domingo, 28 de maio de 2023

Iniciativas da sociedade civil ajudam a preservar Mata Atlântica

A preservação da Mata Atlântica levou uma comunidade em Barra do Turvo, interior paulista, ao saneamento básico, à autonomia financeira e ao protagonismo comunitário para as mulheres. A Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras (Rama), na região do Vale do Ribeira, é uma das iniciativas que contribuem para a defesa e restauração do bioma, que é o mais devastado do país.

A Mata Atlântica, cujo dia é comemorado neste sábado, 27 de maio, tem apenas 24% de cobertura vegetal original conservada, e metade disso é de florestas maduras e bem preservadas. Os dados são da Fundação SOS Mata Atlântica, que revelou nesta semana o desmatamento de mais de 20 mil hectares no período de um ano, o que equivale a 20 mil campos de futebol.

Cerca de 70 mulheres e suas famílias produzem alimentos no modelo de agrofloresta, sem necessidade de desmatar os terrenos e sem usar agrotóxicos e preservando as águas do entorno. Todo esse trabalho gerou benefícios para a comunidade, para além de manter a floresta em pé.

“Na floresta, a gente tem o cambuci, tem a erva-mate e o pomar, que é misturado com as árvores nativas. E lá nos quilombos também: eles têm agrofloresta e as plantações deles são na floresta. Tem banana, pupunha, palmito, horta, tudo rodeado de árvores. Tudo que a gente planta, nos grupos e no quilombo, é agrofloresta. O que é mais aberto é onde se planta verdura, mesmo assim é nos cantinhos e com árvore perto”, disse Maria Izaldite Dias, de 70 anos, integrante da rede desde sua formação em 2015.

Izaldite lembrou o tempo em que os esgotos escorriam pelos quintais das casas. Com a implantação do projeto de agricultura de mulheres da região, foi possível instalar fossas onde antes o esgoto escorria pelos terrenos. “Eu me sinto muito feliz de hoje, passando na casa das companheiras, ver que os esgotos não estão escorrendo no terreno e de saber que isso melhorou a vida das pessoas e que muitas delas tiveram consciência de não limpar mais seu quintal com veneno”, disse.

“As pessoas andavam doentes, as crianças com diarreia, e a gente não sabia o que era, estavam sempre nos postos de saúde tratando e nada adiantava. Melhorou a saúde das crianças, das famílias”, disse a agricultora. As primeiras fossas instaladas foram fruto de investimento da própria comunidade, o que chamou a atenção para receber apoio do município para as seguintes.

Segundo Izaldite, as mulheres tinham vontade de fazer algo por elas mesmas, mas isso parecia “tão longe da realidade que a gente nem tentava nada.” A organização da rede contou com o apoio da Sempreviva Organização Feminista (SOF). “Muito importante também foi o despertar das mulheres, que aprenderam que tinha coisa que elas podiam fazer, que elas podiam sair, que elas podiam ter o dinheirinho delas. Então, foi uma libertação. Muitas mulheres saíram da depressão, porque viviam fechadas, sem ter o que fazer só dentro de casa e, às vezes, sob os olhos do marido. Era uma coisa muito triste”, lembrou.

Outra iniciativa é a Rede de Sementes do Vale do Ribeira, com a proposta de restauração florestal desde 2017 por meio da coleta de sementes pelas comunidades quilombolas da região. Atualmente, são aproximadamente 60 coletores de cinco dessas comunidades: André Lopes, Bombas, Maria Rosa, Nhunguara e São Pedro.

•        Profissionalização

A venda das espécies coletadas é feita para viveiros e iniciativas de restauração que plantam as sementes e fazem com que mais florestas cresçam em áreas antes degradadas. O coordenador da Rede, Juliano Codorna, disse que, no ano passado, foi formalizada uma cooperativa desses coletores como forma de valorização do conhecimento das comunidades, para além da geração de renda.

“A ideia é começar realmente a profissionalizar isso, pensar estruturalmente como um negócio, mas também valorizar o conhecimento das comunidades, valorizar esses territórios. Porque a coleta de sementes, a comercialização, só é possível porque existem esses territórios e porque as comunidades vivem lá há mais de 300 anos, e fazem o manejo da floresta”, disse.

Codoma ressaltou que a preservação das florestas dentro desses territórios faz parte do manejo e do modo de vida das comunidades, ou seja, é manejar fazendo roça e deixando reflorestamento. Outro resultado do projeto é o despertar das comunidades para espécies que passavam despercebidas porque não são usadas no dia a dia.

“Hoje, com a coleta de sementes, você vê vários relatos assim 'eu ia para fazer roça, pegava e botava a enxada nas costas e ia andando com a cabeça lá até chegar, trabalhar e voltar. Hoje, eu já vou pelo caminho olhando a semente, olhando se tem uma árvore com flor, se tem uma semente, se tem algum fruto. Esse trabalho com a semente desenvolveu também um olhar dessas comunidades para a vegetação”, afirmou o coordenador da Rede.

•        Biodiversidade

Para que iniciativas de restauração tenham mais chance de sucesso, a plataforma Plangea Web, do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), oferece a visualização de áreas prioritárias para ações de restauração e conservação de ecossistemas. O diretor executivo do IIS, Rafael Loyola, explicou que a lógica da plataforma se dá diante do fato de a biodiversidade não ser distribuída de forma homogênea.

“Tem lugares com muito mais biodiversidade do que outros. Por exemplo, a biodiversidade do sul da Bahia, na Mata Atlântica, é muito maior tanto de flora quanto de fauna do que a biodiversidade da Mata Atlântica do interior de São Paulo ou do interior de Minas. A biodiversidade nas áreas montanhosas, como a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira, é muito maior do que em áreas planas, como o Vale do Paraíba”, exemplificou.

Diante dessa realidade, Loyola acrescenta que, só por isso, tem lugares que, se forem restaurados, a possibilidade de voltar a ter a fauna e a flora que originalmente estavam ali é muito maior do que outros. Ele aponta três elementos principais que a plataforma identifica: onde a biodiversidade se concentra, onde o carbono pode ser melhor sequestrado, ou absorvido, e onde é mais barata a restauração.

“Por isso que faz tanta diferença ter um mapa de áreas prioritárias, porque, no fundo, você quer ter o maior benefício possível com o menor recurso. Se você fizer aleatoriamente, vai ter benefícios, óbvio. Mas não é a maneira mais inteligente de fazer. Por isso que a gente chama essa abordagem de inteligência espacial. Como é que você usa o espaço, o território, de uma maneira mais inteligente, para ter mais benefícios com o mesmo esforço”, explicou.

 

       Crime organizado financia desmatamento da Mata Atlântica na zona sul de SP

 

Na cidade de São Paulo, a maioria das áreas de desmatamento da mata atlântica para expansão urbana está localizada no extremo sul. Esse fenômeno ocorre há, pelo menos, três anos. O principal motivo, segundo a prefeitura, são loteamentos ilegais financiados pelo crime organizado.

Levantamento do MapBiomas, que acompanha o uso da terra no Brasil, mostra que a capital paulista perdeu 84,6 hectares (846 mil m2) de sua vegetação nativa de janeiro de 2019 a fevereiro deste ano para construção de moradias. Segundo a ONG SOS Mata Atlântica, o município possui 25 mil hectares preservados do bioma, que é celebrado neste sábado (27), o Dia da Mata Atlântica.

Somente na zona sul, foram 63 hectares (74% do total da cidade) derrubados no período, equivalentes a 88 campos de futebol (cada um com 105 metros de comprimento por 68 de largura).

O secretário do Verde e Meio Ambiente de São Paulo, Antonio Pinheiro Pedro, afirma ter impedido resultado pior desde 2021, quando, segundo ele, a gestão Ricardo Nunes (MDB) passou a priorizar a proteção do bioma. "Foram evitados mais de 200 hectares de desmate irregular para assentamentos", diz.

Ele credita o saldo à OIDA (Operação Integrada em Defesa das Águas), iniciativa coordenada pela Prefeitura de São Paulo e pelo governo do estado, que começou há dois anos. Com auxílio das polícias, as zonas de interesse hídrico e ambiental da capital paulista são monitoradas contra crimes ambientais.

As principais áreas de atuação da operação são as das represas Guarapiranga e Billings. O território inclui quatro subprefeituras do sul da cidade: M'Boi Mirim, Capela do Socorro, Parelheiros e Cidade Ademar.

O entorno das represas faz parte do Cinturão Verde da cidade de São Paulo, protegido pela Lei da Mata Atlântica. Ela incentiva a recuperação e preservação das áreas nas quais a vegetação nativa ainda prospera.

Naquela extensão, de janeiro de 2021 a março deste ano, vistorias resultaram na remoção de 379 construções irregulares em 189 km2, com multas quem somam mais de R$ 9 milhões, de acordo com o governo do estado. Foram apreendidos 432 maquinários nas ações.

O secretário Antonio Pedro afirma que monitorar a região tem se mostrado um trabalho perigoso. Facções são as principais responsáveis pelos desmates, e agentes das subprefeituras constantemente recebem cartas com ameaças de morte, diz.

"O crime age sem medo. O PCC (Primeiro Comando da Capital) atua como uma corporação imobiliária. Há, por todas as ruas, anúncios de terrenos à venda. Todos ilegais. Descaradamente, as pessoas dão até seus nomes e telefones", conta também o secretário.

Pedro afirma ainda que os loteamentos, atualmente, são mais lucrativos para as facções do que o próprio tráfico de drogas.

Vias da zona sul não são os únicos espaços a abrigarem anúncios de lotes ilícitos à venda. Em grupos de Facebook, a prática é usual. Nos últimos dez dias, a reportagem encontrou mais de 15 anúncios desse tipo somente em Parelheiros. Os terrenos são vendidos de R$ 100 mil a R$ 150 mil, com possibilidade de entrada a partir de R$ 10 mil.

Somente naquele distrito, o MapBiomas identificou sete pontos de considerável desmatamento para expansão urbana desde 2019.

A situação, no entanto, é menos grave que a observada no Grajaú, distrito mais populoso da cidade e pertencente à subprefeitura da Capela do Socorro. Lá foram avistadas nove áreas clandestinamente desmatadas no mesmo período.

Um desses territórios originou até um bairro, o Jardim Toca, no Parque Residencial Cocaia, às margens da Billings. Desde 2013, o MapBiomas alerta para a ampliação de habitações no local na esteira do desmatamento.

O novo bairro fica na margem oposta ao Sesc Interlagos, que mantém área de mata atlântica recuperada, ocasionando contraste. Enquanto o centro cultural, visto de cima, parece um ponto verde, o alaranjando dos tijolos e o cinza do cimento dominam o Jardim Toca.

Para Luis Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da SOS Mata Atlântica, o maior perigo da expansão da cidade ao sul é a aproximação de áreas urbanas do parque estadual da Serra do Mar, no limite da cidade, que possui a maior porção contínua preservada de mata atlântica no país.

"A Serra do Mar é um local de risco por seu relevo de serras muito íngremes e pequena cobertura de solo. É a floresta que a segura. Urbanizando aquela região, teríamos mais população em zonas de risco e maior probabilidade de desastres", alerta.

Novo relatório da SOS Mata Atlântica e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgado nesta semana mostra que, nacionalmente, o desmatamento da mata atlântica ficou acima dos 20 mil hectares no ano passado. A área equivale a 125 parques Ibirapuera, na cidade de São Paulo, e é a segunda maior dos últimos seis anos.

Com apenas 24% remanescentes da cobertura original, a mata atlântica teve 20.075 hectares (ou 200,75 km²) derrubados em 2021-2022, uma queda de 7,2% em relação ao período anterior (2020-2021), que registrou 21.642 hectares desmatados.

"Para a mata atlântica, estamos falando de um valor ainda muito alto, muito acima do que já foi o menor índice, de 11 mil hectares, em 2017-2018, e faz parte de um processo cumulativo de cinco séculos de desmatamento", afirma Guedes Pinto.

Investigações em andamento

O Ministério Público de São Paulo investiga os assentamentos irregulares em áreas de mananciais protegidas pela Lei da Mata Atlântica. Em 2020, a Promotoria instaurou diligência para esclarecer as razões da disseminação dessas ocupações mesmo diante de fiscalização governamental.

O pedido de averiguação cita a demanda social por habitação como catalisadora do problema.

O inquérito mira possíveis deficiências nos órgãos estaduais e municipais de monitoramento. Foi observado, por exemplo, que a subprefeitura da Capela do Socorro possuía apenas seis agentes para fiscalização de 134 km2 em 2020. Com 353 km2, a situação era a mesma em Parelheiros.

A SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo diz que a Polícia Civil, por meio da Divisão de Investigações sobre Infrações contra o Meio Ambiente, tem investigado os loteamentos clandestinos e que, caso constatada a participação de organizações criminosas, "os fatos serão devidamente apurados em parceria com a Polícia Militar Ambiental".

 

Fonte: Agencia Brasil/FolhaPress

 

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