quarta-feira, 3 de maio de 2023

Aldo Fornazieri: Um governo não pode operar na defensiva

Dentre as várias definições de estratégia prefiro aquela que a define como a “ciência dos sujeitos ativos qualificados segundo o poder e a força que possuem”. A estratégia visa atingir fins e, portanto, não pode ser separada dos meios, do poder e da força dos sujeitos políticos ou militares. A estratégia deve considerar sempre as circunstâncias nas quais os sujeitos agem. Ela nunca é uma receita abstrata. Precisa considerar as relações de força, de poder, as circunstâncias e a conjuntura. 

Embora a estratégia não seja uma receita abstrata, ela se constitui de princípios gerais orientadores das escolhas dos sujeitos ativos. Um deles diz que, em regra, um governo estabelecido nunca pode operar na defensiva política, pois ele é o epicentro da força e do poder. Dispõe do maior conjunto de meios de poder em relação aos seus adversários ou inimigos. 

O governo Lula começou seu mandato com uma série de definições positivas de retomada de políticas sociais e de fortalecimento das políticas de direitos humanos. Em que pese as resvaladas em relação à guerra na Ucrânia, o saldo das iniciativas na política externa também é significativamente positivo. Na área econômica demorou em indicar um caminho e só agora se projeta uma perspectiva mais clara e promissora com a nova política fiscal.

Mas o governo vem errando em demasia na sua articulação e na direção política. O primeiro erro consiste em não ter clareza acerca de quem é o principal inimigo político. Lula e a presidente do PT sinalizaram, em alguns momentos, que o principal inimigo seria o presidente do Banco Central. Ouvi diretamente de um dirigente do PT que o principal inimigo seria o mercado financeiro. Ora, nem um e nem outro são atores políticos diretos. Um inimigo ou adversário político sempre é um ator político. 

Não deveria haver dúvida de que o principal inimigo político é Bolsonaro e o bolsonarismo. Uma das formulações da teoria democrática em voga afirma que no âmbito da democracia e do Estado de Direito não existem inimigos, mas adversários. Ocorre que hoje existem nas democracias forças de extrema-direita que operam contra a democracia. Essas forças precisam ser consideradas como inimigas e não como adversárias. Bolsonaro e o bolsonarismo precisam ser considerados inimigos políticos porquanto operam uma ação política destrutiva das instituições democráticas. 

Desta forma, era dever do governo e dos partidos que formaram a frente eleitoral de centro-esquerda definir em sua estratégia a desbolsonorização do Brasil, com a desarticulação dos seus núcleos na máquina do Estado, seu isolamento no Congresso e sua confrontação na sociedade, visando derrotá-los política e ideologicamente. Chega a ser curioso notar que em 2003 o governo Lula adotou o mote da “herança maldita” e que agora não há nenhum mote contra o que representou o bolsonarismo.

O início do terceiro mandato de Lula foi marcado pela ofensiva golpista do bolsonarismo. Se, por um lado, houve uma conspiração de órgãos de segurança e de setores militares em favor do golpe, por outro, houve uma falha generalizada de setores do governo. Foram negligentes ou  ingênuos quanto às intenções dos bolsonaristas  que se dirigiram à Brasília aos milhares, convocados abertamente com o chamado “vamos para a guerra”. Chamado anunciado livremente nas redes sociais e noticiado na imprensa. 

Esta falha de direção política se revela também na inexistência de uma depuração generalizada dos organismos de segurança e inteligência logo no dia seguinte à posse. Mais do que isso: nomeou-se para o estratégico GSI um general inepto, que estava mais para um Sargento Garcia do que para um guardião da segurança do Palácio Presidencial. 

O enfrentamento do golpe ocorreu apenas no plano das articulações institucionais entre os poderes, sem que grandes manifestações de rua fossem convocadas em defesa da democracia. Sequer Lula fez um pronunciamento à nação. Parece que não se percebeu a gravidade do que aconteceu: um grupo de radicais enfurecidos, sem maior estrutura de coordenação militar, pôs de joelho as sedes dos três poderes com enorme facilidade. 

O ato golpista ofereceu a oportunidade para que o governo e os partidos que o apoiam desencadearem dura, implacável e contínua ofensiva contra o bolsonarismo, inclusive com a convocação da CPI. Ofereceu-se o momento de promover uma ampla guerra política e ideológica. Mas as forças governistas se recolheram aos seus "quartéis" com a serena e confortante sensação de que a Polícia Federal e o Judiciário realizariam a tarefa de derrotar os golpistas. Prender e julgar golpistas, contudo, não significa derrotá-los politicamente.

As forças governistas se esqueceram ou nunca aprenderam a velha lição romana de que se uma guerra é inevitável é melhor tomar a iniciativa de desencadeá-la, levando o mal ao território inimigo e colocando-o na defensiva. Nessas circunstâncias, a iniciativa de atacar permite ampliar as vantagens comparativas. Lula, é certo, deve assumir o figurino do unificador e pacificador do país. Mas um pacificador não é um pacifista. Na história a paz foi conseguida com a espada na mão, com a afirmação do poder, da autoridade, da lei e da justiça.  

Foi no remanso das águas do pós 8 de janeiro que os bolsonaristas começaram lentamente retomar a sua política ofensiva: passaram a acusar o governo pelo vandalismo dos palácios, articularam as CPIs do golpe e do MST, adotaram uma tática de guerra política no Congresso e ampliaram a guerra digital, com forte vantagem em alguns meios.  

Para quem olha de fora, o que se percebe é que o governo vem operando uma política defensiva, sem um estado-maior dirigente, a mesma situação que ocorreu durante o golpe contra a Dilma. A base militante não tem uma direção política unificada. Isto constitui aquela clássica situação: os dirigentes do PT e do governo são generais sem exército e a base militante é um exército sem generais. A articulação política do governo vem se mostrando fraca e as lideranças do governo no Congresso operam de forma subserviente às presidências das duas Casas. 

Diante disso, deve-se temer as CPIs? Sim e não. Sim diante da fraqueza e da tibieza do comando político do governo e do PT. Para enfrentar o extremismo nas CPIs é preciso ter comando e astúcia política. As CPIs devem ser pensadas menos quanto ao resultado que irão produzir e mais como os campos de batalha que elas se constituirão. O problema é quem ditará os termos do debate. As forças do governo não podem aceitar os termos do debate propostos pelos bolsonaristas. 

É preciso preparar-se e transformar as CPIs em tribunais de acusação contra as atrocidades cometidas pelo governo Bolsonaro e em defesa da democracia, dos direitos e da dignidade do povo brasileiro. Não se pode aceitar que a CPI esfole o MST. É preciso mostrar quem são os verdadeiros ladrões de terras, os grileiros, os assassinos, os destruidores das florestas e os exterminadores dos povos originários. É preciso que haja um competente comando político para impor duras derrotas ao bolsonarismo nas CPIs, sabendo usar a força política e a astúcia retórica e das manobras segundo as circunstâncias.

 

Ø  Lula e a responsabilidade fiscal. Por Pedro Maciel

 

Esse artigo dedico aos meus amigos que ainda vivem sob os efeitos devastadores da desinformação e das fake News - armas ética e moralmente censuráveis, mas de uso corriqueiro dos bolsonaristas e de outros grupos que reúne “pessoas do mal”.  

 Os efeitos da desinformação e das fake News são devastadores porque afetam o senso crítico e a capacidade cognitiva, ou seja, elas fazem terra arrasada à aptidão que cada um tem em compreender a realidade e interpretar o ambiente em volta de si mesmo para tomar as decisões acerca do próprio comportamento.

 A “moda” agora é mandar que mudemos para a Argentina, não apenas para a Venezuela ou Cuba, e dizer que Lula é populista na economia e que promoverá uma “gastança” que nos levará ao mesmo caos que vive o país de Maradona e Messi.

·         Alguns números da Argentina

Apesar de o PIB por lá ter crescido 5,2% em 2022 e 10,3% em 2021, após três anos de quedas. E, segundo o BC e as principais consultorias econômicas argentinas, as expectativas do PIB para este ano continuarem de aumento.  

 Por lá o índice de desemprego fechou o ano passado a 6,3%, frente aos 7% de 2021, segundo instituto de estatísticas, mas em 2022 a inflação foi de 94,8 e a previsão da inflação para este ano é trágica, pode ultrapassar 100%.

 O país está sujeito a um programa de disciplina fiscal com o FMI, no âmbito de um acordo de refinanciamento de uma dívida contraída por Macri em 2018, 44 bilhões de dólares. Esse quadro gera pressões para uma contração maior do consumo, do investimento e da produção, noutras palavras: recessão.

 Mas como a economia cresce num ambiente de inflação alta.  

 Isso é de dar nó na minha cabeça. Como é possível um quadro em que o PIB segue em expansão, o desemprego em queda, mas com atividade industrial recessiva e inflação altíssima (o que afeta a renda real da população)?  

 O professor Fernando Nogueira Costa compartilhou no seu blog1 um artigo sobre reportagem escrita por Júlia Barbon na FOLHA de 27 de abril, sobre o estado atual da economia da Argentina, o nome é “Dossier sobre Hiperinflação na Argentina”, merece ser lido.  

 Me corrija Estefano Barioni, mas penso que o populismo peronista e liberal são a causa do caos argentino, acredito que não há espaço para populismos, seja à direita ou à esquerda, nem para a ortodoxia irracional do menino de cristal do BC (bem-nascido, mas que, certamente, nunca usou transporte público ou viu o salário acabar e os boletos não).

 Populismo e ortodoxia econômica se alternam irracionalmente, no Brasil e na América Latina, ser racional é reconhecer esse fato e dar um basta a ele.

·         De 2003 a 2010 Lula agiu com responsabilidade na economia 

O populismo econômico esteve presente no Brasil mesmo no final dos anos 80, em pleno período autoritário, e foi seguido de um forte ajuste ortodoxo, que desembocou em novo surto populista com a redemocratização, mas não nos governos Lula.

 O populismo econômico, segundo Bresser-Pereira, “...está baseado em um distributivismo ingênuo e na indisciplina fiscal. Acredita que o desenvolvimento econômico e a distribuição de renda são objetivos que podem ser alcançados com relativa facilidade através, de um lado, do aumento dos investimentos e dos gastos sociais do Estado, e, de outro, do aumento dos salários. O resultado é o déficit público, a crise fiscal e a inflação, senão a hiperinflação”.

 O liberal Macri foi leniente na área fiscal e rígido demais na política monetária, e essa não é apenas a minha opinião; o nosso Banco Central e o Ministério da Fazenda por aqui devam olhar para esse fato e buscar o equilíbrio entre Política Fiscal e Política Monetária.

 Ademais, Haddad e Campos Neto devem também lembrar que Lula em 2003 não teve medo de manter a ordem neoliberal estabelecida a partir de Collor e aprofundada em FHC, para colocar ordem na bagunça encontrada.

 Em 2003 Lula subiu a taxa Selic de 25% para 26,5%; subiu a meta do superavit primário de 3,75% em 2002 – já considerada alta -, para 4,25% do PIB; anunciou um corte de 14,3 bilhões de reais no orçamento público; congelou o poder de compra do salário-mínimo em 2003 e 2004; fez uma dura reforma na previdência que, entre outras coisas, acabava com a aposentadoria integral dos futuros servidores públicos.

 Lula descartou o populismo econômico, produziu superávits e colheu, já a partir de 2005, resultados macroeconômicos de tal ordem que pode investir, gerar empregos, ampliar políticas sociais e resistir à crise financeira de 2007.

 Noutras palavras: Campos Neto e Haddad devem parar de jogar para as torcidas e façam o que tem de ser feito: ações equilibradas entre Política Fiscal e Política Monetária, olhando permanentemente para os mais pobres, como faz Lula o tempo todo.

 Essas são as reflexões.  


Fonte: Brasil 247

 

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