Juristas
indígenas refutam tese do Marco Temporal, que afeta vida e território
O Brasil é lar de uma diversidade de povos indígenas
que possuem direitos constitucionais à terra. Historicamente, muitas dessas
terras têm sido objeto de disputas e processos de demarcação, visando garantir
a posse e a proteção dos territórios indígenas.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) é o
órgão responsável pela identificação, delimitação, demarcação e registro das
terras indígenas, mas isso está prestes a mudar, caso proposta aprovada na Câmara
dos Deputados avance no parlamento brasileiro e crie uma Emenda à Constituição.
Para os povos indígenas, essa medida gera indignação, já que nega o básico: o
direito ao território.
Aprovado por 324 votos a favor e 131 contra, o
requerimento de urgência para o projeto de lei do marco temporal na demarcação
de terras indígenas (PL 490/07) deverá voltar a ser apreciado pelo Congresso
nos próximos dias.
Um exemplo de terra indígena que poderia ser afetada
pela aplicação da tese do marco temporal é a Terra Indígena Raposa Serra do
Sol, localizada no estado de Roraima. A demarcação dessa terra indígena foi
concluída em 2005, após um longo processo de disputas e conflitos.
A tese do marco temporal argumenta que, se essa
interpretação fosse aplicada retroativamente, apenas as áreas ocupadas pelos
indígenas até a data da promulgação da Constituição Federal de 1988, em 5 de
outubro daquele ano, seriam reconhecidas como terra indígena. Isso poderia
questionar a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, uma vez que
parte da ocupação indígena nessa área ocorreu posteriormente a 1988.
Um outro exemplo de terra indígena que poderia ser
afetada pela aplicação da tese do marco temporal é a Terra Indígena (TI)
Munduruku, localizada principalmente no estado do Pará. Essa terra indígena
abrange uma área significativa e é habitada pelo povo Munduruku.
A TI Munduruku tem sido alvo de disputas e conflitos
envolvendo atividades como mineração da Vale, exploração madeireira e invasões
por parte de posseiros e garimpeiros ilegais. A aplicação da tese do marco
temporal poderia questionar a demarcação dessa terra indígena, uma vez que
algumas áreas podem ter sido ocupadas pelos indígenas após a data de 1988, em
um processo conhecido como “retomada”.
·
Advogados indígenas em defesa dos territórios
Na quinta-feira (25), uma forte mobilização de
advogados indígenas que atuam diretamente com questões sobre o território,
fizeram questão de apontar as falhas do Marco Temporal. Separamos algumas
declarações, confira:
“Aprovar a tese do Marco Temporal significaria
violar o próprio Estado Democrático de Direito. Inconstitucional desde o
início, a tese representa um risco à segurança jurídica e social dos povos,
violando o direito à terra, à vida e à memória”, afirma Kari Guajajara, assessora
jurídica e integrante da Rede de Advogados Indígenas da Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Ivo Makuxi, assessor jurídico do Conselho Indígena
de Roraima (CIR) e membro da Rede de Advogados Indígenas da Coiab, afirma que:
“O Marco Temporal tira nossa tranquilidade, nossa
paz. Fere nossa alma, nosso bem-viver. Quer rasgar e destruir nosso território
e quer nos matar de uma vez só, mas não vai conseguir”.
“É absurdo que uma tese tão fraca juridicamente, tão
pobre no sentido interpretativo da Constituição da República Brasileira, traga
justamente a intenção de mitigar os direitos dos povos indígenas. Não é
aceitável que os nossos direitos sejam reconhecidos apenas após a data de 5 de
outubro de 1988”, disse Maurício Terena, Coordenador Jurídico da Apib.
“A tese do marco Temporal não atinge apenas as
terras que estão em processo demarcatório, também vai atingir as terras
demarcas e aqueles territórios homologados depois da promulgação da
Constituição. Por isso é importante estarmos aqui provando a força do movimento
que nós temos”, avalia Ewesh Yawalapiti Waura, consultor jurídico da Associação
Terra Indígena Xingu (Atix).
“O Marco Temporal não passará e nós seguiremos
lutando, assim como os antigos caminharam seus passos nesse território todo
chamado Brasil. Nós vamos continuar lutando para que os direitos originários,
consagrados na Constituição Federal, sejam respeitados”, Paulo Pankararu,
primeiro advogado indígena do Brasil.
“Nós entendemos que o Marco Temporal é de fato uma
tese absurda. Nossos direitos estão sendo atacados de todas as formas”, Jorge
Tabajara, cacique Tabajara e advogado do Departamento Jurídico da Apoinme.
“Consideramos o Marco Temporal uma tese esdruxula. É
uma tese que tenta legalizar a ilegalidade, tornar legal o que segundo a
Constituição Federal é inconstitucional”, afirmou Jocemar Kaiakang, assessor
jurídico da ArpinSul.
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara,
afirmou que deverá continuar buscando convencer o Congresso de que a medida, se
aprova, irá esvaziar o ministério, criado este ano para ser um meio de
mobilização e articulação das demandas indígenas.
Protestos começam a ser marcados em todo o país para
reverter o avanço da proposta, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STf) não
analisa o caso.
Ø Mais de 700 organizações assinam manifesto contrário à boiada da MP 1.154
Na tarde de quinta (25/5), representantes de
organizações da sociedade civil enviaram a lideranças do Congresso Nacional um
manifesto assinado por 790 entidades contra o substitutivo à Medida Provisória
1.154 aprovado ontem pela Comissão Mista.
Entre as centenas de adesões, estão organizações da
sociedade civil que trabalham com meio ambiente e clima, representações
indígenas, movimentos sociais, sociedades científicas, organizações
corporativas e entidades do setor privado.
O documento aponta as alterações a serem feitas para
corrigir os efeitos devastadores do substitutivo sobre o Ministério do Meio
Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI). O
propósito é sensibilizar deputados e senadores para que promovam as mudanças em
plenário.
Essencialmente, são quatro os pontos que precisam
voltar à redação original da MP: gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) pelo
MMA; coordenação pela pasta do Meio Ambiente do Sistema Nacional de Gestão de
Recursos Hídricos (SIGRH) e da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico
(ANA); manutenção do poder do MMA sobre os sistemas de informações dos serviços
públicos de saneamento básico, gestão de resíduos sólidos e gerenciamento de
recursos hídricos; e a competência do MPI para demarcação de Terras Indígenas.
O manifesto salienta: “Votar a favor desses
equívocos significa apoiar a diminuição da capacidade do Brasil combater o
desmatamento, principal fonte nacional de emissões de gases de efeito estufa –
GEE, de assegurar o equilíbrio no uso múltiplo das águas e de garantir a
efetividade dos direitos constitucionais dos Povos Indígenas e a tutela dos
Direitos Humanos. Não há qualquer razão administrativa que justifique o
esquartejamento do MMA e a redução de poder do MPI.”
Ø Indígenas reagem à urgência de marco temporal na Câmara
“Isso é barbárie. Nós estamos presenciando bárbarie,
genocídio. Não carregue o sangue indígena em suas mãos. Assassinos, vocês são
assassinos dos Povos Indígenas!”
Os gritos da bancada indígena da Câmara após os
deputados aprovarem o regime de urgência para o Projeto de Lei 490/2007, que
estabelece o marco temporal para a demarcação de Terras Indígenas, dão a tônica
da revolta de um dia em que Povos Indígenas, ativistas e especialistas
ambientais foram seguidamente atacados no Congresso Nacional. Mas também foram
apenas o início de movimentações – políticas e sociais – contra tantas
violências.
A corrida para aprovar o PL 490 é claramente uma
ação puxada por deputados ruralistas. A bancada do boi tenta fazer com que o
Congresso esvazie a votação do marco temporal no Supremo Tribunal Federal
(STF), que será retomada no dia 7 de junho. Segundo o Congresso
em Foco, se aprovado, o PL do marco temporal pode
representar a perda de 63% das TIs demarcadas ou em processo de demarcação no
Brasil. É por cima delas – e do sangue dos indígenas – que a boiada quer
passar.
A deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) bradou que o PL
490 é um genocídio indígena com a anuência do Legislativo, relata o UOL. “Um Brasil que começa por nós, mas que não leva em consideração o Povo
Originário, que defende não somente um bem prestado a nós, mas sobretudo um bem
prestado à sociedade. São assassinos e é um genocídio legislado, usando a
estrutura do Congresso Nacional.”
Para o advogado do Conselho Indigenista Missionário
(CIMI), Rafael Modesto, a corrida do Congresso é uma clara tentativa de
pressionar o Supremo, disse à Carta
Capital. Entretanto, o “genocídio legislado” pode ser em
vão. Primeiro, porque, mesmo se aprovado na Câmara, o PL ainda passará pelo
Senado, que pode não aprová-lo. Depois, porque a palavra final acabará sendo do
STF.
“É certo que o STF vai definir sobre a interpretação
do artigo 231 e se existe marco temporal na Constituição. O que querem, ao
nosso ver, é pressionar o STF para fixar um entendimento favorável ao PL 490.
São poderes independentes, o Congresso pode até aprovar a lei que regula a
tese, mas quem vai dar a última palavra vai ser a Suprema Corte.”
Por isso, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos
(CNDH) acionou a Advocacia Geral da União (AGU) para solicitar, de maneira
urgente, a revogação do parecer sobre o marco temporal enviado à Corte em 2017,
no governo de Michel Temer. Segundo o CNDH, o documento legitima invasões,
expulsões e violência contra os Povos Indígenas e serve para inviabilizar
demarcações de territórios, bem como rever demarcações concluídas ou em
andamento, informa o Brasil de
Fato.
Em artigo na Folha, Samela Sateré Mawé, assessora de comunicação da Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (APIB) e da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas
Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), lembrou que o marco temporal é
inconstitucional. Além de ferir a vida dos Povos Originários, representa um
risco para a biodiversidade, para o meio ambiente e para o clima de todo o
planeta. É uma tese perversa, que legitima a violência contra os
corpos-territórios indígenas, reforça ela.
“As Terras Indígenas demarcadas e as Unidades de
Conservação são as regiões com maior preservação da biodiversidade, pois somos
nós, Povos Indígenas, os principais guardiões dos biomas. Entendemos o
território como uma extensão dos nossos corpos, não havendo diferença entre os
seres humanos e as árvores, os animais e os rios. Sentimos na pele quando
queimam e desmatam, matando as árvores e os seus moradores, seres vivos e
encantados.”
Fonte: Mídia Ninja/ClimaInfo
Nenhum comentário:
Postar um comentário