Brasil sedia Cúpula da Amazônia com promessa de guinada ambiental
A primeira vez que falou em Cúpula da Amazônia,
Lula ainda não era presidente e foi enquanto discursava em Glasgow, na Escócia,
em novembro, durante a COP27. O mandato do presidente, que se iniciaria quase
dois meses depois daquele anúncio, tem batido na tecla da economia verde, da
descarbonização, da sustentabilidade e da participação ativa do País na
construção de uma política de governança climática global. Daqui a poucos dias,
em meio às turbulências causadas pela possível exploração de petróleo na Foz do
Amazonas – algo que impactará o ecossistema, a biodiversidade e as populações
da região –, o mundo irá saber para qual rumo o Brasil irá caminhar a partir
dos encontros de presidentes, empresários e lideranças da região em Belém, no
Pará.
Serão quatro eventos, alguns paralelos, que
ocorrerão de 4 a 9 de agosto, ocasião que já é vista como uma pré-COP30, em
alusão ao evento que a capital paraense sediará em 2025. De 4 e 9 de agosto,
ocorrerá a Assembleia dos Povos pela Terra, que reunirá povos indígenas de toda
a Panamazônia. Nos dias 5 e 6, haverá o “Seminário Internacional Amazônia
Sustentável: contribuições das Ciências Sociais, do Multilateralismo e da
Sociedade Civil”. Entre 4 e 6 de agosto, ocorrerão os Díálogos Amazônicos, com
lideranças da sociedade civil. Em 8 e 9 de agosto, os oito presidentes da
região se reúnem na Cúpula da Amazônia. Esse convite foi estendido a Emmanuel
Macron, representando a Guiana Francesa, região ultramarina da França, e aos
presidentes da República do Congo, da República Democrática do Congo e da
Indonésia – que também possuem florestas tropicais. Alemanha e Noruega,
principais financiadoras do Fundo Amazônia, devem estar presentes no evento.
Lideranças ouvidas pela Amazônia Real oscilam entre
o entusiasmo de ver a região no centro do debate e, novamente, verem decisões
serem tomadas sem consultar as comunidades locais. “Quem vai criar os mecanismos
para frear a destruição vão ser os mesmos que destruíram? Então não vai
prestar”, resume Raimundo Magno, importante líder quilombola do Pará. “Não se
pode falar em mudanças climáticas e continuar apostando em hidrelétricas,
mineração, monocultura e agronegócio. Porque é isso que continua se projetando
para a Amazônia”, alerta Claudelice da Silva Santos, que dirige o Instituto Zé
Cláudio e Maria, instituição que leva o nome do seu irmão e cunhada, casal de
extrativistas assassinados em 2011 a mando de um fazendeiro.
Claudelice participa dos Diálogos Amazônicos,
evento realizado pela Secretaria-Geral da Presidência da República e que
contará com a presença de Ministros de Estado e membros da sociedade civil. Os
debates se darão em plenárias organizadas pelo governo federal e atividades
organizadas pela sociedade civil, acadêmicos e agências governamentais.
“Vejo estes eventos por dois ângulos, um mais
aberto que nos direciona para as discussões globais sobre o clima, e o outro,
mais fechado, que aponta para a proteção da Amazônia e dos defensores da
Amazônia”, define. “Clau”, como costuma ser chamada, vê nos eventos “uma
oportunidade de visibilização de problemas e apelo por soluções”. Para ela, as
grandes discussões sobre as mudanças climáticas e suas consequências não chegam
nas bases, nas comunidades, assentamentos e aldeias.
“Antes de qualquer coisa é preciso que todo o mundo
saiba quem são os defensores das florestas e dos rios, que são os mesmos que
serão os primeiros a sentirem os efeitos das mudanças climáticas. Depois é
preciso discutir o que vai se fazer para manter essas pessoas vivas, já que
elas são ameaçadas dia e noite por fazendeiros, mineradoras, hidrelétricas e
pelo próprio Estado brasileiro que, muitas vezes, contribui para que elas morram”,
defende a ativista, convidada para falar em duas mesas no evento.
•
“Nossa casa comum”
Magno, doutorando em Sociologia e Antropologia na
Universidade Federal do Pará (Ufpa), diz torcer para que a Cúpula da Amazônia
seja “mais do que marketing ambiental e empresarial”. Isso porque, defende ele,
“não existe ainda a construção de um diálogo efetivo com as comunidades
tradicionais e com os povos originários, que somos os responsáveis pelo
bem-estar coletivo da terra, pelo bem-viver e pelos cuidados com a nossa casa
comum”.
Para o advogado indígena Jorde Tembé, os defensores
da Amazônia são “o último crivo capaz de realmente levantar os pontos
essenciais à sobrevivência do que foi consolidado como direito fundamental das
gerações futuras e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” e por isso “é
hora de ouvir quem mora aqui [na Amazônia] e aprender com seus saberes, o bem
viver tem que sair do papel e isso deve ser um compromisso de todos”.
Jorde, que participará da mesa “Proteção aos
Defensores da Amazônia: Direitos Humanos são fundamentais para Justiça
Climática”, no dia 4, vê com preocupação o mundo olhar só para o verde das
florestas e seu potencial de sequestrar carbono da atmosfera. “O mundo tem que
ver e fazer alguma coisa sobre o vermelho do sangue de muitos dos defensores
que aqui habitam e lutam verdadeiramente para dar efetividade à sobrevivência
das futuras gerações e da vida no planeta.”
Dentro da programação do evento paralelo Assembleia
dos Povos pela Terra, no dia 5, ocorrerá a Cúpula dos Povos Indígenas e, no dia
8, a Marcha dos Povos pela Terra, prevista para sair da Aldeia Cabana,
sambódromo de Belém. Já o “Seminário Internacional Amazônia Sustentável:
contribuições das Ciências Sociais, do Multilateralismo e da Sociedade Civil” é
promovido pela Sede Acadêmica da Faculdade Latino-Americana (Flacso), em
parceria com a Fundação Alexandre Gusmão, do Ministério das Relações
Exteriores, Centro Brasileiro de
Relações Internacionais e a Plataforma Cipó (Confira a programação aqui).
Todas as atenções, contudo, convergirão para a
Cúpula da Amazônia, que marca a 4ª Reunião de Presidentes dos Estados Partes da
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, anfitrião, deve consolidar os argumentos para cobrar aportes
financeiros dos países recordistas mundiais em emissões de gases do efeito
estufa (GGE). “Queremos é dizer ao mundo o que queremos fazer com a nossa
floresta e dizer o que o mundo tem que fazer para ajudar, porque prometeram 100
bilhões de dólares em 2009 e até hoje não saiu esses 100 bilhões de dólares”,
disse o presidente no último dia 25, resgatando o compromisso feito em
Copenhague, durante a COP15.
• Acordos
da cúpula da Amazônia
O objetivo da Cúpula da Amazônia é construir uma
agenda conjunta com os países que compõem a OTCA para ser discutida e defendida
na COP28, que acontecerá nos Emirados Árabes, em novembro deste ano. Além
disso, também está prevista a assinatura de acordos regionais que promovam a
bioeconomia, a redução da pegada de carbono e o desmatamento. Um deles prevê a
assinatura de um compromisso panamazônico para zerar o desmatamento até 2030.
No evento, prometem estar presentes os chefes de
Estado dos outros sete países da OTCA: Evo Morales (Bolívia), Gustavo Petro
(Colômbia), Guillermo Lasso (Equador), Dina Boluarte (Peru), Chan Santokhi
(Suriname), Irfaan Ali (Guiana) e Nicolás Maduro (Venezuela).
No começo de julho, em Letícia, cidade colombiana
que faz fronteira com o Brasil, durante a Reunião Técnico-Científica da Amazônia,
Lula resumiu o que deve ser firmado pelos presidentes na Cúpula da Amazônia. Na
ocasião, acompanhado do presidente colombiano, Lula defendeu a criação do
“Parlamento Amazônico” e do “Fórum de Cidades Amazônicas”
“É preciso valorizar o papel dos prefeitos,
governadores e parlamentares. Não se faz política pública sem participação de
quem conhece o território. Para isso, queremos formalizar o Foro de Cidades
Amazônicas e o Parlamento Amazônico”, disse Lula.
No campo científico, o presidente falou na criação
do “Observatório Regional da Amazônia” que irá monitorar e produzir dados sobre
cheias, chuvas, secas, incêndios e
contaminação das águas, a fim de orientar as ações governamentais e a produção
de políticas públicas nos oito países amazônicos.
Inspirado no Painel Intergovernamental Sobre
Mudança do Clima (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), Lula também
propôs a criação de um comitê de especialistas da Amazônia, que seriam
responsáveis por produzir conhecimentos sobre a região e também orientar os
governos. Ele também ressaltou a importância da criação de medidas para o
monitoramento do espaço aéreo da região, com o objetivo de coibir o
narcotráfico e o garimpo ilegal.
• O
Pará na vitrine
Claudelice Santos, que monitora casos de violações
de direitos humanos, ameaças de morte e assassinatos de lideranças na Amazônia,
chama atenção para a situação do Pará, que sediará os eventos no início de
agosto e a COP30, daqui a dois anos. Ela lembra que o Estado é recordista em
assassinatos no campo e tem sua história manchada com casos como o que levou a
vida de seu irmão, José Cláudio Ribeiro, e sua cunhada, Maria do Espírito
Santo, entre tantos outros.
A ativista explica que “não se pode nem pensar em
defender a floresta se você não olhar para quem está lá dentro lutando para
manter ela de pé” e que, portanto, espera que o evento também sirva de alerta
ao governador do estado do Pará, Helder Barbalho (MDB), que dividirá os
holofotes com Lula durante os eventos que já estão sendo chamados de “pré-COP”.
“Se tem algo que funciona muito bem no governo
[estadual] é a equipe de comunicação e marketing. Mas é uma versão da realidade
que nós sabemos que está longe de ser a verdadeira. O agronegócio continua
matando, a mineração, o dendê, a soja e o milho também. Mas você não ouve nada
sobre isso vindo do governador”, pontua Claudelice.
Fonte: Amazônia Real
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