um período de harmonia entre o governo e o setor extremista da oposição de direita reunido na coalizão Plataforma Unitária Democrática (PUD).

Isso porque a realização de eleições primárias por parte dos opositores e a vitória da ultraliberal Maria Corina Machado desencadeou uma série de provocações e trocas de acusações que envolveu até uma ameaça dos Estados Unidos de retirar os últimos alívios nas sanções contra a indústria petroleira do país.

Por um lado, o governo do presidente Nicolás Maduro e outros setores da oposição acusam a PUD de fraudar a consulta realizada no dia 22 de outubro. Além disso, segundo a delegação chavista que participou dos diálogos em Barbados, as primárias estariam violando os acordos assinados porque não respeitaram os critérios estabelecidos pelo documento, já que a oposição recusou apoio técnico e auditoria do Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

A votação, realizada de forma totalmente manual e com ausência de estruturas adequadas denunciadas até mesmo por organizadores, virou tema judicial quando a Suprema Corte venezuelana determinou nesta segunda-feira (30/10) que os opositores entregassem todas as atas de votação à Justiça. No mesmo dia, o presidente e a vice-presidente da chamada "Comissão Nacional de Primárias", grupo responsável por organizar a votação, foram intimados a depor no Ministério Público após serem acusados de "usurpação de funções eleitorais, de identidades, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha".

Já a PUD e a candidata vencedora das primárias tentam instrumentalizar a votação para atrair mais apoio dos Estados Unidos e reivindicar certa legitimidade popular, já que a última eleição nacional da qual Maria Corina Machado participou foi em 2010, quando foi eleita deputada para a Assembleia Nacional do país. O objetivo da consulta era definir uma candidatura presidencial unificada da oposição para a eleição presidencial venezuelana que deve ocorrer no segundo semestre de 2024.

Em seu primeiro pronunciamento após os resultados, Machado focou seu discurso em "convencer a comunidade internacional" da importância de lutar contra Maduro e mencionou poucas propostas ou, até mesmo, estratégias de campanha, já que uma inabilitação emitida pela Controladoria-Geral da República em 2015 impediria que ela se candidatasse à Presidência em 2024.

Além disso, a postura da opositora segue confrontativa contra o chavismo e em uma coletiva de imprensa chegou a dizer que o presidente Nicolás Maduro "não se atreveria" a participar de um debate com ela. Figura histórica dos setores mais reacionários da oposição venezuelana, Machado aposta em um programa de privatizações massivo para rivalizar com o governo em uma eventual campanha eleitoral e fala constantemente em "varrer o socialismo" da Venezuela.

"O certo é que, com as primárias, ela se coloca como a representante única da oposição, como uma espécie de segundo Juan Guaidó", diz Carlos Dürich. Em entrevista ao Brasil de Fato, o analista político e membro do coletivo de comunicação venezuelano Tatuy TV afirma que a opositora já se comporta como candidata presidencial, mas deve enfrentar problemas porque o processo que a escolheu "esteve repleto de irregularidades do começo ao fim".

"Essa autoproclamação não tem muito vigor porque não há como auditar o processo de primárias, já que ele não contou com observadores e nem com o apoio do CNE", explica.

·         Disputa por números chega à Justiça

A falta de transparência citada por Dürich é um dos principais argumentos utilizados pelo governo e por outros setores da oposição para acusar a PUD de fraudar as primárias. Segundo a comissão organizadora da eleição, mais de 2,5 milhões de pessoas participaram do pleito e Machado teria sido eleita com mais de 92% dos votos.

Os dados foram contestados pelo presidente do Legislativo, o deputado chavista Jorge Rodríguez, que citou uma "contagem própria" feita pelo governo e alegou que a participação teria sido de 598.350 eleitores. De acordo com dados do CNE, cerca de 21 milhões de venezuelanos estavam aptos a votar nas primárias.

"O que ocorreu no domingo não foi uma eleição, foi uma farsa. Uma eleição tem elementos que devem ser respeitados para que a votação possa ser auditável, justa e livre. Isso que ocorreu no domingo não pode ser auditado", disse o deputado.

As acusações do governo chegaram ao Ministério Público dias depois e se converteram em intimações formais nesta segunda-feira, quando o presidente da "Comissão Nacional de Primárias", Jesús Maria Casal, e a vice-presidente, Mildred Camero, comparecem à sede do MP em Caracas para prestar depoimento.

Além disso, mediante um recurso apresentado pelo deputado opositor José Brito, que faz parte da coalizão Aliança Democrática que rivaliza com a PUD, o Tribunal Superior Eleitoral anulou os resultados das primárias e exigiu que os organizadores apresentassem todos os materiais que foram utilizados para apurar os resultados.

Maria Corina, por sua vez, segue se classificando como "perseguida política" e qualificando o governo como "um regime autoritário". Segundo analistas, a vitória de Machado nas primárias acabou ameaçando a estabilidade dos acordos assinados em Barbados, já que não está claro se a opositora vai apoiar o documento ou se utilizará da força para reverter sua inabilitação.

"O bloco político de Maria Corina sempre esteve associado ao extremismo que apostou em insurreições, como o golpe contra o ex-presidente Hugo Chávez em 2002 e as guarimbas de 2014 e 2017. Por isso, o que parece se apresentar caso sua inabilitação não seja revertida é um cenário de tensão e possivelmente de insurreição", afirma Dürich. 

·         EUA ameaçam Venezuela

O cenário ficou ainda mais complexo após os Estados Unidos ameaçarem não renovar os alívios no bloqueio contra o petróleo venezuelano caso Maria Corina permaneça impedida de concorrer à Presidência. Após o acordo assinado em Barbados, Washington emitiu licenças gerais que, na prática, suspenderam temporariamente algumas sanções contra o setor energético da Venezuela e permitiram o país a voltar ao mercado internacional.

No entanto, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, disse logo após as primárias que se a inabilitação de Machado não fosse cancelada, as licenças não seriam renovadas dentro do prazo de seis meses estipulado pelo Departamento do Tesouro como limite.

As ameaças foram mal recebidas por Caracas, que pediu respeito às leis nacionais e aos acordos firmados com a oposição. "Quando disseram o que disseram, expressaram uma imensa ignorância sobre como funciona o ordenamento jurídico e a Constituição da Venezuela. Eles já deveriam saber que a Venezuela não aceita pressões, nem chantagens, nem subornos, nem ingerência de poder ou de país algum", respondeu Jorge Rodríguez.

"As falas de Blinken mostram que não há hegemonia na Casa Branca a respeito do que fazer com a questão venezuelana", opina Sergio Rodríguez Gelfenstein. Ex-diplomata da Venezuela e doutor em Estudos Políticos, ele levantou ao Brasil de Fato a hipótese de que, enquanto defendem publicamente uma narrativa de apoio a Machado, os Estados Unidos estão mais interessados em preservar seus próprios interesses.

"Há um ponto que agora eles chamam de 'linha vermelha', que era o tema das inabilitações, mas as inabilitações não estão nos Acordos de Barbados, elas ficaram de fora, o que mostra claramente que os Estados Unidos estão trabalhando em função de seus interesses e não em função dos interesses da oposição venezuelana, eles já os usaram e agora os descartam, como sempre fazem", afirma.

Gelfenstein ainda explica que a guerra na Ucrânia acelerou a necessidade de Washington buscar novas fontes de combustíveis, já que a importação de mercadorias russas foi interrompida. Até o mês de setembro, antes da suspensão de sanções, a Venezuela produzia entre 700 a 800 mil barris de petróleo por dia, segundo dados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).

"Não é que do dia para noite o presidente Joe Biden descobriu que a Venezuela pode ser um país amigo, ou que ele acredita que o presidente Maduro está fazendo uma boa gestão e que os dois países, apesar das diferenças, podem ter boas relações. Não, não é nada disso. Essa situação responde ao grave problema que Washington tem em matéria petroleira e à situação política interna, já que no próximo ano há eleições presidenciais nos Estados Unidos", diz.

 

Ø  Por que Bolívia rompeu relações diplomáticas com Israel

 

O governo da Bolívia tornou-se na terça-feira (31/10) o primeiro país latino-americano a romper relações diplomáticas com Israel devido à operação militar que ocorre na Faixa de Gaza.

A decisão foi anunciada pela ministra da Presidência, María Nela Prada, e pelo vice-chanceler das Relações Exteriores, Freddy Mamani.

A Bolívia “tomou a determinação de romper relações diplomáticas com o Estado de Israel em repúdio e condenação da agressiva e desproporcional ofensiva militar que ocorre na Faixa de Gaza”, declarou Mamani.

“Exigimos o fim dos ataques na Faixa de Gaza, que até agora causaram milhares de mortes de civis e o deslocamento forçado de palestinos; bem como a cessação do bloqueio que impede a entrada de alimentos, água e outros elementos essenciais à vida, violando o Direito Internacional e o Direito Internacional Humanitário no tratamento da população civil em conflitos armados”, disse Prada, que atua como chanceler interina.

Segundo o jornal britânico The Guardian, a Bolívia é o primeiro país do mundo a romper relações diplomáticas com Israel como resultado do atual conflito que começou em 7 de outubro, quando o Hamas lançou um ataque em território israelense no qual 1,4 mil pessoas foram mortas e outras 200 sequestradas, a maioria civis.

Desde o ataque do Hamas, Israel iniciou uma campanha de bombardeios em Gaza que matou mais de 8,5 mil pessoas até o momento, segundo autoridades de saúde locais.

Embora o objetivo declarado de Israel seja eliminar o Hamas, que governa Gaza desde 2007 e é considerado um grupo terrorista pela União Europeia e pelos Estados Unidos, muitas das vítimas dos bombardeios são mulheres e crianças.

  • Hamas saúda decisão da Bolívia

O anúncio do rompimento das relações com Israel ocorreu um dia depois de o presidente boliviano Luis Arce ter se reunido com o embaixador da Autoridade Palestina em La Paz, Mahmoud Elalwani.

No comunicado desta terça-feira (31/10), os ministros bolivianos defenderam uma declaração de cessar-fogo e anunciaram que o governo Arce enviará ajuda à Gaza.

Em declarações oficiais, as autoridades bolivianas não fizeram qualquer menção ao ataque do Hamas a Israel no dia 7 de outubro.

O grupo islâmico emitiu na terça-feira (31/10) um comunicado em que saúda a decisão da Bolívia e convida os países árabes que “normalizaram as relações com Israel” a fazerem o mesmo, segundo a agência AFP.

A Bolívia restabeleceu relações diplomáticas com Israel durante o governo de Jeanine Añez em 2020, cerca de uma década depois um rompimento anunciado em 2009 por causa de um conflito anterior na Faixa de Gaza.

  • Colômbia e Chile convocam embaixadores em Israel para consultas

Na noite de terça-feira (31/10), o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, anunciou que fez pedidos de consultas da embaixadora do país em Israel, Margarita Eliana Manjarrez Herrera.

Numa mensagem publicada na rede X (o antigo Twitter), o presidente colombiano declarou: “Decidi chamar a nossa embaixadora em Israel para uma consulta. Se Israel não parar o massacre do povo palestino, não poderemos estar lá."

Durante as últimas duas décadas e até antes de Petro chegar ao poder, a Colômbia foi considerada um dos principais parceiros de Israel na América Latina.

O presidente do Chile, Gabriel Boric, também anunciou nesta terça-feira (31/10) pelas redes sociais que chamaria o embaixador chileno em Israel, Jorge Carvajal, para consultas, “dadas as violações inaceitáveis ​​do Direito Internacional Humanitário que Israel tem cometido na Faixa de Gaza”.

"O Chile condena veementemente e observa com grande preocupação estas operações militares — que neste momento implicam punição coletiva à população civil palestina em Gaza — não respeitam as normas fundamentais do Direito Internacional, como demonstram as mais de oito mil vítimas civis, principalmente mulheres e crianças", observou Boric.

O Chile é o país do mundo com a maior comunidade de palestinos fora do mundo árabe.

 

Ø  Rússia exige na ONU revogação do bloqueio econômico e comercial dos EUA contra Cuba

 

Após ter causado perdas de quase US$ 160 bilhões (R$ 787 bilhões) a Cuba em seis décadas, o bloqueio econômico, financeiro e comercial dos Estados Unidos contra o país voltou a ser duramente criticado na Assembleia Geral da ONU. O representante permanente da Rússia na organização, Vasily Nebenzya, exigiu o fim da medida nesta quarta-feira (1º).

"Nós esperamos que a administração e o Congresso dos Estados Unidos finalmente escutem o apelo unânime claramente expresso e comecem a suspender o embargo, além de retirar Cuba da lista de Estados patrocinadores do terrorismo", disse a autoridade russa.

O projeto de resolução apresentado por Havana na ONU contra o bloqueio será votado na quinta-feira (2). O texto reafirma a "igualdade soberana de todos os Estados", além de criticar a interferência em assuntos internos e as ações contra a liberdade de comércio. Por isso voltou a pedir que os países "se abstenham" de aplicar o embargo a Cuba.

Outra questão pontuada pela proposta cubana é com relação à aplicação contínua de uma lei americana que proíbe pessoas e empresas de fazerem negócios com o país. Segundo Nebenzya, Moscou defende que o bloqueio é uma violação flagrante do governo norte-americano aos princípios fundamentais do direito internacional e da Carta das Nações Unidas.

"Juntamente com a maioria esmagadora dos membros da comunidade internacional, exigimos a imediata e incondicional revogação do bloqueio econômico, comercial e financeiro dos Estados Unidos contra Cuba. Concordamos com as disposições do projeto de resolução apresentado por Havana na Assembleia Geral", enfatizou.

O representante russo ainda acrescentou que "as ações dos Estados Unidos e de seus aliados ao imporem sanções unilaterais ilegais em desrespeito ao Conselho de Segurança da ONU têm um caráter francamente neocolonial e baseiam-se em tentativas sistemáticas de perseguir e reprimir" nações.

Na tribuna, o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, argumentou que o embargo é uma guerra extraterritorial, cruel e silenciosa. Nebenzya concordou e disse ainda que os EUA desrespeitam os direitos humanos e questões humanitárias.

"O bloqueio de um Estado soberano que não representa nenhuma ameaça para os Estados Unidos ou seus cidadãos, a imposição de restrições minam os fundamentos da estabilidade e do desenvolvimento global e regional. Outras delegações, incluindo os vizinhos de Cuba na região, que enfrentam as consequências secundárias e terciárias das sanções anticubanas, têm expressado cada vez mais essa opinião", argumentou.

Para o representante russo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, deve fazer valer as decisões da Assembleia Geral caso a resolução seja aprovada. Na última semana, o órgão chegou a aprovar um texto que pedia um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza, o que foi amplamente rejeitado por Israel e não teve nenhum efeito.

·         Outros países também defendem Cuba

Além da Rússia, houve declarações favoráveis à resolução de Havana de representantes de México, Uganda e blocos da América Latina e Caribe. Segundo balanço apresentado por Cuba, só entre março de 2022 e fevereiro de 2023 o embargo norte-americano representou perdas de mais de US$ 4,8 bilhões (R$ 23,7 bilhões).

Sem a medida, a economia teria crescido pelo menos 9%, e, segundo o país, a intensificação da migração é um efeito direto do embargo — nos últimos dois anos, 300 mil pessoas emigraram. O país vive uma severa crise financeira por conta dos efeitos da pandemia, além de desastres naturais. Ainda há apagões nas cidades e colapso do transporte por falta de combustível.

 

Fonte: Brasil de Fato/BBC News Mundo/Sputnik Brasil

 

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