A poliomielite pode
voltar ao Brasil?
Após
permanecer mais de 30 anos livre da poliomielite, a América registrou um caso
em março deste ano, no Peru, em uma criança indígena. Por se tratar de uma
infecção grave e transmissível, a Organização Panamericana de Saúde (Opas) e o
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) emitiram alertas de risco de
reintrodução da doença no continente, com alto risco para a tríplice
fronteira entre Peru, Colômbia e Brasil.
Em
1994, as Américas se tornaram a primeira região do mundo a ser certificada como
livre da pólio pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Enquanto em todo o
continente americano o último caso da doença havia sido registrado em 1991,
o Brasil está livre da poliomielite desde 1989, graças a uma campanha
robusta de imunização que manteve a cobertura vacinal de todo o país em níveis
acima dos 95%, recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para
impedir a circulação do vírus.
Porém,
há pelo menos quatro anos, as taxas de vacinação no Brasil estão
significativamente abaixo do recomendado. Segundo dados do Ministério da Saúde,
a cobertura vacinal (porcentagem da população com o esquema vacinal completo)
contra a doença nos últimos anos foi de:
- 84,19% em
2019;
- 76,79% em
2020;
- 71,04% em
2021;
- 77,12% em
2022.
As
coberturas vacinais contra a poliomielite nos dois estados que fazem fronteira
com o Peru estão abaixo da média nacional: no Acre, foi de 71,4% em 2022, e no
Amazonas, de 76,9%.
Diante
da baixa cobertura, o pediatra Márcio Nehab, coordenador da residência médica
em imunologia pediátrica do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e
do Adolescente Fernandes Figueira (IFF), alerta que praticamente todo o Brasil
corre o risco de reintrodução do vírus da pólio, e não somente a região de
fronteira com o Peru.
"Todos
os estados correm risco, menos Amapá e Paraíba, que já voltaram a recuperar
altas coberturas vacinais em 2022, segundo dados do DataSUS. Fora esses dois
estados, todos os outros estão com coberturas abaixo da recomendação da OMS
para o controle da doença (95%)", explica Nehad.
·
Milhares de crianças em risco
Entre
2019 e 2021, 1,6 milhão de crianças no Brasil não tomaram nenhuma dose de
vacina contra a pólio e 2 milhões ficaram sem as doses recomendas, segundo o
relatório Situação Mundial da Infância 2023: Para cada criança,
vacinação, do Unicef, lançado no último dia 20 de abril. O documento afirma
que é urgente o governo brasileiro encontrar cada uma dessas crianças não
imunizadas contra a doença.
"Uma
busca ativa por essas crianças, olhando para municípios e estados com maiores
números absolutos de não vacinadas e não imunizadas, é essencial, pois elas já
ficaram para trás, e correm o risco de nunca serem imunizadas e
protegidas", disse o representante do Unicef no Brasil, Youssouf
Abdel-Jelil.
Dados
do Ministério da Saúde de 2022 pedidos pela DW mostram que 412.836
crianças, ou 3,5% do público-alvo da Campanha Nacional de Vacinação contra
a Poliomielite (de 11,5 milhões de crianças menores de cinco anos), não
receberam nenhuma dose da vacina no ano passado.
O
estado com a menor cobertura vacinal entre as crianças menores de 5 anos em
2022 foi justamente o Acre, que faz fronteira com o Peru, com apenas 39% de
cobertura vacinal em menores de 5 anos. Na sequência, estão Rio de Janeiro
(50,9%), Roraima (53,4%) e Distrito Federal (54,4%).
No
Acre, 20.090 crianças estão com a vacinação incompleta, e 2.551 nunca foram
vacinadas contra a pólio, de acordo com dados da Secretaria de Saúde do Acre
(Sesacre).
A
DW pediu à Secretaria de Saúde do Amazonas dados referentes às crianças que
nunca foram imunizadas contra a doença, mas o órgão não retornou o pedido.
·
O sucesso do Zé Gotinha
Nehab
alerta que, para estarem protegidas contra a pólio, crianças de até 5 anos
devem ter completado o esquema vacinal composto por cinco doses:
três da Vacina Inativada Poliomielite (VIP) – a primeira aos dois meses; a
segunda aos 4 meses; e a última aos seis meses – e outras duas doses de reforço
da Vacina Oral Poliomielite (VOP) – aos 15 meses e aos 4 anos de idade.
"Crianças
que têm o calendário vacinal completo, de cinco doses, estão imunes a pólio.
Quem não tem o esquema vacinal completo, deve tomar as doses que faltam",
orienta o pediatra.
A
vacina oral VOP é a famosa vacina do Zé Gotinha, personagem criado em 1986 em
uma campanha do Ministério da Saúde para erradicar a pólio no Brasil. E
estratégia do Zé Gotinha deu tão certo que, em apenas três anos de campanha, o
país conseguiu eliminar o vírus do país.
Porém,
ao contrário da varíola, a poliomielite não foi erradicada no mundo. Por isso,
o Unicef alerta que enquanto houver um infectado, crianças de todos os países
que não completaram o esquema vacinal ou que nunca se imunizaram contra a
doença correm o risco de contrair o vírus.
·
Situação vacinal na fronteira
Cidades
do Acre e do Amazonas na região de fronteira com o Peru estão com a
cobertura vacinal contra a poliomielite muito abaixo do recomendado de 95%.
Segundo
dados da Secretaria de Saúde do Acre, a cobertura vacinal na população em geral
em 2022 em Cruzeiro do Sul e Mâncio Lima foi de apenas 63% e 58%,
respectivamente. Na capital Rio Branco, a cobertura foi de 72,5%.
A
situação é pior ainda na região de fronteira do Amazonas: em Benjamin Constant,
a cobertura no ano passado contra a poliomielite na população em geral ficou em
37,8%; em Atalaia do Norte, em 53,5%; e em Tabatinga, em 60,5%, de acordo
com dados da Secretaria de Saúde do Amazonas.
Na
Colômbia, dados do Unicef de 2021 mostram que apenas 86% das crianças de até
2 anos foram imunizadas contra a pólio. No Peru, a cobertura vacinal para
a mesma faixa etária foi de 79% naquele ano.
·
Devo me vacinar?
Também
conhecida como paralisia infantil por poder paralisar os membros inferiores, a
poliomielite é uma doença debilitante e contagiosa, infectando tanto crianças
quanto adultos não imunizados. A infecção pelo poliovovírus se dá por meio do
contato direto com fezes ou com secreções eliminadas pela boca das pessoas
doentes. A única forma de prevenção é a vacinação.
Por
isso, Nehab alerta que qualquer pessoa, independentemente da idade, que não
tenha se imunizado contra a pólio deve se vacinar.
"Adultos
que não têm o esquema vacinal completo contra a poliomielite devem tomar as
doses que faltam. Quem não tomou nenhuma dose, deve tomar três doses",
explica.
Os
adultos que nunca tomaram uma dose da vacina devem seguir o seguinte esquema:
duas doses com intervalo de um a dois meses; e uma terceira dose no intervalo
de seis a 12 meses após a segunda.
Em
nota, o Ministério da Saúde afirmou que recuperar as altas coberturas vacinais
é prioridade da atual gestão.
"O
Ministério da Saúde fortaleceu o Programa Nacional de Imunizações (PNI) e
espera retomar as coberturas acima de 90%. Uma das principais estratégias será
a mobilização em escolas para informar sobre a importância de atualizar a
Caderneta de Vacinação. A ação é elaborada em conjunto com o Ministério da
Educação, estados e municípios", escreveu a pasta.
Fonte:
Deutsche Welle
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