quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Apoio de Tarcísio a chacina o reabilita com bolsonarismo

A defesa enfática que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem feito da operação policial que já deixou ao menos 14 mortos no Guarujá, litoral paulista, o reaproximou do bolsonarismo, base que o ajudou a se eleger no ano passado e que vinha disparando fogo amigo nos últimos meses.

Além do apoio incondicional à Polícia Militar (PM), que reagiu ao assassinato de um soldado da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) na quinta-feira (27/7), Tarcísio escolheu palavras-chave do vocabulário bolsonarista para responder a questionamentos sobre possíveis excessos das forças de segurança.

Por mais de uma vez, o governador falou em “guerra” contra o tráfico de drogas na Baixada Santista para justificar os confrontos letais após a morte do PM da Rota, e disse que “não podemos sucumbir a narrativas” quando foi indagado sobre denúncias de abusos e tortura durante a operação policial no litoral.

“Essa guerra [com o narcotráfico] destrói a sociedade. Essa guerra não é só da polícia. Essa guerra não é só do governo do estado. Essa guerra é de todo mundo. Essa guerra é de todos”, disse Tarcísio nessa terça-feira (1º/8), após cobrar respeito à Polícia Militar.

Tarcísio já havia negado excessos da PM na ação e dito que “não existe combate ao crime sem efeito colateral”, em referência aos 14 mortos em supostos tiroteios com policiais. O governador enfatizou que o crime organizado anda fortemente armado e ressalvou que “ninguém quer o confronto”.

A palavra “narrativa” voltou a ser usada até mesmo na hora de prometer que eventuais abusos da polícia serão investigados e punidos. “Agora fica sempre essa narrativa de que há excesso, há excesso, há excesso. Se houver excesso, nós vamos investigar.”

O tom linha-dura adotado por Tarcísio agradou à base bolsonarista em São Paulo, que andava profundamente irritada com o governador, tanto pela falta de espaço no governo paulista quanto pelas decisões políticas dele.

O ápice da ira ocorreu no início de julho, quando Tarcísio foi hostilizado em uma reunião com integrantes do PL, na presença do ex-presidente Jair Bolsonaro, por defender a reforma tributária encampada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Tarcísio e Bolsonaro selaram a paz publicamente em seguida, mas o governador continuou sendo alvo de críticas dentro do bolsonarismo, como de deputados da sua base em São Paulo, que se queixam que ele tem sido mais kassabista – em alusão ao secretário de Governo, Gilberto Kassab – do que bolsonarista à frente do governo do estado.

As manifestações de Tarcísio sobre a Operação Escudo, deflagrada para capturar os envolvidos no assassinato do PM da Rota, alimentaram a polarização política que tanto nutre o bolsonarismo e o petismo.

Logo após o governador fazer a primeira fala pública elogiando a operação na segunda-feira (31/7), quando ainda havia oito mortos, dois ministros do governo Lula – Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Flávio Dino (Justiça) – disseram que a ação da PM não parecia proporcional em relação ao crime cometido pelos bandidos.

Nas redes sociais, as falas foram exploradas como se os bolsonaristas estivessem do lado do bem, defendendo a polícia, e os petistas, do lado do mal, defendendo a criminalidade. O contrário também ocorreu.

Além da pressão que existia dentro do bolsonarismo e das próprias forças de segurança desde a morte do soldado da Rota, Tarcísio decidiu subir o tom em seu discurso, segundo o Metrópoles apurou, após receber a garantia do secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, de que os oito suspeitos mortos até aquele momento já tinham passagem pela polícia.

•        Apoio a chacina reaproxima Tarcísio e extrema-direita

O apoio de Tarcísio de Freitas (Republicanos) à Polícia Militar na operação que matou ao menos 14 pessoas na Baixada Santista realinhou o discurso do governador com a direita conservadora após episódios de tensão entre ele e sua base bolsonarista.

Agradecimentos e referências ao governador apareceram nas redes e nos discursos de deputados que, antes, engrossavam o coro de críticas ao aliado de Jair Bolsonaro (PL).

Bolsonaristas ouvidos pela reportagem, porém, dizem que a insatisfação com Tarcísio permanece.

Na avaliação desses parlamentares, as falas do governador a favor da PM não representam necessariamente um gesto para a direita, mas o único discurso possível diante do eleitorado que o elegeu e da maioria conservadora do estado.

A bancada da bala também responsabiliza o governador pela morte do soldado Patrick Bastos Reis, pois deputados já haviam denunciado antes a escalada da violência na Baixada Santista. A Secretaria de Segurança Pública está sob o comando de Guilherme Derrite (PL), um dos poucos bolsonaristas que Tarcísio abrigou no governo.

O episódio ainda atiçou o descontentamento com Tarcísio em relação às câmeras nos uniformes, questão que desagrada a tropa e pressiona os deputados bolsonaristas que têm a segurança pública como plataforma.

O discurso pró-PM de Tarcísio e o endosso público de bolsonaristas a ele ocorre no momento em que o próprio ex-presidente Bolsonaro atuou para que os parlamentares da direita no estado se aproximassem do governador e evitassem criticá-lo.

Por isso, segundo os deputados ouvidos pela reportagem, a reprovação a Tarcísio ficará reservada aos bastidores.

No plenário da Assembleia Legislativa, nesta terça, dia em que a Casa retornou do recesso, a operação Escudo foi o principal assunto. Houve embates diretos no microfone entre deputados da esquerda e da bancada da bala.

Depois de semanas em que os conservadores discutiram entre si, inclusive publicamente como foi registrado entre Tarcísio e Bolsonaro por causa da Reforma Tributária, a reorganização do debate em torno do eixo esquerda versus direita favorece Tarcísio, que passa da condição de alvo a blindado.

“Parabéns, governador Tarcísio e secretário Derrite, não arredem o pé, porque a chave vai ter que virar nesse estado em algum momento, porque bandido não pode mandar nesse estado”, discursou Major Mecca (PL).

À Folha o deputado afirmou que “Tarcísio está correto, com a postura de um estadista sério e compromissado com a população”.

Já o deputado Emidio de Souza (PT) relacionou a reação do governador à necessidade de agradar ao ex-presidente. “Se o sr. [Tarcísio] tem satisfação a dar a Bolsonaro é problema seu. Não use os instrumentos de segurança pública para agradar seu eleitorado bolsonarista e seu eleitorado que quer sangue”, disse.

“Não sei se pior ou tão ruim quanto a própria chacina, a própria carnificina que fizeram em Guarujá, foi a atitude do governador Tarcísio de Freitas e do seu secretário Capitão Derrite. Uma autoridade chefe da polícia e chefe do estado apoiar a carnificina e dizer que é assim mesmo, que a polícia tem que reagir, isso é ainda mais grave”, completou.

Gil Diniz (PL), aliado de Bolsonaro, foi outro a pedir na tribuna que Tarcísio mantenha seu discurso a favor da PM. “Governador, não escute essas pessoas aqui, não se leve por pressões”, disse, referindo-se aos deputados de esquerda que falaram em chacina, vingança e morte de civis.

Tarcísio, que vinha fazendo gestos ao centro e mantém um jogo de morde-assopra com o bolsonarismo, decidiu não condenar a ação da polícia, o que poderia ampliar o desgaste com seu eleitorado.

Na segunda (31), em entrevista sobre a operação, ele afirmou estar “extremamente satisfeito com a ação policial”.

“Temos uma polícia treinada e que segue à risca a regra de engajamento”, afirmou. Nas redes sociais, ele publicou que “nenhum ataque aos nossos policiais ficará impune”.

Em nova entrevista nesta terça, Tarcísio chamou as 14 mortes de “efeito colateral” do combate ao crime e prometeu punir eventuais excessos.

Quando o tema é polícia, no entanto, mesmo governadores do PSDB, menos identificados com a direita do que Tarcísio, costumavam apoiar ações violentas. Em 2019, João Doria elogiou a política de segurança após uma ação policial em Paraisópolis (zona sul de SP) terminar com nove mortos.

Por isso, deputados afirmam que Tarcísio não poderia reagir à operação de forma crítica —um aceno ao centro nesse contexto seria prejudicial eleitoralmente.

A federação formada por PT, PC do B e PV acionou o Ministério Público para investigar a ação da polícia.

“A escalada de violência resultante da operação policial […] não pode ser naturalizada, como pretende o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas”, diz a nota da oposição.

Deputados do PT e do PSOL cobraram respeito aos direitos humanos. Paula da Bancada Feminista (PSOL) afirmou que Tarcísio e Derrite “deram carta branca para que a matança continue”.

Na outra ponta, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) manifestou apoio à polícia e mirou a esquerda. “A defesa dos bandidos é desproporcional à defesa aos policiais”, publicou em crítica aos ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública).

Apesar dos elogios de bolsonaristas a Tarcísio no contexto da operação, as ações dele na segurança pública ainda estão aquém da atuação linha-dura que esse campo desejava. Em sua campanha, Tarcísio chegou a prometer o fim das câmeras nos uniformes dos policiais, mas recuou.

Um deputado do PL afirma que integrantes da bancada da bala viraram alvo de brincadeiras entre os policiais da Alesp (Assembleia Legislativa de SP), que cobram de maneira sarcástica a promessa do governador.

Como mostrou a coluna Painel, da Folha, os confrontos na Baixada Santista reanimaram a cobrança pelo fim das câmeras.

“Está na hora de debatermos em São Paulo, a retirada das câmeras no peito dos nossos policiais! A bandidagem não pode ter essa vantagem!”, publicou Gil Diniz.

Além do vaivém na questão das câmeras, outro ponto de desgaste do governador que envolveu especificamente as polícias foi o projeto de lei que ele enviou à Alesp para aumentar o salário desses servidores, mas que também ampliava o desconto dos aposentados.

Deputados aliados de Tarcísio foram pegos de surpresa e passaram a criticar o texto —mais uma vez, o governador voltou atrás.

 

       Tarcísio chama chacina de “efeito colateral”

 

Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, acha que “não existe combate ao crime sem efeito colateral”.

Foi como traduziu — e justificou — o banho de sangue na Baixada Santista.

São Paulo é o Estado com recorde de mortes de policiais civis e militares em situação de confronto: foram 7 vítimas em 2021 e 17 mortos no ano passado — aumento de 148%, informa o recém-lançado anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Com a matança na Baixada Santista (14 mortos na contagem até à noite desta terça-feira), a polícia paulista se aproxima do empate com as baixas que sofreu no ano passado na guerra permanente contra facções do crime organizado.

A lógica do governador aplicada à situação permite outras leituras.

Uma é a da licença para matar — a revanche da matança sempre é ilegal, mas eventualmente palatável à liderança em zonas “especiais” de combate, como no Haiti, por onde o governador passou quando servia como engenheiro ao Exército brasileiro na missão da ONU.

Outra interpretação possível é a da incapacidade do comando de organizar, planejar e realizar a captura dos assassinos de policiais, acusá-los com as provas necessárias e obter a condenação em julgamento.

Quando acontece aumentam as chances de um “efeito colateral” mais duradouro — a afirmação do Estado, no exercício do monopólio da força, como provedor de lei e ordem na proteção comunitária.

Dá trabalho, exige sangue frio da liderança da tropa armada, civil ou militar. Mas, como Tarcísio sabe, até pelo exemplo de alguns dos seus antecessores no Palácio dos Bandeirantes, essa é a rota mais longa e acidentada para se obter reconhecimento num eleitorado fatigado pela rotina de violência do crime organizado em confronto permanente com uma polícia desregrada.

Os efeitos colaterais no campo de batalha da Baixada Santista foram uma escolha do governador paulista. Na política, a força costuma suprir a escassez de inteligência.

 

       Polícia teria localizado arma que matou PM no Guarujá

 

“Acertou a viatura, acertou a viatura. Deu merda”.

Assim o suspeito do assassinato do soldado da PM Patrick Bastos Reis, da Rota, descreve o momento em que o policial foi atingido na quinta-feira da semana passada por um disparo feito da parte mais alta da Vila Júlia, no Guarujá, na Baixada Santista, em São Paulo.

Em seu depoimento, Erickson David da Silva, apontado como o “sniper” do tráfico local, alega que viu o tiro e que ele teria sido dado a esmo por outro criminoso, o que, de acordo com ele, acontece com certa frequência para indicar a chegada da polícia à comunidade.

O delegado Antônio Sucupira Neto, que investiga o caso e localizou a possível arma do crime, terá que confrontar provas e se apoiar na perícia técnica para determinar quem foi o autor do disparo.

Segundo o advogado de Erickson, Wilton Félix, ele se entregou por medo de ser executado devido ao grande clamor público provocado pelo crime.

Antes de se entregar, Erickson, conhecido como Deivinho, que tem antecedentes por roubo e deixou o sistema penitenciário em 2016, gravou um vídeo em que acusa o secretário de Segurança, Guilherme Derrite, e o governador, Tarcísio Freitas, de estarem “matando inocentes”.

Ele afirmou já ter feito parte da quadrilha, em que teria atuado em várias funções, mas alegou que, no momento do crime, na quinta-feira (27/7), estava na “boca” comprando maconha para consumo próprio. Ele também seria usuário de cocaína.

O outro criminoso, de acordo com Erickson, estaria entre os 32 já presos pela polícia: Marcos Antônio de Assis Silva, conhecido como Mazzaropi.

Félix diz que o cliente estaria trabalhando desde 2021 como ajudante de pedreiro e demonstra estar tranquilo com o relato.

O advogado diz que Erickson responde por três crimes: tentativa de homicídio (um outro policial foi atingido na mão), pelo homicídio de Patrick e por associação para o tráfico.

O advogado conta que Erickson descreveu a arma do crime, que seria uma pistola G2C, fabricada pela Taurus. Ele também afirmou que os policiais, Patrick e outro PM que ficou ferido não atiraram na direção da Vila Júlia.

O delegado Antônio Sucupira mantém sob proteção uma testemunha que disse ter visto uma pessoa esconder a arma, que teria sido usada no crime, num beco.

Após uma denúncia anônima, ele e sua equipe recolheram na noite de segunda-feira uma pistola dentro de dois sacos plásticos e coberta de barro, num beco da Vila Júlia, a poucos metros do local do assassinato.

O delegado informou ainda que a testemunha é um dos suspeitos presos, que estava sendo procurado desde quinta-feira. Ao ser localizado, ele prestou depoimento com revelações sobre a dinâmica do crime para a polícia:

“A testemunha relatou uma série de informações que consideramos importantes para elucidar o crime. A pistola estava muito próxima do local de onde teria sido feito o disparo que matou o policial.”

O soldado Patrick Bastos Reis, da Rotas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), foi baleado enquanto fazia o patrulhamento. O policial de 30 anos tinha três filhos e era campeão de jiu-jítsu.

O clima continua tenso na região onde, nessa terça-feira (1), dois policiais militares foram baleados em Santos. Eles ficaram feridos e estão sendo atendidos na Santa Casa da cidade.

Desde que o PM foi morto, 14 pessoas morreram na região, 32 foram presas, mais de 20 quilos de droga e 11 armas foram apreendidas, de acordo com a Secretaria Estadual de Segurança de São Paulo.

Em resposta ao assassinato do soldado da Rota, o governo estadual deflagrou a Operação Escudo, a fim de tentar encontrar o autor dos tiros. Moradores relatam abusos e clima de medo na região com as constantes trocas de tiros.

 

Fonte: Metrópoles/FolhaPress/Veja/Valor Econômico

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário