Até que ponto a blasfêmia é permitida na Europa?
A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa estão
fortemente enraizadas na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Sociedades
democráticas consideram importante tolerar diferentes opiniões, mesmo as que
possam ofender sensibilidades religiosas.
Mas isso tem levantado repetidamente a questão de
até que ponto declarações críticas ou que zombam de crenças religiosas são
aceitáveis e como uma sociedade deve lidar com elas.
O mais recente episódio ocorreu nesta segunda-feira
(31/07) em frente ao Parlamento sueco, na capital Estocolmo. Dois homens
pisotearam o Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, e depois atearam fogo na
obra.
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Casos que se repetem
Em 2023, a Suécia já registrou vários episódios
desse tipo. Um homem, por exemplo, declarou que pretendia fazer isso na última
quinta-feira (27/07). O anúncio gerou protestos em
muitos países islâmicos antes de o ato acontecer. Na ação, ele profanou o
livro, mas não o queimou.
Em fevereiro, a polícia sueca proibiu ações desse
tipo. Pouco tempo depois, no entanto, um tribunal anulou a proibição, com a
alegação de que é inconstitucional, segundo o juiz. A liberdade de reunião
pública, bem como a de manifestação, é um direito garantido na Suécia.
O mesmo argumento foi usado pela polícia para
autorizar um contraprotesto no qual
seriam queimadas uma Bíblia e uma Torá – o livro sagrado dos judeus. Uma
porta-voz da corporação explicou que a permissão não foi uma resposta a um
pedido de autorização para queimar publicamente os livros, mas sim que a
polícia havia aprovado um encontro no qual uma "opinião" seria expressa,
e que isso era uma "importante distinção".
A polícia também aprovou recentemente a
manifestação de um iraquiano que fugiu para a Suécia - o mesmo que realizou o
novo ato nesta segunda-feira. Na época, o homem havia anunciado que
pretendia queimar o Alcorão em Estocolmo. No entanto, a corporação enfatizou
novamente que emitiria uma permissão para uma reunião pública, não para o
conteúdo da reunião. Mas, na verdade, após outras ações anteriores do
iraquiano, a polícia abriu um processo contra ele por "incitação contra um
grupo étnico" porque o protesto ocorreu próximo a uma mesquita.
A Organização das Nações Unidas (ONU) tem condenado a queima do Alcorão na Suécia, alertando que há um
"aumento alarmante em atos públicos e premeditados de ódio
religioso". Mas, no mesmo comunicado, o comissário de direitos humanos da
ONU, Volker Türk, advertiu que a limitação da liberdade de expressão
"deve, como princípio fundamental, permanecer uma exceção".
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Seminua na Catedral de
Colônia
Na Alemanha, a liberdade de
expressão também está consagrada na Constituição. O artigo 5 afirma que todos
têm o direito de "expressar e divulgar livremente suas opiniões por meio
da fala, da escrita e de imagens". Mas há limites.
A Alemanha é um dos poucos países europeus que
protege as comunidades religiosas com o chamado parágrafo da blasfêmia.
Qualquer pessoa que publicamente "injuriar a religião ou a ideologia de
terceiros de forma a causar uma perturbação da paz pública" pode ser
condenada a até três anos de prisão. Isso, porém, não tem a intenção de
criminalizar o deboche a deuses em geral, mas sim apenas insultos que prejudiquem
a paz pública.
A Seção 166 do Código Penal Alemão é muito
raramente invocada. Em 2006, um homem de 61 anos teve uma sentença de prisão
suspensa depois de distribuir rolos de papel higiênico com a palavra
"Alcorão" impressa neles.
Em 2013, uma ativista foi multada por pintar seu
torso nu com as palavras "Eu sou Deus" e pular no altar da Catedral de Colônia durante a
missa de Natal. Ela foi processada apenas por perturbar a prática da religião e
não foi condenada por blasfêmia.
Insultar profetas geralmente não é um caso para os
tribunais, e a blasfêmia só está sujeita a punição legal na Alemanha se tiver
consequências graves.
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Sátira francesa em
revista
Em 2015, dois terroristas invadiram a sede da
revista satírica francesa Charlie
Hebdo, em Paris, e mataram 12 pessoas. Antes disso, o
semanário havia publicado caricaturas do Profeta Maomé, o que provocou raiva e
indignação entre os muçulmanos em todo o mundo.
Alguns dias após o ataque, o então
primeiro-ministro da França, Manuel Valls, compareceu à Assembleia Nacional e
declarou que a blasfêmia nunca faria parte da lei francesa.
O presidente francês, Emmanuel Macron, também
defendeu o "direito à blasfêmia" em seu país. Isso significa que, na
França, a liberdade de expressão inclui a permissão de escrever ou dizer o que
muitos consideram blasfêmia.
A blasfêmia, por sinal, não é considerada uma
ofensa desde 1881 na França, que tem aplicado uma estrita separação entre a Igreja e o Estado há
quase 120 anos. Historicamente, esse secularismo foi uma tentativa de
restringir a influência da Igreja no país. E esse conceito ainda goza de grande
prestígio entre a população francesa.
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Cartazes de Maomé na
Dinamarca
"O que é permitido fazer com a sátira?"
Essa foi a pergunta que os dinamarqueses se viram obrigados a fazer em 2005,
quando uma série de charges sobre o islamismo, publicada pelo jornal
dinamarquês Jyllands-Posten, provocou protestos no mundo árabe,
alguns deles violentos. O caso levou a discussões sobre liberdade artística e
liberdade de expressão também em outros países.
Na época, o primeiro-ministro dinamarquês se
distanciou da publicação das charges, mas também fez menção aos direitos de
liberdade de imprensa e de expressão, ambos considerados muito importantes
pelos dinamarqueses.
Até 2017, a Dinamarca ainda tinha uma lei contra a blasfêmia. Assim como na Alemanha,
porém, as autoridades dinamarquesas entraram com poucos processos em casos
desse tipo. Entre eles estão dois produtores de rádio acusados de transmitir
uma música que zombava do cristianismo na década de 1970.
Em 2014, a artista dinamarquesa-iraniana Firoozeh
Bazrafkan foi acusada de exibir os restos triturados de um Alcorão, que ela
intitulou "Blasfêmia". Na época, ela comentou: "quero continuar
a lembrar às pessoas que não há problema em discordar".
Em ambos os casos, os réus foram absolvidos e, em
2017, a lei contra a blasfêmia foi revogada.
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Pedidos de revogação
A Polônia é considerada um país muito católico, no qual a Igreja ainda tem muita
influência na vida pública. Como em outros países, a Constituição polonesa
também garante a liberdade de expressão, mas, nos últimos anos, artistas foram
repetidamente acusados de blasfêmia.
Em 2019, houve um alvoroço por causa de uma imagem
da Virgem Maria com uma auréola pintada com as cores do movimento LGBTQIA+. Em todo o país, foram registradas queixas criminais no Ministério
Público contra as três jovens que circularam a imagem.
Elas foram acusadas de "ofender sentimentos
religiosos" ao apresentarem a santa com as cores do arco-íris, uma ofensa
criminal na Polônia punível com até dois anos de prisão. As três mulheres foram
absolvidas. O tribunal decidiu que, embora a ação tenha sido
"provocativa", elas não tinham a intenção de ofender.
Embora alguns países como a Polônia e a Alemanha
ainda tenham parágrafos sobre blasfêmia em seus códigos penais, muitos países
europeus já os aboliram. Entre eles está a Irlanda, onde a revogação ocorreu em
2018. Noruega e Holanda, juntamente com a Suécia, também removeram recentemente parágrafos
semelhantes de seus códigos.
A questão tem sido frequentemente debatida na
Alemanha, com parte da população pedindo que o principal parágrafo seja
revogado, em prol da liberdade de expressão.
Fonte: Deutsche Welle
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