Google e Facebook
teriam “derrubado” PL das fake news
O
Google e a Meta – controladora do Facebook, Whatsapp e Instagram – lideraram
uma operação de pressão e lobby para derrubar o Projeto de Lei 2630, o PL das
Fake News, da pauta do Congresso brasileiro. Ao longo de 14 dias, as empresas e
outras big techs atuaram fortemente para deputados se posicionarem contra a
proposta, com ameaças de retirar conteúdo das redes sociais e disseminação de
uma campanha de ataques às contas deles na internet.
Um
monitoramento do Estadão revelou que a pressão das empresas fez com que pelo
menos 33 deputados mudassem de posicionamento entre a aprovação do requerimento
de urgência, dia 19 de abril, e a retirada de pauta, em 2 de maio. Um site,
hospedado nos Estados Unidos, foi aberto para mostrar o voto de cada um. Os
internautas foram instigados a mandar mensagens para aqueles que se diziam a
favor ou ainda não tinham se colocado claramente contra.
A
atuação do Google foi parar na Polícia Federal. O representante da empresa,
Marcelo Oliveira Lacerda, diretor de Relações Governamentais e Políticas
Públicas da empresa, admitiu na investigação que a empresa gastou R$ 2 milhões
na campanha contra o projeto. No depoimento, Lacerda alegou que, no início, a
big tech queria apenas expor o que estava em discussão. Mas a atuação do Google
foi além. Numa ofensiva contra o PL 2630, o Google incluiu abaixo da barra de
pesquisa do buscador mais usado no mundo um link para um texto da empresa com o
título “O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou
mentira no Brasil”.
Hoje
é esse projeto, amanhã pode ser qualquer outro. - Paulo Pimenta, ministro da
Secretaria de Comunicação em evento da Associação Nacional dos Jornais (ANJ).
A
nova lei pretende regulamentar as plataformas digitais pela primeira vez no
Brasil e foi encabeçada pelo presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). Os
deputados aprovaram um requerimento de urgência do projeto de lei no dia 25 de
abril, acelerando a tramitação, com apoio do governo do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Lira pautou o texto no dia 2 de maio, mas retirou a proposta da
pauta, com o pretexto de que o governo não tinha votos para aprovar o texto.
Assim, o assunto tratado inicialmente como urgente urgentíssimo foi
completamente esquecido.
Nos
últimos dois meses o Estadão mapeou a atuação das big techs para interferir na
discussão do Congresso brasileiro a ponto de tirar o assunto da pauta. A mobilização
começou em 19 de abril, quando o projeto começou a ser chamado de “PL da
Censura”. As empresas estrangeiras montaram uma operação online e offline. Nos
gabinetes, lobistas atuaram para convencer deputados a recuar. Nas redes, as
plataformas fizeram campanhas abertas contra o projeto e deram voz a
internautas para pressionar deputados que se posicionaram a favor ou estavam
indecisos.
Um
dos alvos da pressão foi o deputado José Nelto (PP-GO), que admite a mudança de
posição após a pressão das redes, impulsionada pelas big techs. “Eu era
favorável a discutir o PL e, com o bombardeio que eu recebi, eu mudei de
posição”, disse o parlamentar ao Estadão. Nas redes desses parlamentares,
dezenas de comentários cobraram mudanças de votos e, assim que o deputado
anunciava o voto “não”, havia comemoração e agradecimento.
Eu
era favorável a discutir o PL e, com o bombardeio que eu recebi, eu mudei de
posição
Deputado
José Nelto (PP-GO) admite ter alterado de posição no PL das Fake News
Presidente
da Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital, o deputado
Lafayette Andrada (Republicanos-MG) disse que o movimento dos representantes
das big techs foi intenso no Congresso. “Eu recebi representantes de todas as
plataformas, Google, Shopee, Youtube…. Era uma fila. Todo mundo ficou
apavorado”, admitiu Lafayette Andrada.
Durante
a ofensiva, dirigentes do Google e da Meta estiveram presencialmente na Câmara.
Registros internos obtidos pelo Estadão mostram que o diretor do Google,
Marcelo Lacerda, esteve cinco vezes na Casa nesse período. Uma delas foi no dia
25 de abril, durante a votação da urgência do projeto, quando chegou às 16h10.
Após o adiamento da análise do mérito pelo plenário, Lacerda foi outras três
vezes à Câmara.
O
dirigente informou ter ido a comissões da Câmara, aos gabinetes dos deputados
Vicentinho Júnior (PP-TO) e Fábio Reis (PSD-SE) e à liderança do União Brasil.
O destino é fornecido por cada visitante que chega à Câmara. O sistema interno
da Casa não registra as saídas. Não é possível, portanto, saber de fato em
quais locais cada visitante esteve e se foi ao destino informado na entrada.
Após o acesso, o lobista costuma circular por diferentes gabinetes, comissões e
até o plenário.
Os
diretores da Meta Kaliana Puppi Kalache e Murillo Delgado Laranjeira também
estiveram na Câmara no ápice das discussões sobre o PL 2630. Kalache informou
que iria ao “plenário 11″ no dia 27 de abril, quando acessou a Câmara. No
local, porém, não havia nenhuma reunião ou audiência pública naquele dia, de
acordo com a agenda da Casa. Laranjeira, por sua vez, fez oito visitas entre
março e maio.
As
plataformas também miraram em integrantes da Frente Parlamentar do
Empreendedorismo (FPE), que reúne maioria de deputados de direita e de oposição
ao governo Lula. O vice-presidente do grupo, Joaquim Passarinho (PL-PA),
sugeriu que as empresas se antecipassem e elaborassem novas regras para evitar
que o projeto volte à pauta. “Se vocês não se anteciparem, na próxima podem
perder”, disse o congressista em uma das reuniões.
Em
conversas com integrantes da direita e da bancada evangélica no Congresso,
lobistas do Google e de outras plataformas digitais ameaçaram apagar conteúdos
dos parlamentares se o PL das Fake News fosse aprovado. A lógica deles era a
seguinte: a lei forçaria as empresas a classificarem o que era fake news ou não
e apagar conteúdos considerados sensíveis. É a chamada “moderação de conteúdo”,
tão temida por parlamentares que vivem das redes sociais para falar com o
público e ganhar dinheiro com monetização.
Não
por acaso, a bancada evangélica passou a difundir mensagens sobre o risco de
censura a versículos da Bíblia. Um dos disseminadores desse alerta foi o então
deputado Deltan Dallagnol. Na época, o relator do projeto, Orlando Silva
(PCdoB-SP), classificou essas mensagens como “fake news”.
A
estratégia contra o PL uniu uma articulação online e outra offline. Forças
políticas do Congresso, como o presidente da bancada evangélica no Congresso,
Eli Borges (PL-TO), participaram das negociações internas. Em outra ponta,
lideranças com perfis fortes nas redes sociais, como o pastor Silas Malafaia,
da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, agiram para fortalecer o discurso de
censura e de uma suposta falta de liberdade religiosa. “Nosso posicionamento é
em defesa da liberdade, sem influência de ninguém”, afirmou Eli Borges ao
Estadão, ao relatar os contatos que teve para derrubar a votação.
O
resultado seria outro se não fosse a bancada da Bíblia. Monitoramento da Casa
Galileia em redes sociais mapeou a mobilização desse grupo entre os dias 19 de
abril e 2 de maio – este último apontado como o “Dia D” do Google contra o PL
das Fake News. O levantamento apontou que os deputados Marcel van Hattem
(Novo-RS), Kim Kataguiri (União-SP), Deltan Dallagnol (Pode-PR), Nikolas
Ferreira (PL-MG), Bia Kicis (PL-DF) e Marco Feliciano (PL-SP), e o senador Magno
Malta (PL-ES) lideraram o debate e as narrativas
“Teve
um casamento de lobby fortíssimo. O campo evangélico percebeu que poderia
aproveitar essa onda para se colocar no jogo, colocar as condições que gostaria
de ter no jogo político na Câmara e as Big Techs entenderam que a linguagem
religiosa poderia ser mobilizada nesse guarda-chuva da censura”, afirmou Flávio
Conrado, um dos autores da pesquisa.
No
dia 28 de abril, no meio da pressão, Lira foi a João Pessoa para participar de
um evento sobre reforma tributária. Essa pauta, porém, não era sua principal
preocupação. A urgência já havia sido aprovada, mas a votação do projeto corria
risco. Em conversas que teve, ele responsabilizou particularmente o Google pela
operação contra o PL das Fake News e já sentiu que poderia ser derrotado. Em
seguida, telefonou a deputados pedindo para votar a favor. Ouviu de um deles,
aliado: “Você pode pedir para eu voltar qualquer coisa, menos essa.”
A
derrota do governo e de Lira na votação do PL das Fake News estabeleceu um
marco para a relação do governo com o Congresso e também de Lira com seus
liderados. Mesmo com a força dos dois, quando o assunto é pauta ideológica, não
basta a liberação de emendas parlamentares e o poder do presidente da Câmara
para convencer os deputados. No dia 2 de maio, o projeto saiu da pauta sem data
para voltar. O governo, que antes trabalhava pela aprovação do projeto, não
tocou mais no assunto.
Procurada,
a Meta disse que mantém contatos frequentes com parlamentares e integrantes do
governo. “Nossos times se reúnem regularmente com parlamentares, representantes
do governo e do Judiciário, sociedade civil e acadêmicos no Brasil e no mundo.
Acreditamos que esse diálogo contínuo é importante para construção de
regulações claras e consistentes para todos”, diz a empresa.
Por
meio de nota, o Google disse que defende o debate sobre medidas que possam
combater a desinformação. Sustentou ainda que “o exercício das relações
governamentais está baseado na liberdade de expressão e de associação”.
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A seguir a íntegra da nota do Google:
No
Google, apoiamos o debate público e informado sobre a criação de medidas
regulatórias para lidar com desafios sociais como o fenômeno da desinformação e
ameaças ao processo democrático. Entretanto, acreditamos que é importante que
eventuais propostas sejam amplamente discutidas com vários setores da sociedade
e elaboradas para garantir a proteção de direitos fundamentais como liberdade
de expressão, privacidade e igualdade de oportunidades para todos. Também é
fundamental assegurar a manutenção de um ambiente econômico que permita a
inovação e a livre concorrência, sem o favorecimento de determinados grupos ou
setores.
Todos
os brasileiros têm o direito de fazer parte dessa conversa e, por isso, estamos
empenhados em comunicar as nossas preocupações sobre o Projeto de Lei 2630 de
forma pública e transparente. O exercício das relações governamentais está
baseado na liberdade de expressão e de associação previstas na Constituição
Federal e é um recurso utilizado por várias instituições e empresas envolvidas
no debate sobre o PL 2630.
Continuamos
à disposição para contribuir com esse debate, ao mesmo tempo em que reafirmamos
nosso compromisso de revisar constantemente nossos produtos e políticas para
lidar com estes mesmos desafios como fizemos nas eleições de 2022 e no
enfrentamento da pandemia de COVID-19.
Veja a lista de deputados que recuaram do
PL das Fake News após pressão do Google e da Meta
Após
pressão do Google e da Meta – controladora do Facebook, WhatsApp e Instagram –,
33 deputados mudaram de posição em relação ao PL das Fake News. Reportagem do
Estadão revelou nesta segunda-feira, 26, que as empresas lideraram uma operação
de pressão e lobby durante 14 dias para derrubar a proposta da pauta do
Congresso.
A
operação envolveu visita de lobistas a gabinetes, ameaça de exclusão de
conteúdos nas redes sociais se o projeto fosse aprovado e uma investida online
contra os parlamentares que haviam se posicionado a favor do texto. As empresas
confirmaram os contatos com os parlamentares e defenderam a atuação contra o PL
das Fake News.
Um
dos parlamentares, o deputado José Nelto (PP-GO), admitiu a mudança de posição
após a pressão das redes, impulsionada pelas big techs. “Eu era favorável a
discutir o PL e, com o bombardeio que eu recebi, eu mudei de posição”, disse o
parlamentar ao Estadão.
Outros
congressistas alegaram que, no primeiro momento, foram favoráveis a colocar o
projeto em votação no plenário em função de um acordo entre líderes da Casa,
mas depois se posicionaram contra por não concordarem com o conteúdo da
proposta.
“Eu
recebi representantes de todas as plataformas, Google, Shopee, YouTube…. Era
uma fila. Todo mundo ficou apavorado”, afirmou o deputado Lafayette de Andrada
(Republicanos-MG), presidente da Frente Parlamentar Mista da Economia e
Cidadania Digital.
Veja
quem são os deputados que mudaram de voto
Adail
Filho (Republicanos-AM)
Adolfo
Viana (PSDB-BA)
Alexandre
Guimarães (Republicanos-TO)
Aluisio
Mendes (Republicanos-MA)
Amaro
Neto (Republicanos-ES)
Antônia
Lúcia (Republicanos-AC)
Bebeto
(PP-RJ)
Cleber
Verde (MDB-MA)
Cobalchini
(MDB-SC)
Fausto
Santos Jr. (União-AM)
Fred
Linhares (Republicanos-DF)
Gabriel
Mota (Republicanos-RR)
Geraldo
Mendes (União-PR)
Gilberto
Abramo (Republicanos-MG)
Gilvan
Maximo (Republicanos-DF)
Gutemberg
Reis (MDB-RJ)
Icaro
de Valmir (PL-SE)
Jorge
Braz (Republicanos-RJ)
José
Nelto (PP-GO)
Julio
Cesar Ribeiro (Republicanos-DF)
Lafayette
de Andrada (Republicanos-MG)
Luciano
Vieira (PL-RJ)
Luis
Carlos Gomes (Republicanos-RJ)
Marangoni
(União-SP)
Marcos
Pereira (Republicanos-SP)
Maria
Rosas (Republicanos-SP)
Marussa
Boldrin (MDB-GO)
Robinson
Faria (PL-RN)
Rogéria
Santos (Republicanos-BA)
Sargento
Portugal (Podemos-RJ)
Silas
Câmara (Republicanos-AM)
Vicentinho
Júnior (PP-TO)
Wilson
Santiago (Republicanos-PB)
Fake News: Moraes nega pedido de Dino
contra Dallagnol
O
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes negou um pedido
do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para que o ex-deputado
federal Deltan Dallagnol passasse a ser investigado no inquérito das fake news,
em tramitação no STF.
Dino
alegava que Dallagnol espalhou notícias falsas ao afirmar em entrevistas que o
ministro da Justiça fez acordos com o crime organizado, que permitiriam a ele
visitar o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, em março.
Na
queixa ao Supremo, que tramita em segredo de Justiça e foi revelada por VEJA em
abril, Flávio Dino diz que a visita foi “dolosamente repercutida nas redes
sociais de parlamentares” e cita entrevistas concedidas por Deltan Dallagnol à
CNN e à Jovem Pan.
Em
decisão na última quinta-feira, 22, no entanto, Moraes disse não ver conexão
entre as declarações de Dallagnol e os fatos investigados no inquérito das fake
news, que apura ameaças e ataques contra ministros do Supremo.
Diante
da perda do mandato parlamentar de Deltan Dallagnol, cassado pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), o ministro determinou o envio da notícia-crime de
Dino contra ele à primeira instância da Justiça Federal do Distrito Federal.
“No
caso dos autos, conforme relatado, o requerido não mais exerce o cargo de
Deputado Federal desde 6/6/2023; bem como inexiste conexão com a investigação
que tramita no Inq. 4.781/DF, não se configurando a hipótese prevista no art.
76 do Código de Processo Penal.
Dessa
forma, não estando presentes os requisitos integradores da competência desta
Suprema Corte, determino a imediata remessa dos autos à Seção Judiciária do
Distrito Federal, para livre distribuição”, decidiu Moraes.
• Entenda o caso
A
visita de Flávio Dino ao complexo de favelas na Zona Norte do Rio ocorreu em 13
de março, quando foi lançado o boletim “Direito à segurança pública na Maré”.
O
ministro participou de um debate com comitivas de vários bairros cariocas, ao
lado de secretários do ministério como Tadeu Alencar (Segurança Pública) e
Marivaldo Pereira (acesso à Justiça).
Segundo
a ação do ministro, a visita “teve por finalidade garantir a participação da
sociedade civil no desenvolvimento da política pública nacional de segurança
pública e defesa social”.
Nas
entrevistas alvo da ação no Supremo, Deltan Dallagnol declarou que “nós vimos
no passado um áudio de integrante do PCC dizendo que com o PT, com o governo do
PT, tinha conversa, mas com o Moro não tinha conversa. Com esse Moro não dava
para conversar. E a gente tem evidência concretas disso agora, essa semana. O
ministro da Justiça entrando na favela da Maré”.
Em
outro trecho indicado por Dino na petição, o parlamentar declarou que “o que o
ministro da Justiça fez é impossível fazer sem um acordo com o crime
organizado. Nós temos um governo e um ministro da Justiça que fazem acordo com
o crime organizado. Isso é inadmissível.”
Na
notícia-crime protocolada no STF, Flávio Dino afirmou também que, além de
disseminar fake news, o deputado cometeu os crimes de calúnia e difamação
contra ele, quebrou o decoro parlamentar e pode ter incorrido no delito de
racismo contra “camadas menos abastadas da sociedade, retirando-lhes,
inclusive, o direito de serem ouvidas pelo poder público”.
Fonte:
Agencia Estado/Veja/O Globo
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