O
Centrão e o balcão de negociatas no Parlamento
Desde que Sérgio Abranches, em 1988, cunho o termo
“Presidencialismo de Coalizão” para explicar a forma brasileira de relação
entre o Executivo e o Legislativo, em que o primeiro depende de formar, a
posteriori das eleições, uma coalização que viabilize o governo, houve,
particularmente nos últimos anos, um fortalecimento do Congresso que tornou
ainda mais difícil a tarefa do Executivo de construir uma coalizão que o
sustente.
Nos últimos governos do país essa relação
Executivo-Legislativo vem mostrando sua cara e o próprio perfil e força do
Congresso. Basta lembrar a lambança da aprovação da reeleição no governo
Fernando Henrique, em 1997, para perceber que o modus operandi não
é tão recente.
O governo Lula sofreu uma verdadeira devassa em suas
relações com o Congresso no processo chamado pela mídia empresarial de
“mensalão”, cujo início foi marcado pela auto incriminação por parte do então
deputado Roberto Jefferson sobre as relações que dizia manter com o Executivo
como forma de viabilizar a aprovação de projetos do governo no Parlamento.
Com o sucesso do governo Lula de 2003 a 2010, tais
episódios perderam força de mídia, viabilizando inclusive a vitória eleitoral
de Dilma Rousseff em 2010.
O segundo governo Dilma, iniciado em 2015, enfrentou
um Congresso em que o campo por ela representado estava bastante enfraquecido e
a liderança do deputado Eduardo Cunha saltava à vista e se colocava em claro
confronto com o governo.
Marcando esse confronto e, ao mesmo tempo o recente
processo de fortalecimento do Congresso em suas relações com o Executivo, já em
2015 o Congresso cria, por Emenda Constitucional, as “Emendas Impositivas” (EC
86/2015), ampliando ainda mais a capacidade de ação de parlamentares em sua
relação com o governo.
Dilma enfrenta (essa é a palavra) um Congresso pouco
amistoso e com mais poder graças, entre outras coisas, às emendas impositivas.
No enfrentamento entre Legislativo e Executivo, o
primeiro vence e cassa o mandato da presidenta eleita pelo voto popular com a
desculpa esfarrapada das famosas pedaladas fiscais, em clara demonstração de
força, o famoso “mostrar quem manda”. Com isso o Congresso se fortalece ainda
mais.
Temer assume o governo sem o respaldo das urnas, sem
legitimidade, dado o processo que o levou à Presidência, e necessita ainda mais
do Congresso. Temer é como um deputado na Presidência, praticando o que ele
defendia chamando de ‘semipresidencialismo’. O Congresso se fortalece ainda
nesse período.
Bolsonaro, parlamentar por quase 30 anos, mas todo o
tempo no chamado baixo clero, ou seja, sem a experiência de negociação no
Congresso ou com o governo, toma posse após campanha em que condenava as
negociações com o Parlamento, os mecanismos parlamentares utilizados pela
Centrão, que chamava de velha política e prometia um governo
de novo tipo, em que não haveria o que chamava de “toma lá, dá cá”.
Ainda em 2019, o Congresso avança e define que, além
das emendas impositivas individuais, que garantiam aos parlamentares emendas de
até 1,2% da Receita Corrente Líquida (RLC), passam a existir também as emendas
de bancada impositivas, (EC 100/2019), adicionando mais 1% da RLC à parte do
orçamento controlada pela Congresso.
Bolsonaro parece se dar conta do modelo de jogo com
o Congresso e o poder deste e sucumbe, abrindo mão do controle do governo e do
orçamento para o Parlamento, representado no governo e no comando da Câmara e
do Senado por lideranças do chamado Centrão, tão criticado na campanha. Esse
novo empoderamento do Parlamento em sua relação com o Executivo reforça tanto
as lideranças do Centrão e do Congresso, uma vez que essa liderança avança além
dos partidos e se espraia pela base do Parlamento brasileiro.
Some-se a isso o perfil das lideranças que assumiram
a Presidência da Câmara, principalmente, e do Senado nesse período e teremos o
retrato do empoderamento do Congresso que passou a compartilhar mais do que a
aprovação de projetos do governo, para controlador de parte significativa do
governo através do controle da parte do Orçamento Geral da União.
O modelo de “negócio” em que as lideranças do
chamado Centrão se especializaram, e não escondem de ninguém, é do mais alto
fisiologismo, em que parlamentares votam a partir dos cargos e verbas
prometidas ou obtidas, sem qualquer vínculo com um projeto de país. Por isso a
mídia nem se espanta que os mesmo personagens possam servir a governos com
projetos tão distintos. Há personagens que estiveram nos governos FHC, Lula,
Dilma, Temer, Bolsonaro e novamente se colocam como possíveis aliados, desde
que devidamente alimentados com verbas públicas na forma de cargos ou recursos.
É com esse Novo Congresso, de perfil
majoritariamente conservador e liberal, com bancadas grandes e fortes
organizadas em torno de temas como a agroindústria e o cristianismo de perfil
evangélico neopentecostal, de corte profundamente fisiológico, extremamente
empoderado e convicto de seu poder, que Lula está obrigado a negociar, uma vez
que, mais do que nunca, o Congresso governa com o Executivo.
Ø Presidencialismo de coalizão sofreu mudanças que travam o governo Lula
Na última terça-feira (23), Lula foi ao Congresso e
teve uma grande vitória: o novo regime fiscal foi aprovado com votação
esmagadora. No dia seguinte, Lula voltou ao Congresso e levou uma surra. Em um
único dia, o Parlamento esvaziou ministérios de Lula, retirando competências
das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, aprovou urgência para a
votação do marco temporal para demarcação de terras indígenas e liberou uma
mutreta que permite desmatar a mata atlântica.
Lula não foi apresentado ontem ao presidencialismo
de coalizão brasileiro, em que o presidente se elege sem maioria parlamentar e
tem que formá-la distribuindo cargos e verbas. Já administrou o sistema por
oito anos e sobreviveu. O que mudou?
Alguns críticos apontam problemas em sua gestão
atual do modelo. Por exemplo, o governo pode ter aceitado o fatiamento do Meio
Ambiente para evitar o fatiamento da Casa Civil, que controla muito mais
recursos. Se for o caso, isso reforça a tese do cientista político Carlos
Pereira, que vem insistindo que Lula precisa repartir de maneira mais
proporcional os recursos do governo entre seus aliados.
Por outro lado, há duas diferenças notáveis entre o
Congresso que Lula encontrou agora e seu vizinho de praça dos três Poderes de
2003.
Para o cientista Sergio Abranches, criador do
conceito de “presidencialismo de coalizão”, “o modelo entrou em crise nos
últimos anos, mas os presidentes continuam se elegendo sem maioria
parlamentar”.
O Congresso acumulou poder durante a sequência de
presidentes fracos (Dilma, Temer e Bolsonaro) e não quer devolvê-lo a Lula ou a
qualquer outro chefe do Executivo.
Como Arthur Lira já deixou claro, os parlamentares
querem que um pedaço maior do Orçamento seja distribuído sob a forma de emendas
parlamentares, e não gastos em políticas públicas do governo federal. Isso
diminui a eficácia de políticas de caráter estratégico, de longo prazo, e joga
mais recursos para a política regional, em que a fiscalização da imprensa e das
autoridades é menor.
Além disso, o Congresso parece mais ideologizado.
Não por acaso, o grande sucesso de Lula no Congresso foi o regime fiscal, que
não é tão restritivo quanto a maioria conservadora queria, mas reflete
concessões importantes da esquerda. Já as derrotas do governo foram em meio
ambiente, direitos indígenas e combate às fake news, pautas em que é a direita
que não quer ser submetida a qualquer limite.
Parte desse problema é conjuntural: há uma disputa
pelo posto de rival de direita do PT nas disputas presidenciais, posição que
por muitos anos foi do PSDB. O cientista político Fernando Limongi nota que os
partidos de direita que antes aderiam a qualquer governo (PP, PL, Republicanos,
etc.) agora cogitam esperar a próxima eleição presidencial para assumir o
poder, dificultando a formação da nova maioria.
No longo prazo, pode ser bom que partidos como o PL,
o PP ou o PSD procurem adquirir identidades ideológicas mais claras conforme
cresçam e se tornem rivais do PT nas eleições presidenciais.
No curto prazo, porém, Lula vive no pior dos mundos:
um Congresso ainda sem ideologia suficiente para dispensar a distribuição de
cargos e verbas, mas já ideológico o suficiente para barrar propostas de
esquerda, inclusive as boas.
Ø Ao aceitar alteração na MP dos ministérios, Lula traiu Marina Silva e
Sônia Guajajara
Numa mudança de discurso em relação à semana
passada, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou
nesta terça-feira que o governo vai defender a aprovação da Medida Provisória
que reestruturou os ministérios da forma como está, embora admita que “não é o
relatório ideal”.
Na quinta-feira, Lula havia prometido às ministras
Marina Silva (Meio Ambiente) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas) que ia
“trabalhar” o assunto no Congresso e até vetar as alterações. Na sexta-feira,
Alexandre Padilha e Rui Costa, da Casa Civil, tinham afirmado que atuariam para
que o desenho do governo feito no início do ano retornasse ao “conceito
original”.
“Vamos fazer defesa do relatório do jeito que está.
Vamos discutir no plenário o que eventualmente possa ter de sugestões. Não é o
relatório ideal para o governo, o ideal era o texto original. Mas existe uma
construção que é feita pela Câmara e o Senado. Tem pontos que o governo
eventualmente não concorda. Não acho que é melhor e o ideal. Vamos defender o
relatório” — disse Padilha a deputados e senadores durante almoço da Frente
Parlamentar do Empreendedorismo.
O relatório do deputado Isnaldo Bullhões (MDB-AL),
aprovado em comissão especial na última quarta-feira, alterou o desenho
original reestruturação da Esplanada feita por Lula e enfraqueceu as
atribuições dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas.
Como mostrou O Globo, o governo abriu mão de
reverter o esvaziamento de ministérios do Meio Ambiente e Povos Indígenas e
passou a focar em não ampliar lista de derrotas com a votação dessa MP.
Um fator que pesou na decisão de não reabrir as
negociações é o prazo exíguo para sua aprovação: a medida vence na próxima
quinta-feira, dia 1º, e ainda precisará passar também pelo Senado.
No plenário, a temperatura não é favorável. Líder do
União Brasil, terceira maior bancada da Câmara, com 59 deputados, Elmar
Nascimento (BA) defende a aprovação do relatório e diz que a sigla não vai
sugerir alterações. O líder da bancada ruralista, Pedro Lupion (PP-PR), seguiu
o mesmo tom, mas ponderou que se, o texto for modificado, o bloco vai articular
novas derrotas a Lula.
— Se houver mudança, então nós vamos para os
destaques — disse o deputado, em referência a pedidos para votação em separado
de emendas que já foram apresentadas, tiveram a constitucionalidade avalizada
na comissão, mas não chegaram a ser incorporadas ao relatório.
Em outro tema que representou um revés para a ala do
governo liderada por Marina, o Planalto anunciou que vetará os trechos da MP da
Mata Atlântica que foram inseridos pela Câmara e abrem margem para o aumento do
desmatamento.
Como revelou ontem a colunista Malu Gaspar, uma nota
técnica elaborada pelo Ministério de Minas e Energia em março avalizou pontos
da norma criticados por ambientalistas.
O ministro da pasta, Alexandre Silveira, vive um
embate interno com Marina também decorrente de outro tema: a realização de
estudos para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, vetada pelo Ibama.
Fonte: Por Eduardo Tadeu Pereira, em Outras Palavras/FolhaPress/O
Globo
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