Independencia da
Bahia: Saiba o que é mito e verdade na história do Dois de Julho
Sabe
aquele ditado que diz que quem conta um conto aumenta um ponto? Pois bem, a
expressão brasileira tem um fundo de verdade e prova disso é a Independência do
Brasil na Bahia, que completa o bicentenário neste ano. O Dois de Julho
ultrapassa os limites da história oficial e ganha força no imaginário dos
baianos através da oralidade dos saberes populares. Muitas das lendas que
repetimos e os personagens que transformamos em heróis sequer possuem
comprovação histórica. Maria Felipa existiu? Quem são os caboclos? Quando os
portugueses foram expulsos do país? Se alguma dessas perguntas já passou pela
sua cabeça, essa é a hora de ter as respostas.
Quando
o assunto é desconstruir a história e mergulhar nos fatos como eles realmente
aconteceram, até as imagens que conhecemos desde pequenos merecem um olhar
desconfiado. Uma das pinturas mais memoráveis que registram o Dois de Julho é
do artista Presciliano Silva, que retratou a chegada das tropas baianas em
Salvador após a expulsão dos portugueses.
Homens
muito bem vestidos montados em belíssimos cavalos são seguidos por um exército
de homens saudáveis e contentes. Foi assim que o artista soteropolitano decidiu
representar a independência no quadro Entrada do Exército Libertador. A pintura
foi feita em 1930, ou seja, mais de cem anos depois da cena histórica. De fato,
as tropas baianas chegaram vitoriosas na capital, mas a realidade dos
vencedores era diferente. A Bahia, na época, sequer tinha exército como
conhecemos hoje e os guerrilheiros lutaram sem saberes técnicos e armas
adequadas.
“O
quadro não tem intenção de ser realista, ele representa a construção de uma
narrativa heroica. As condições do exército pacificador eram terríveis, eles
estavam cercando a cidade no meio do mato, longe do luxo da cidade de Salvador.
Eles chegaram em frangalhos, com as roupas sujas, mal alimentados e com fome”,
explica o professor de História Murilo Mello (@murilomellohistoria). Ele lembra
ainda que apesar do Dois de Julho ser a marca da expulsão dos portugueses, o
tenente-coronel Madeira de Melo, nomeado comandante das armas na Bahia, só
voltou para Portugal em novembro, quatro meses depois.
A
ideia que baianos simples e sem experiência em batalhas conseguiram expulsar de
vez os portugueses do Brasil não é mentirosa, mas a visão romântica não dá
conta de explicar toda a história. O historiador Rafael Dantas
(@rafadantashistorart), associado do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia,
lembra que por trás da guerra havia uma elite interessada em manter seus
privilégios. “A elite buscava uma emancipação que garantisse a continuidade de
atuação no espaço político, de suas posses e de seus negócios”, pontua.
• Disputa não foi Ba-Vi
Outro
mito que o professor Murilo Mello faz questão de desconstruir é o de que a
briga entre baianos e portugueses era bem definida. Se hoje muita gente acha
que a disputa pela independência foi quase como um Ba-Vi, em que cada lado sabe
bem sua posição, em 1823, aliados e inimigos se confundiam.
Tornar
o país independente de Portugal era algo novo, que assustava parte
significativa da classe média e elite baiana. “Não tinha essa dicotomia tão
nítida porque muitos baianos ficaram do lado de Portugal. A independência era
uma quimera e tudo que é novo assusta, parte significativa preferia continuar
sendo colono afastado do centro”, afirma Murilo Mello.
Entre
os europeus, havia aqueles que preferiam lutar ao lado dos baianos e garantir a
independência do país ibérico. Uma dessas figuras é Corneteiro Lopes, que tinha
o papel de levar e trazer informações que corriam através dos toques de
corneta. A lenda diz que ao ser instruído a tocar o equivalente a ‘recuar’, o
português teria tocado ‘avançar’ e ‘degolar’, o que ajudou a tropa baiana. A
anedota transformou o corneteiro em herói popular, mas não há comprovação
histórica de que isso tenha realmente acontecido.
• Heroínas
Não
dá para lembrar de heróis do Dois de Julho sem mencionar o trio de mulheres que
marcam a resistência feminina na batalha. Cada uma utilizou as armas que tinha
para ajudar a expulsar os invasores do território baiano. Maria Quitéria fingiu
ser homem para entrar na tropa e lutar contra os portugueses e Joana Angélica
foi assassinada quando tentava proteger o Convento da Lapa das tropas
portuguesas.
Por
outro lado, a figura de Maria Felipa, única negra entre as três, ainda é
formada por muitos mitos e quase nenhuma comprovação de que ela de fato
existiu. Segundo o historiador Murilo Mello, o único registro antigo que
atestaria sua existência foi feito pelo escritor e político Ubaldo Osório
Pimentel (1883-1974). Os contos populares, por outro lado, tornaram Maria
Felipa heroína por seduzir portugueses, dominá-los e surrá-los com folhas de
cansanção.
• Caboclos
A
tradição do cortejo que completa o bicentenário este ano, manda que as figuras
do Caboclo e da Cabocla, que ficam guardados durante todo o ano no Pavilhão
Dois de Julho, percorram as ruas da cidade para relembrar a participação
popular na guerra de independência. O casal não representa figuras históricas
específicas, mas funciona como representação do povo originário brasileiro que
participou da batalha.
Para
entender a escolha dos caboclos, é preciso lembrar que a escravidão só foi
abolida no Brasil em 1888, mais de seis décadas após a independência. Naquele
período, no século XIX, os negros não eram reconhecidos como heróis da disputa,
apesar de terem tido papel fundamental nas batalhas. Muitos, inclusive,
permaneceram na condição de escravizados mesmo depois de atuarem na expulsão
dos portugueses.
“A
Bahia não queria representar seu passado negro nas comunicações oficiais no
final do século XIX e início do século XX. Partindo desse ponto de vista, em
plena vigencia da escravidao, é possível imaginas que a personificiação da
indepêndecia em um personagem negro não iria para frente”, explica o historiador
Rafael Dantas. Como não cairia bem utilizar figuras brancas, já que os europeus
foram os expulsos durante a guerra, se optou pelas imagens dos caboclos.
Lula na Bahia nos 200 anos da
independência
Em
publicação nas redes sociais, na tarde desta segunda-feira (26), o governador
Jerônimo Rodrigues confirmou a vinda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a
Salvador, no próximo domingo, 2 de julho, para participar das comemorações pela
Independência da Bahia.
“Mais
uma vez, Lula atende ao nosso convite. Teremos o presidente lado a lado de
baianas e baianos na celebração dos 200 anos da Independência do Brasil na
Bahia, nosso símbolo da liberdade e democracia conquistadas pelas mãos do
povo”, escreveu o governador em seu perfil no Twitter.
Este
é o segundo ano seguido em que o presidente Lula participa da manifestação
histórica, política e cultural. No ano passado, ele acompanhou o cortejo,
percorrendo o trecho inicial do trajeto.
• Bicentenário
Em
2023, o Governo do Estado preparou uma série de ações para celebrar o
Bicentenário da Independência do Brasil na Bahia, destacando a importante
atuação dos baianos nas batalhas que resultaram na expulsão definitiva dos
portugueses que resistiam, em território baiano, contra o fim do domínio de
Portugal. Ao longo de todo o mês de julho e do segundo semestre, serão
realizadas ações cívicas, pedagógicas e artístico-culturais na capital e em
toda o estado. O planejamento visa enfatizar o 2 de Julho, data mais
emblemática da luta do povo baiano pela independência do Brasil.
Fonte:
Correio/Tribuna da Bahia
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