quinta-feira, 1 de junho de 2023

Iminência da desdolarização: como a perda de influência do dólar afetará as relações internacionais?

Desde 1944, o poder financeiro americano tem sido usado como uma arma geopolítica dos Estados Unidos. Nesse contexto, o principal componente desse poder foi sem dúvida a consolidação do dólar como moeda do comércio internacional.

Ao controlar os fluxos globais de transferência por meio de sistemas (como o SWIFT) e de organizações multilaterais do pós-guerra como o Fundo Monetário Internacional, Washington se colocou numa posição privilegiada perante outros atores do sistema, podendo agir por meio de sanções unilaterais para atingir seus objetivos políticos.

Contudo, hoje a predominância do dólar no sistema encontra-se contestada como nunca antes, movimento esse que demonstra ser irreversível.

Por certo, esse é o problema mais sério com o qual os Estados Unidos terão de se deparar pelos próximos anos. Atualmente, são muitos os Estados (sobretudo os pertencentes ao BRICS) que veem a hegemonia do dólar como uma relíquia do passado e que buscam desenvolver infraestruturas financeiras alternativas e pagamentos em moedas nacionais.

Nesse contexto, a China tem desempenhado um papel fundamental, como uma das principais economias do mundo capazes de contrabalançar os Estados Unidos. Pequim tem se empenhado ativamente nesse processo de desdolarização do sistema, por meio de acordos bilaterais com países importantes (Rússia, Brasil e até mesmo Arábia Saudita, tradicional parceiro dos americanos no Oriente Médio), assim como por meio de arranjos multilaterais e institucionais diversos.

Com isto, os chineses procuram desfazer a primazia do dólar nas relações internacionais, movimento esse que tem refletido a desconfiança de muitos países com relação aos Estados Unidos.

Em sua última visita à China, por exemplo, o presidente brasileiro Lula chegou a um acordo com Pequim para o estabelecimento de negociações e de comércio bilateral baseado em moedas nacionais, ampliando a autonomia econômica do Brasil.

Além do mais, desde que assumiu a presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) esse ano, Dilma Rousseff também tem feito discursos a respeito da necessidade da desdolarização nos negócios empreendidos pelo banco e entre seus países, indicando que até um terço dos empréstimos empregados pela instituição se dão em moedas locais.

Não por acaso, já existem cerca de 20 Estados interessados em aderir de alguma forma seja ao BRICS ou ao Novo Banco de Desenvolvimento.

Essas são transformações históricas que, como disse Xi Jinping a Vladimir Putin depois de sua visita a Moscou, "não ocorriam há mais de 100 anos". Vale lembrar que, no plano das relações internacionais, o poder social da moeda dominante derivava justamente da posição privilegiada do Estado hegemônico do sistema, que concentrava em si não somente um grande mercado como também um aparato militar praticamente incontestado.

Desde o pós-guerra, por sua vez, o poder monetário centrou-se justamente nos Estados Unidos, tendo em vista que a Europa Ocidental se encontrava em frangalhos e a União Soviética apresentava-se como um bloco econômico de modelo autárquico dentro do sistema.

Dada essa condição inicial, o poder de veto concedido a Washington em instituições de crédito e de financiamento internacional, como o FMI e o Banco Mundial, fez com que os Estados Unidos assumissem uma posição hegemônica, impulsionado o papel do dólar como moeda de comércio internacional.

Por fim, quando em 1971 o governo Nixon abandonou a conversão do dólar por ouro a uma taxa pré-fixada, os bancos centrais de todo o mundo já não podiam mais controlar as políticas econômicas dos Estados Unidos, nem eram capazes de repudiar a legitimidade do dólar no sistema.

Os aliados de Washington, portanto, não tiveram escolha a não ser aceitar a hegemonia da moeda estadunidense. Com isto, os americanos procederam então a uma política de cercamento da Rússia soviética e da China comunista, estabelecendo cerca de 800 bases militares em todo o globo e transformando-se assim num verdadeiro império mundial.

Depois do final da Guerra Fria, por sua vez, ficava claro que as sanções unilaterais aplicadas pelos Estados Unidos poderiam ser usadas para estrangular potências e países considerados hostis, como ocorreu por exemplo com Cuba, Venezuela, Coreia do Norte, Irã, entre outros.

A partir dos anos 2000, contudo, com o desenvolvimento econômico e industrial da China, Pequim começou a se tornar o principal parceiro comercial da maioria dos países do mundo, apresentando-se como um potencial adversário geopolítico e geoeconômico dos americanos no século XXI.

Desse ganho de importância da China no sistema é que deriva justamente um dos principais catalisadores desse processo de desdolarização em curso.

Não somente isso, mas também as sanções americanas e europeias de caráter draconiano aplicadas à Rússia desde 2014 e com ainda mais força em 2022 mostraram ao mundo que não se pode mais confiar nas instituições multilaterais sob comando de Washington e tampouco na posição do dólar como moeda de referência no sistema.

A desfaçatez dos Estados Unidos tornou-se ainda mais evidente quando o país apreendeu em 2022 mais de US$ 300 bilhões (R$ 1,53 trilhão) em ativos russos no exterior, sugerindo inclusive utilizar esses fundos para a reconstrução da Ucrânia no pós-conflito.

Tais atitudes, portanto, acabaram de vez com a confiança na hegemonia do dólar, indicando a diversos países que depositar suas fichas num Estado que se apodera de ativos estrangeiros a seu bel-prazer é um dos passos mais arriscados que se pode tomar.

Não surpreende então que inúmeros esforços estejam em curso para acelerar a desdolarização do sistema, de forma a reduzir o poder das sanções unilaterais e agressivas de Washington a seus adversários.

Sem dúvidas, o século XXI testemunha apenas o começo dessa mudança, na qual o estabelecimento de acordos bilaterais e institucionais permitirão terminar de vez com a hegemonia internacional do dólar. Esse será o principal traço de um novo mundo que se apresenta política e economicamente multipolar.

 

Ø  Noam Chomsky: Europa sofrerá declínio e desindustrialização se ficar no sistema dominado pelos EUA

 

A Europa vai passar por um provável declínio e desindustrialização se optar por permanecer dentro do sistema dominado pelos EUA, disse o renomado acadêmico e filósofo norte-americano Noam Chomsky à Sputnik.

"A Europa tem uma decisão importante a tomar: será que vai permanecer dentro do sistema dominado pelos EUA, enfrentando um provável declínio a até mesmo, alguns preveem, desindustrialização? Ou vai se adaptar de alguma forma ao seu parceiro econômico no Leste, rico em recursos minerais que a Europa precisa e uma porta de entrada para o lucrativo mercado da China?", questiona Chomsky.

O especialista observou que essas questões têm surgido de uma forma ou de outra desde a Segunda Guerra Mundial.

Ao ser perguntado se ele acha que estamos no limiar de uma nova ordem mundial e se o conflito ucraniano pode ser um catalisador para grandes mudanças, Chomsky disse: "Há muita controvérsia sobre a forma do sistema mundial emergente." Chomsky explicou que as alternativas básicas são um sistema multipolar baseado nas Nações Unidas ou um sistema unipolar "baseado em regras", no qual os EUA definem as regras e, como a história tem mostrado, as despreza quando quer.

O acadêmico e filósofo disse ainda que tem esperança de que a Europa se incline para a visão do ex-líder soviético Mikhail Gorbachev de criar "'um lar europeu comum' de Lisboa a Vladivostok sem alianças militares e fazendo esforços comuns para avançar em direção a um futuro social-democrata".

Os EUA escolheram seguir a opção atlantista, baseada na OTAN, que recentemente foi expandida na região do Indo-Pacífico em uma tentativa liderada por Washington para envolver a Europa em seu confronto com a China, observou ele.

"Espero que o futuro tenda para a visão de Gorbachev, antes que seja tarde demais", acrescentou o filósofo. Chomsky observou que o ex-presidente dos EUA George H.W. Bush e o antigo líder soviético Mikhail Gorbachev concordaram que a Alemanha deveria ser unificada e se juntar à OTAN, mas a aliança militar não deveria se estender nem "uma polegada para Leste" da Alemanha.

"Os documentos, que são claros e inequívocos, estão disponíveis no site do Arquivo de Segurança Nacional. O presidente Bush cumpriu o acordo", disse Chomsky.

Entretanto, disse ele, o sucessor de Bush, Bill Clinton, violou o acordo, ignorou as fortes objeções de diplomatas de alto nível dos EUA e de uma ampla gama de analistas políticos, que alertaram que as ações para expandir a OTAN eram imprudentes e provocativas.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, apelou repetidamente à formação de uma Europa unida e pacífica, de Lisboa a Vladivostok.

 

Ø  Moeda do BRICS pode ser discutida na cúpula na África do Sul, diz vice-premiê russo

 

A questão da criação de uma moeda do BRICS pode ser levantada na cúpula do bloco na África do Sul, disse o vice-primeiro-ministro russo Aleksei Overchuk.

A 15ª cúpula do BRICS será realizada em Joanesburgo, África do Sul, de 22 a 24 de agosto de 2023.

"Essa ideia está sendo considerada hoje pelos Ministérios das Finanças e pelos bancos centrais da associação [BRICS]. Essa questão, é claro, requer uma análise detalhada de especialistas, já que a criação de instituições de pagamento supranacionais é uma questão muito complexa", disse Overchuk na Duma de Estado (câmara baixa do parlamento russo), respondendo a perguntas de deputados.

Ele lembrou que essas decisões devem ser tomadas por todos os países com base no consenso.

"Deve-se entender que esse trabalho já começou, mas levará tempo. Não descartamos que esse tópico seja levantado durante a cúpula do BRICS na África do Sul", disse Overchuk.

O vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, disse na semana passada que, até o momento, não há necessidade de falar sobre uma moeda única para o BRICS.

De acordo com Ryabkov, a transição para uma moeda única implica a criação de um único centro emissor, um órgão regulador, a coordenação de seus poderes e a possível transferência dos direitos de emissão de moeda para um órgão supranacional.

Isso significa que os BRICS terão de harmonizar as políticas macroeconômicas e monetárias.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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