CPMI do 8 de
janeiro questiona George Washington sobre conexões agrárias
A
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos de 8 de Janeiro recebeu
na quinta (22) a aguardada oitiva de George Washington de Oliveira Sousa,
mentor da tentativa frustrada de atentado a bomba no aeroporto de Brasília, em
24 de dezembro de 2022. Em uma sessão entrecortada por ataques da oposição
bolsonarista — que tenta emplacar a tese de que os atos golpistas que ocorreram
antes e durante o 08 de janeiro seriam fruto de “infiltrados” de esquerda —
poucos parlamentares exploraram as conexões políticas e empresariais do
terrorista.
Uma
delas foi a senadora Ana Paula Lobato (PSB-MA), que citou dados do dossiê “As Origens Agrárias do Terror“, publicado em
maio pelo De Olho nos Ruralistas, para sustentar parte de seu inquérito. Antes
dela, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da comissão, fez referência a
outra reportagem do observatório, publicada em dezembro, poucos dias após
George Washington ser preso, revelando a extensão dos negócios — de
transportadoras a postos de combustíveis — controlados pelo tio dele, Sebastião José de Souza.
Em
sua fala, a senadora Ana Paula se referiu especificamente ao fato de George
Washington ter ligado para o empresário e político Ricardo Pereira da Cunha e o
pecuarista Bento Carlos Liebl. Cunha é dono da empresa USA Brasil de Xinguara,
destinatária da chave PIX divulgada por diversos fazendeiros do Pará que
recolhiam doações para financiar atos antidemocráticos, conforme mostrou a Repórter Brasil. Liebl é
fazendeiro em São Félix do Xingu (PA), onde ele e sua família são donos de pelo
menos 15 mil hectares, segundo dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural, do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (SNCR/Incra).
A
pergunta foi reiterada posteriormente pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ),
porém George Washington não respondeu a nenhum dos questionamentos.
SENADORA
MENCIONA REPORTAGEM DO OBSERVATÓRIO EM SUAS PERGUNTAS
Na
terça-feira (20), a advogada Rannie Karlla de Lima Monteiro protocolou um
pedido de habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal para que o terrorista
obtivesse o direito dele permanecer em silêncio diante de
questões que pudessem incriminá-lo. Apesar da corte não ter acatado o pedido, o
mesmo foi possibilitado após o presidente da comissão, o deputado Arthur Maia
(União-BA), mudar a condição de George Washington de testemunha para
investigado.
Confira
abaixo o trecho na íntegra:
Sen.
Ana Paula Lobato: O site De Olho nos Ruralistas identificou que o senhor,
ao ser preso, fez questão de ligar para duas pessoas. É significativo que não
se tratasse de um membro familiar ou um advogado. Assim, lhe pergunto: quem são
nomeadamente estas pessoas e sua ligação com elas?
George
Washington de Oliveira Sousa: Permanecerei calado, senhora.
Ana
Paula: Por
qual motivo específico após sua prisão em flagrante o senhor priorizou o
contato com tais pessoas?
GW: Permanecerei
calado, senhora.
Ana
Paula: Qual
o teor dessas conversas? O senhor ouviu destas pessoas algum aconselhamento
específico?
GW: Permanecerei
calado.
Ana
Paula: O
senhor se considera um homem de negócios bem-sucedido com sua empresa de gás no
Pará?
GW: Permanecerei
calado.
GOVERNO
PEDIU QUEBRA DE SIGILO DE TIO E PRIMAS DE GEORGE WASHINGTON
Utilizando
o tempo de relatora, a senadora Eliziane Gama tentou retirar de George
Washington mais informações sobre o apoio que teria recebido de amigos e
familiares. Em dado momento, ela cita dados divulgados por este observatório
sobre os negócios em nome de seu tio Sebastião José de Souza, o Tião, e de suas
primas.
—
Eu tenho a informação de que essa caminhonete [na qual George Washington
dirigiu de Xinguara até Brasília] era de propriedade das sócias do
posto Cavalo de Aço, no qual, em tese, você era funcionário – mais precisamente
gerente, como lembra minha colega -, e, portanto, essa caminhonete seria de
propriedade da pessoa jurídica desta empresa, cujas sócias são as Sras.
Francisca Alice de Sousa Reis e Michelle Tatianne Ribeiro de Sousa. Confere
essa informação?
Mais
uma vez, ele se manteve calado.
Nascido
em Sobral (CE), George Washington de Oliveira Sousa informou à Justiça, em 2016, que morava na Rua
da Uriboca Velha, 770, em Marituba (PA), na região metropolitana de Belém. O
mesmo endereço de Tião, dono da Transportadora Patriarca e, junto com as
filhas, de uma vasta rede de postos de gasolina em cinco estados da Amazônia
Legal. Um dos postos em nome das primas de George Washington fica em Xinguara,
com o mesmo nome — Cavalo de Aço — da churrascaria ao lado, em nome de George
Washington de Oliveira Sousa Filho.
A
propriedade ao lado da casa em Marituba, em área similar, está à venda
por R$ 2.250.000. A 500 metros, no
Km 11 da Rodovia BR-316, ficam outras empresas de Tião e das filhas: o Super Posto 2000, em nome das irmãs
Francisca Alice de Sousa Reis, e Michelle Tatianne Ribeiro de Sousa; e a loja
de conveniências BR Point 2000, em nome do pai
delas, Sebastião. Tião já teve outra empresa ao lado, uma metalúrgica, junto com o
criador do Sindicato da Habitação do Pará.
O
próprio anúncio de venda da casa ao lado, no bairro do Uriboca, informa que
Tião é o dono do endereço informado por George Washington, na primeira casa
acima. Várias imobiliárias colocaram o imóvel à venda.
Após
a intervenção de Eliziane, o vice-líder do governo na Câmara, deputado Rogério
Correia (PT-MG) pediu a quebra do sigilo bancário de Sebastião José de Souza,
Francisca Alice e Michelle Tatiana.
FAZENDEIROS
VIZINHOS À TI APYTEREWA ESTÃO POR TRÁS DE TERRORISTA
Uma
das pessoas indicadas como contato de emergência pelo terrorista foi Bento
Carlos Liebl, natural de São Bento do Sul (SC). Ele é proprietário da Fazenda
Santa Tereza, em São Félix do Xingu, com 4.274 hectares, enquanto seu pai,
Bento Liebl, é dono de 4.181 hectares da Fazenda Mamoeiro.
Outra
familiar, Bernadete Liebl Peschl possui a Fazenda São Carlos, com 4.342
hectares, enquanto a cunhada de Bento Carlos, Simone Rudnick Liebl, aparece
como proprietária da Fazenda São Bento, de 3.000 hectares, alvo de embargo do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) por
desmatamento de 24 ha de floresta; desmatamento com uso de fogo. Duas
propriedades vizinhas, as fazendas Bituva Grande, de 6.786 hectares, e Minuano,
de 5.523 hectares, estão registradas em nome de Olivia Reusing, sogra de Bento
Carlos.
Juntas,
as seis fazendas compõem um mega-latifúndio de quase 30 mil hectares,
localizado na fronteira Sul da Terra Indígena (TI) Apyterewa, a mais desmatada
do país entre 2019 e 2022. Três dos imóveis são imediatamente vizinhos do
território do povo Parakanã, conforme mostra o mapa elaborado por De Olho nos
Ruralistas, com base em dados georreferenciados do Incra.
Duas
investigações da Repórter Brasil, em 2020 e 2022,
apontaram São Félix do Xingu como epicentro do desmatamento ilegal associado à
pecuária irregular na Amazônia. Ali, rebanhos provenientes de áreas dentro da
TI são abatidos em propriedades do entorno como forma de “piratear” a procedência
do gado ilegal. Esses rebanhos alimentam a cadeia de produção da Marfrig e de
outros grandes frigoríficos.
A
multinacional presidida por Marcos Molina está ligada a pelo menos uma das
fazendas identificadas por este observatório. Bento Carlos Liebl é casado com
Solange Reusing Liebl, que foi presidente da Associação dos Produtores Rurais
de São Félix do Xingu. Em 2016, ela despontou na mídia especializada como uma
das líderes do projeto “Carne Sustentável: do campo à mesa”, realizado pela
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com a ONG The
Nature Conservancy (TNC). No projeto, a Marfrig passou a fornecer à rede de
supermercados Walmart a marca “Rebanho Xingu”, composta por
lotes com certificado de “boas práticas ambientais” provenientes de
propriedades pré-selecionadas da região, incluindo a Fazenda Bituva Grande, do
pai de Solange, José Otto Reusing, registrada em nome da mãe Olívia.
Dona
da Fazenda São Bento, Simone Rudnick Liebl é casada com Adison Joel Liebl,
irmão de Bento Carlos. Adison é diretor de uma das maiores transportadoras do
país, a Rápido Sunorte, dona de uma imensa frota de caminhões, além de armazéns
no Porto de Itajaí, tendo como principal atividade o transporte de madeira.
Apesar da Rápido Sunorte ter sede em São Bento do Sul (SC) — local onde reside
boa parte da família — existe um registro de 1990 de uma empresa com razão
social Madeireira Sunorte, de mesmo nome da transportadora, em São Félix do
Xingu. A empresa se encontra baixada por não ter iniciado oficialmente suas
atividades.
Ø
Thiago
Guarani, da TI Jaraguá, detalha violência policial durante ato contra Marco
Temporal
—
Eu fui tentar chamar o pessoal de volta e quando olhei para trás eles já
estavam atirando na gente, atirando, mirando no rosto. Acertaram nosso xeramoi,
nosso líder espiritual, xeramoi Natalício, eles atiraram na testa dele, quase
no olho. Eles começaram a atirar bomba, a atirar, a jogar do helicóptero, até
que nós saímos da rodovia, conseguimos sair da rodovia.
Durante
o lançamento do relatório “Os Invasores: parlamentares e seus
financiadores possuem fazendas sobrepostas a terras indígenas”, no dia 14, no
Cine Petra Belas Artes, o líder indígena Karai Djekupe, ou Thiago Guarani,
detalhou a ação violenta da Polícia
Militar de São Paulo durante um ato dos Guarani Mbya, da Terra Indígena (TI)
Jaraguá. O protesto contra o Marco Temporal ocorreu no dia 30 de maio, na
Rodovia dos Bandeirantes.
“Depois
que nós saímos, a Polícia veio atrás de nós, fora da rodovia”, contou Karai.
“Eles não estavam ali para nos dispersar da rodovia. Eles estavam ali para nos
violentar. Após a gente sair, eles nos seguiram, continuaram atirando em nós.
Até na porta da aldeia eles continuaram atirando em nós. Deram rasante de
helicóptero dentro da aldeia, derrubando galho de árvores na cabeça das
pessoas, na minha, inclusive”.
Por
volta das 5h30, um grupo de cerca de cem indígenas fechou o km 29 da rodovia,
abrindo faixas contra o Projeto de Lei 490, que tinha sido aprovado durante aquela
noite pela Câmara. Agora no Senado, o projeto prevê que as demarcações de
terras indígenas aconteçam apenas em locais onde as comunidades estavam no dia
05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Desse
modo, a lei deixará de fora centenas de comunidades que foram expulsas dos seus
territórios ao longo da história e, principalmente, durante a ditadura iniciada
em 1964. Para saber mais sobre a repressão aos indígenas nos anos de chumbo,
assista ao episódio “Um projeto de extermínio”, da série De Olho
na História.
‘ELES
NOS SEGUIRAM ATÉ A TERRA INDÍGENA E VIOLÊNCIA CONTINUOU DURANTE A NOITE’
O
protesto foi marcado por um ritual religioso, no qual os indígenas rezavam para
pedir que os Juruá, não-indígenas em Guarani, evitassem a aprovação do PL.
Karai conta que, durante toda a manhã, eles negociaram com os policiais a forma
como iria acontecer a manifestação. “Fechamos a rodovia por segurança, para não
sermos atropelados”, explicou. “Nós deixamos as motos passarem, as ambulâncias
passarem, e explicamos que estamos sob ameaça e que nós fomos rezar,
negociamos. As mulheres estavam à frente e negociaram”.
Seu
relato aponta várias idas e vindas por parte dos policiais, que, primeiro,
pediram que fosse fechada apenas uma faixa, o que foi aceito pelos indígenas.
Depois, que eles deviam ficar só no acostamento. Por fim, um policial falou que
uma “ordem de cima” dizia que eles tinham que sair. “Vocês sabem, né, gente?
Nós somos governados pelo Palácio dos Bandeirantes, né? Palácio dos
Bandeirantes”, ironizou o líder indígena, em referência ao bandeirantismo,
enquanto contava a história para uma plateia formada por
muitos indígenas, pesquisadores e jornalistas.
O
que se viu em seguida, relatou Thiago Guarani,, foi uma ação truculenta da
Tropa de Choque da PM, atirando com bombas de gás lacrimogêneo e balas de
borracha. Pelo menos cinco indígenas ficaram feridos. Quando a ação começou
eles correram em direção à terra indígena e os policiais continuaram atirando
até os limites da TI.
“E
essa violência continuou durante a noite, continuou no dia seguinte”,
descreveu. “A gente estava exercendo um ato constitucional, de se manifestar.
Estávamos decidindo não ficar parado para os outros seguissem seu fluxo.
Imagina se o Marco Temporal passa”.
Depois
do episódio, os indígenas tentaram fazer outra manifestação, no dia 04, com
autorização dos órgãos estaduais, mas a desembargadora Maria Lúcia
Pizzotti proibiu os indígenas
de protestarem na rodovia.
Veja
o depoimento do líder indígena no vídeo:
POPO
GUARANI MBYA LEVOU ABELHAS DE VOLTA PARA O PICO DO JARAGUÁ
Demarcada
em 2015 pela então presidente Dilma Rousseff, a Terra Indígena Jaraguá está sob
ameaça de retrocesso desde 2017, quando o então governador Geraldo Alckmin,
hoje vice-presidente da República, entrou com um mandado de segurança para
desmarcar a TI, medida apoiada pelo presidente golpista Michel Temer. O
Ministério Público Federal conseguiu, liminarmente, brecar o processo, que
espera uma decisão final.
Mesmo
diante do futuro incerto, os Guarani Mbya têm atuado para reverter o
quadro de degradação de seu território. Ao longo dos anos, os indígenas
conseguiram que nove espécies de abelhas nativas sem ferrão voltassem a voar
pela área do Pico do Jaraguá, um cartão-postal da Grande São Paulo.
“Nós
recuperamos nascentes que estavam secando por conta do plantio de eucalipto
dentro do nosso território”, contou Karai. “Nós protegemos a jaguatirica, nós
protegemos o cachorro-do-mato, o guati, o macaco, o porco-espinho, as aves.
Eles estão lá vivos nessa grande metrópole, no Pico do Jaraguá. Nosso
território garante chuva, nosso território equilibra o ar, porque tem árvores
vivas, árvores que conversam, árvores que sonham”.
A
TI se encontra ameaçada pela especulação imobiliária que avança sobre o
território: “Jorge Paulo Lemann e Itaú estão entre
acionistas de construtora que assusta povo Guarani no Jaraguá, em SP.” E até pela
promoção de festas raves nos limites da área. Nesse contexto, as discussões do
Plano Diretor do município também são uma ameaça, já que elas não têm levado em
conta nem a TI Jaraguá nem a TI Tenondé Porã, que ocupa uma área dos municípios
de São Paulo, São Bernardo do Campo, São Vicente e Mongaguá.
AMEAÇA
DO MARCO TEMPORAL FOI DESTAQUE EM EVENTO QUE LANÇOU ‘OS INVASORES’
Na
avaliação de Karaí, a mudança do governo federal não diminuiu a violência e as
ameaças aos povos indígenas. O líder indígena lembrou que eles apoiaram a volta
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo com a aliança do candidato
petista com Geraldo Alckmin, e destacou a ação articulada do Congresso, com sua
maioria conservadora. “Muita gente acha que nossa vida vai tranquilizar”,
disse. “Mas a gente tem um Congresso Nacional muito mais potencializado em
atacar os direitos dos povos originários, os direitos ambientais”.
A
aprovação do Projeto de Lei do Marco Temporal foi o principal assunto no lançamento da
segunda parte do dossiê Os Invasores, que aponta os políticos com sobreposições
em terras indígenas e aqueles que receberam financiamento eleitoral de
empresários com fazendas incidentes em TIs.
Quarenta
e dois políticos e seus familiares de primeiro grau são titulares de imóveis
rurais com sobreposições em TIs, totalizando 96 mil hectares — o
equivalente à soma das áreas urbanas do Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Dezoito integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) receberam R$
3,6 milhões em doações de campanha de invasores. Entre eles estão o presidente
da frente, Pedro Lupion (PP-PR), os vice-presidentes Arnaldo Jardim
(Cidadania-SP) e Evair Vieira de Melo (PP-ES), a coordenadora política Tereza
Cristina (PL-MS), ex-ministra da Agricultura, e outros oito diretores.
Outro
destaque do relatório são os invasores que investiram em peso na candidatura
derrotada de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição. Juntos, 41 fazendeiros com
sobreposições doaram R$ 1,2 milhão para sua campanha. Eles controlam uma área
de 107.847,99 hectares, incidente em 23 áreas demarcadas pela Funai. Na primeira parte do dossiê,
foram identificadas 1.692 empresas nacionais e estrangeiras com sobreposições
em 213 TIs.
Fonte:
De Olho nos Ruralistas
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