terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Paraná: a escalada da intolerância e o avanço do extremismo

O Paraná tem se consolidado como um dos estados mais citados em investigações sobre grupos extremistas no Brasil. Sob o governo estadual, a expansão das chamadas escolas militarizadas vem acompanhada de episódios que chocam pela violência simbólica. Em um treinamento recente, estudantes entoaram um hino que exaltava a morte e a brutalidade, em tom semelhante ao de tropas de elite — um retrato que críticos classificam como a institucionalização de uma cultura fascista.

“Homem de preto, o que é que você faz / Eu faço coisa que assusta o Satanás (…) entrar na favela e deixar corpo preto no chão / com a faca entre os dentes, esfolo eles inteiro / O COPE tem guerreiro que mata fogueteiro / maata e esfola, usando seus fuzis”.

Até agora, é a comprovação mais assustadora desse monstrengo chamado “escola militarizada”.

Junto com o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o Paraná lidera o ranking nacional de investigações sobre células neonazistas.

Paralelamente, operações policiais revelam a presença de células neonazistas em Curitiba e região metropolitana. A Operação Bergonha (2022) desarticulou grupos que incitavam violência contra negros, judeus e LGBTQIA+, com apreensão de armas artesanais, listas de alvos e conexões internacionais via Telegram e Dark Web. Pesquisas acadêmicas, como as da antropóloga Adriana Dias, apontam que entre 2019 e 2021 houve um aumento de 270% no número de grupos neonazistas ativos no país, com mais de 530 núcleos e cerca de 10 mil integrantes, concentrados sobretudo no Sul e Sudeste.

A pesquisa parou em 2021, por isso não captou os aumentos recentes, muito mais expressivos.

<><> Impunidade e radicalização

Apesar das investigações, denúncias contra policiais militares envolvidos em atos golpistas ou em grupos de WhatsApp com discurso de ódio resultaram em baixa punição efetiva. Essa tolerância institucional reforça a sensação de impunidade e alimenta a continuidade das práticas extremistas.

O estado também abriga uma forte cúpula religiosa ultraconservadora, que promove “guerras santas” contra o comunismo e sataniza jornalistas e professores. Casos de violência cotidiana ilustram o impacto dessa radicalização: uma professora de educação infantil foi agredida por ensinar cultura africana, em episódio marcado por gritos de “queima, Satanás” e ameaças de repetição.

<><> O paralelo histórico

Analistas têm comparado esse cenário ao retratado no filme O Nome da Rosa (1986), ambientado em um mosteiro medieval. Assim como na obra, acusações sem provas, turbas mobilizadas pelo medo e a transformação da justiça em espetáculo reforçam a autoridade de grupos que se alimentam da intolerância. O uso de bodes expiatórios — pobres, mulheres e minorias — repete padrões históricos de perseguição.

<><> São Paulo: a infiltração religiosa na segurança

Se no Sul o avanço extremista se dá pela militarização e pelo neonazismo, em São Paulo surgem sinais de intimidação religiosa dentro da educação. Em novembro de 2024, na EMEI Antônio Bento, zona oeste da capital, um desenho de orixá feito por uma criança levou um policial militar, pai do aluno, a convocar colegas armados para dentro da escola. Um deles portava metralhadora. O episódio gerou clima de medo entre professores e estudantes; a diretora pediu afastamento do cargo.

Até o momento, não houve responsabilização criminal. A apuração segue em caráter administrativo, sem clareza sobre possíveis punições.

Os casos no Paraná e em São Paulo revelam um processo de normalização da intolerância em diferentes frentes: militarização da educação, infiltração religiosa em instituições públicas e crescimento de células neonazistas. O Brasil assiste à repetição de padrões históricos de perseguição, agora potencializados por redes digitais e pela fragilidade das respostas institucionais.

O desafio está em conter a escalada antes que a violência simbólica se transforme em violência generalizada.

•        Apesar da ode, modelo de escolas cívico-militares é comprovadamente falido desde 1990

Em 24 de outubro, foi lançada na Assembleia Legislativa de São Paulo a Frente Parlamentar pela Implantação das Escolas Cívico-Militares, a fim de expandir a atual rede para 50 unidades até o final de 2026.

A frente foi criada e conta com o apoio de parlamentares do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, que lançou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) em 2019.

Já o governo Lula pôs fim ao projeto em julho deste ano, fazendo com que vereadores e deputados iniciassem uma verdadeira ode ao modelo educacional nas redes sociais e no legislativo, a fim de manter ou expandir o número de unidades de uma escola que não tem qualquer comprovação científica ou performática que justifique o investimento.

A reportagem do GGN entrou em contato com as secretarias de comunicação de todos os estados para saber quais são as principais diferenças entre o modelo de escola tradicional, a escola cívico-militar e a escola militar. Apenas Bahia, Alagoas, Minas Gerais, Maranhão, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Distrito Federal responderam aos nossos questionamentos.

Todos eles, exceto Pernambuco, que não tem escolas militares ou cívico-militares, afirmaram que não há diferença na grade curricular dos alunos, pois todos os colégios seguem a  Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ministério da Educação (MEC).

A diferença se encontra nas atividades extracurriculares, em que os alunos aprendem os valores militares, como disciplina e percepções de civismo. Os militares também não interferem na parte pedagógica das escolas, apenas na parte administrativa e disciplinar dos alunos.

<><> Cabide de empregos

Apesar do questionamento, nenhuma secretaria estadual de educação revelou o custo que o emprego de militares na educação gera nos cofres públicos.

Porém, a nota técnica do MEC que justifica o fim do Pecim traz uma noção do preço pago pelos munícipes pela presença de militares nos colégios.

Até o fim do ano, prazo estipulado pelo governo federal para a transição de escolas cívico-militares do Pecim para o modelo tradicional, o País conta com 120 unidades.

Conforme a premissa do programa, o Ministério da Defesa disponibiliza militares reformados (aqueles que estão, definitivamente, aposentados ou afastados do serviço) para o desempenho de funções como assessoria à gestão educacional, assessoria à gestão escolar e monitoria dos alunos.

Para tais funções, os militares do Pecim recebiam um salário e benefícios conforme a patente:

•        3º Sargento: R$ 2.657,24

•        2º Sargento: R$ 3.816,60

•        1º Sargento: R$ 3.995,68

•        Subtenente: R$ 4.439,29

•        2º Tenente: R$ 4.120,10

•        1º Tenente: R$ 5.314,56

•        Capitão: R$ 6.022,36

•        Major: R$ 8.433,36

•        Tenente Coronel: R$ 8.775

•        Coronel: R$ 9.152,76

Entre 2020 e 2022, o orçamento do Pecim para a remuneração de militares reformados passou de R$ 7 milhões para R$ 64,2 milhões. Para este ano, o orçamento previsto pelo Ministério da Defesa para os salários dos militares foi de R$ 86,5 milhões.

<><> Percepção equivocada

Vários estados usam a consulta ou demanda pública junto à comunidade escolar como justificativa para a adoção ou expansão da rede de escolas cívico-militares nos estados.

Porém, a militarização do ensino não começou em 2019, por iniciativa do governo anterior. O primeiro colégio militar, de acordo com o Exército Brasileiro, foi criado em março de 1889 e hoje é o tradicional Colégio Militar do Rio de Janeiro.

As escolas exclusivamente militares nasceram com o objetivo de atender os filhos de militares, que por conta das funções do Exército, mudavam de estado com frequência. Os colégios, então, tinham como premissa manter a qualidade do ensino para este público de necessidades tão específicas. 

As Forças Armadas têm, atualmente, 42 instituições militares, das quais 15 pertencem ao Exército, 3 são da Aeronáutica e 24 são da Marinha. Todas estão sob gestão do Ministério da Defesa.

Mas os estados também decidiram investir nos próprios modelos. Na Bahia, por exemplo, a primeira unidade do Colégio da Polícia Militar (CPM)  foi fundada em 1957. Hoje o estado conta com 16 unidades e mantêm a tradição de destinar a maioria das vagas (70% na capital e 50% no interior) para os filhos e dependentes dos policiais militares. As demais são sorteadas para sociedade civil.

<><> As escolas cívico-militares

Os colégios militares têm, segundo Cláudia Costin, presidente do Instituto Singularidades, de fato um padrão de qualidade diferenciado, já que o salário dos professores da rede militar é superior ao dos docentes da rede pública. Os estudantes destas instituições, que estudam em período integral, também costumam ser bem selecionados, já que para concorrer às vagas remanescentes, os alunos costumam enfrentar processos seletivos bastante disputados.

“Pelo reconhecimento das escolas militares, alguns municípios e estados quiseram criar escolas civis militares.  Primeiro, elas não são exatamente militares. São policiais militares ou bombeiros aposentados que criam associações e vendem esse serviço para escolas públicas. Parece inicialmente muito atrativo, porque as famílias não vão ter problema de disciplina, porque as escolas militares mesmo tem uma reputação de ter um ensino de qualidade, mas não é disso que trata”, continua a presidente do Instituto Singularidades.

Cláudia chama atenção para que, de fato, as escolas cívico-militares incentivam a disciplina. Porém, os professores ganham o mesmo salário dos docentes da rede estadual, ao mesmo tempo em que a presença de militares no quadro de funcionários torna a escola mais cara para o contribuinte.

A excessiva padronização imposta aos alunos, que têm de usar fardamento e ter corte de cabelo específico, também não traz grandes vantagens aos discentes, mas sim promove uma robotização.

“A curto prazo, elas têm um impacto no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], porque de fato se há muita disciplina, você tende a ver melhores condições de aprendizado, só que o problema é que esta disciplina não é a disciplina adequada ao século XXI”, emenda Cláudia.

A especialista cita Pernambuco, o estado que não tem modelo militar, como um modelo ideal de ensino, pois além de oferecer um ensino integral com protagonismo jovem, estimula os alunos a se conectarem com o que ele está aprendendo.

<><> Modelo ideal

Desde a década de 1990, alguns estados apostam nas escolas cívico-militares. Paraná é o estado que mais concentra unidades deste modelo, com 196 colégios da PM no total.

Mas a presidente do Conselho Administração do Cenpec, Anna Helena Altenfelder, ressalta que a superioridade destes colégios nunca foi comprovada.

“Não temos nenhuma pesquisa, nenhuma evidência de que essas escolas trazem resultados de aprendizagem. Ahn superiores ou diferentes das outras escolas, né? É na verdade sim. Essa é uma agenda que surgiu com muita força, não no governo Bolsonaro e no meu ponto de vista é um dimensionismo. Vamos dizer assim, né? Era tirar o foco das questões importantes e fundamentais da educação e prioridades que temos de apostar no modelo”, diz a presidente do Cenpec.

Do ponto de vista pedagógico, o modelo também não traz avanços segundo a pedagoga, já que não traz soluções para nenhum dos reais problemas da educação pública no Brasil. A questão da disciplina e da uniformização dos alunos são questões periféricas e que não dizem respeito à qualidade pedagógica das escolas brasileiras.

“Muito pelo contrário. Sabemos é fundamental um trabalho pedagógico que integra as questões culturais, emocionais e cognitivas do aluno. Então, achar que os militares podem tomar conta da disciplina de uma escola revela uma falta de conhecimento do fazer da escola, do dia a dia da escola. É porque, na verdade, os profissionais quem têm de cuidar da disciplina da escola são os formados com conhecimento específicos para esse fim, né? Temos problemas e desafios imensos em relação à disciplina e violência física nas escolas. Mas são questões muito complexas e que precisam se analisadas com muito cuidado”, pondera a especialista.

Anna observa que a violência nas escolas deriva de uma sociedade violenta como um todo. E não será a presença ostensiva de militares que vai melhorar este ambiente, mas sim a melhoria do clima escolar.

Assim, o modelo ideal de escola é composto por um clima acolhedor, em que os alunos não abandonem os estudos, estejam na na faixa etária adequada para o aprendizado, em que os docentes consigam garantir o aprendizado e o engajamento dos discentes e que conte, ainda, com a participação dos pais na comunidade escolar.

Outra questão importante é que pesquisas da Cenpec mostram que a grande maioria dos pais, ao contrário do que dizem os gestores públicos, sequer demandam escolas militares: 72% dos entrevistados afirmaram que confiam mais em professores do que em militares para atuar nas escolas; já 46,10% defendem que os maiores problema da escola pública são a falta de investimento dos governos e os baixos salários dos professores.

<><> Outra proposta sem fundamento

Uma das justificativas para o fim do Pecim pelo governo Lula foi a abrangência: o modelo atendia a apenas 0,1% das escolas públicas brasileiras. Mas para tal questão, surgiu uma alternativa de escolas de contraturno que prometem preparar crianças a partir de 5 anos para a carreira militar.

Conhecida como Fope (Força Pré-Militar), a instituição tem ganhado popularidade nas redes sociais pela divulgação frequente de vereadores a favor da militarização do ensino.

A Fope, porém, não é uma instituição de ensino regular, mas sim de contraturno, em que as crianças e adolescentes costumam passar os sábados para aprender atividades disciplinares, sobrevivência na selva e trato de animais selvagens.

“Não vejo, assim a princípio, nenhum valor pedagógico para que crianças de 5 e 6 anos frequentem espaços educativos que estão formando elas por uma futura carreira militar 20 anos depois. Até porque cada criança é uma criança, tem seus interesses suas necessidades”, aponta Anna Helena Altenfelder.

O GGN entrou em contato com a Fope por e-mail, a fim de saber qual é o modelo pedagógico do curso, quais são as temáticas, mensalidades, entre outras informações. Porém, não obteve resposta.

A empresa também não disponibiliza no site qualquer informação sobre a instituição, contato, carreira ou demais informações ao público que não os meios de se inscrever em uma das unidades da franquia.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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