Paraná:
a escalada da intolerância e o avanço do extremismo
O
Paraná tem se consolidado como um dos estados mais citados em investigações
sobre grupos extremistas no Brasil. Sob o governo estadual, a expansão das
chamadas escolas militarizadas vem acompanhada de episódios que chocam pela
violência simbólica. Em um treinamento recente, estudantes entoaram um hino que
exaltava a morte e a brutalidade, em tom semelhante ao de tropas de elite — um
retrato que críticos classificam como a institucionalização de uma cultura
fascista.
“Homem
de preto, o que é que você faz / Eu faço coisa que assusta o Satanás (…) entrar
na favela e deixar corpo preto no chão / com a faca entre os dentes, esfolo
eles inteiro / O COPE tem guerreiro que mata fogueteiro / maata e esfola,
usando seus fuzis”.
Até
agora, é a comprovação mais assustadora desse monstrengo chamado “escola
militarizada”.
Junto
com o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o Paraná lidera o ranking nacional de
investigações sobre células neonazistas.
Paralelamente,
operações policiais revelam a presença de células neonazistas em Curitiba e
região metropolitana. A Operação Bergonha (2022) desarticulou grupos que
incitavam violência contra negros, judeus e LGBTQIA+, com apreensão de armas
artesanais, listas de alvos e conexões internacionais via Telegram e Dark Web.
Pesquisas acadêmicas, como as da antropóloga Adriana Dias, apontam que entre
2019 e 2021 houve um aumento de 270% no número de grupos neonazistas ativos no
país, com mais de 530 núcleos e cerca de 10 mil integrantes, concentrados
sobretudo no Sul e Sudeste.
A
pesquisa parou em 2021, por isso não captou os aumentos recentes, muito mais
expressivos.
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Impunidade e radicalização
Apesar
das investigações, denúncias contra policiais militares envolvidos em atos
golpistas ou em grupos de WhatsApp com discurso de ódio resultaram em baixa
punição efetiva. Essa tolerância institucional reforça a sensação de impunidade
e alimenta a continuidade das práticas extremistas.
O
estado também abriga uma forte cúpula religiosa ultraconservadora, que promove
“guerras santas” contra o comunismo e sataniza jornalistas e professores. Casos
de violência cotidiana ilustram o impacto dessa radicalização: uma professora
de educação infantil foi agredida por ensinar cultura africana, em episódio
marcado por gritos de “queima, Satanás” e ameaças de repetição.
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O paralelo histórico
Analistas
têm comparado esse cenário ao retratado no filme O Nome da Rosa (1986),
ambientado em um mosteiro medieval. Assim como na obra, acusações sem provas,
turbas mobilizadas pelo medo e a transformação da justiça em espetáculo
reforçam a autoridade de grupos que se alimentam da intolerância. O uso de
bodes expiatórios — pobres, mulheres e minorias — repete padrões históricos de
perseguição.
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São Paulo: a infiltração religiosa na segurança
Se no
Sul o avanço extremista se dá pela militarização e pelo neonazismo, em São
Paulo surgem sinais de intimidação religiosa dentro da educação. Em novembro de
2024, na EMEI Antônio Bento, zona oeste da capital, um desenho de orixá feito
por uma criança levou um policial militar, pai do aluno, a convocar colegas
armados para dentro da escola. Um deles portava metralhadora. O episódio gerou
clima de medo entre professores e estudantes; a diretora pediu afastamento do
cargo.
Até o
momento, não houve responsabilização criminal. A apuração segue em caráter
administrativo, sem clareza sobre possíveis punições.
Os
casos no Paraná e em São Paulo revelam um processo de normalização da
intolerância em diferentes frentes: militarização da educação, infiltração
religiosa em instituições públicas e crescimento de células neonazistas. O
Brasil assiste à repetição de padrões históricos de perseguição, agora
potencializados por redes digitais e pela fragilidade das respostas
institucionais.
O
desafio está em conter a escalada antes que a violência simbólica se transforme
em violência generalizada.
• Apesar da ode, modelo de escolas
cívico-militares é comprovadamente falido desde 1990
Em 24
de outubro, foi lançada na Assembleia Legislativa de São Paulo a Frente
Parlamentar pela Implantação das Escolas Cívico-Militares, a fim de expandir a
atual rede para 50 unidades até o final de 2026.
A
frente foi criada e conta com o apoio de parlamentares do PL, partido do
ex-presidente Jair Bolsonaro, que lançou o Programa Nacional das Escolas
Cívico-Militares (Pecim) em 2019.
Já o
governo Lula pôs fim ao projeto em julho deste ano, fazendo com que vereadores
e deputados iniciassem uma verdadeira ode ao modelo educacional nas redes
sociais e no legislativo, a fim de manter ou expandir o número de unidades de
uma escola que não tem qualquer comprovação científica ou performática que
justifique o investimento.
A
reportagem do GGN entrou em contato com as secretarias de comunicação de todos
os estados para saber quais são as principais diferenças entre o modelo de
escola tradicional, a escola cívico-militar e a escola militar. Apenas Bahia,
Alagoas, Minas Gerais, Maranhão, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco
e Distrito Federal responderam aos nossos questionamentos.
Todos
eles, exceto Pernambuco, que não tem escolas militares ou cívico-militares,
afirmaram que não há diferença na grade curricular dos alunos, pois todos os
colégios seguem a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) do Ministério da Educação (MEC).
A
diferença se encontra nas atividades extracurriculares, em que os alunos
aprendem os valores militares, como disciplina e percepções de civismo. Os
militares também não interferem na parte pedagógica das escolas, apenas na
parte administrativa e disciplinar dos alunos.
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Cabide de empregos
Apesar
do questionamento, nenhuma secretaria estadual de educação revelou o custo que
o emprego de militares na educação gera nos cofres públicos.
Porém,
a nota técnica do MEC que justifica o fim do Pecim traz uma noção do preço pago
pelos munícipes pela presença de militares nos colégios.
Até o
fim do ano, prazo estipulado pelo governo federal para a transição de escolas
cívico-militares do Pecim para o modelo tradicional, o País conta com 120
unidades.
Conforme
a premissa do programa, o Ministério da Defesa disponibiliza militares
reformados (aqueles que estão, definitivamente, aposentados ou afastados do
serviço) para o desempenho de funções como assessoria à gestão educacional,
assessoria à gestão escolar e monitoria dos alunos.
Para
tais funções, os militares do Pecim recebiam um salário e benefícios conforme a
patente:
• 3º Sargento: R$ 2.657,24
• 2º Sargento: R$ 3.816,60
• 1º Sargento: R$ 3.995,68
• Subtenente: R$ 4.439,29
• 2º Tenente: R$ 4.120,10
• 1º Tenente: R$ 5.314,56
• Capitão: R$ 6.022,36
• Major: R$ 8.433,36
• Tenente Coronel: R$ 8.775
• Coronel: R$ 9.152,76
Entre
2020 e 2022, o orçamento do Pecim para a remuneração de militares reformados
passou de R$ 7 milhões para R$ 64,2 milhões. Para este ano, o orçamento
previsto pelo Ministério da Defesa para os salários dos militares foi de R$
86,5 milhões.
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Percepção equivocada
Vários
estados usam a consulta ou demanda pública junto à comunidade escolar como
justificativa para a adoção ou expansão da rede de escolas cívico-militares nos
estados.
Porém,
a militarização do ensino não começou em 2019, por iniciativa do governo
anterior. O primeiro colégio militar, de acordo com o Exército Brasileiro, foi
criado em março de 1889 e hoje é o tradicional Colégio Militar do Rio de
Janeiro.
As
escolas exclusivamente militares nasceram com o objetivo de atender os filhos
de militares, que por conta das funções do Exército, mudavam de estado com
frequência. Os colégios, então, tinham como premissa manter a qualidade do
ensino para este público de necessidades tão específicas.
As
Forças Armadas têm, atualmente, 42 instituições militares, das quais 15
pertencem ao Exército, 3 são da Aeronáutica e 24 são da Marinha. Todas estão
sob gestão do Ministério da Defesa.
Mas os
estados também decidiram investir nos próprios modelos. Na Bahia, por exemplo,
a primeira unidade do Colégio da Polícia Militar (CPM) foi fundada em 1957. Hoje o estado conta com
16 unidades e mantêm a tradição de destinar a maioria das vagas (70% na capital
e 50% no interior) para os filhos e dependentes dos policiais militares. As
demais são sorteadas para sociedade civil.
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As escolas cívico-militares
Os
colégios militares têm, segundo Cláudia Costin, presidente do Instituto
Singularidades, de fato um padrão de qualidade diferenciado, já que o salário
dos professores da rede militar é superior ao dos docentes da rede pública. Os
estudantes destas instituições, que estudam em período integral, também
costumam ser bem selecionados, já que para concorrer às vagas remanescentes, os
alunos costumam enfrentar processos seletivos bastante disputados.
“Pelo
reconhecimento das escolas militares, alguns municípios e estados quiseram
criar escolas civis militares. Primeiro,
elas não são exatamente militares. São policiais militares ou bombeiros
aposentados que criam associações e vendem esse serviço para escolas públicas.
Parece inicialmente muito atrativo, porque as famílias não vão ter problema de
disciplina, porque as escolas militares mesmo tem uma reputação de ter um
ensino de qualidade, mas não é disso que trata”, continua a presidente do
Instituto Singularidades.
Cláudia
chama atenção para que, de fato, as escolas cívico-militares incentivam a
disciplina. Porém, os professores ganham o mesmo salário dos docentes da rede
estadual, ao mesmo tempo em que a presença de militares no quadro de
funcionários torna a escola mais cara para o contribuinte.
A
excessiva padronização imposta aos alunos, que têm de usar fardamento e ter
corte de cabelo específico, também não traz grandes vantagens aos discentes,
mas sim promove uma robotização.
“A
curto prazo, elas têm um impacto no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica], porque de fato se há muita disciplina, você tende a ver melhores
condições de aprendizado, só que o problema é que esta disciplina não é a
disciplina adequada ao século XXI”, emenda Cláudia.
A
especialista cita Pernambuco, o estado que não tem modelo militar, como um
modelo ideal de ensino, pois além de oferecer um ensino integral com
protagonismo jovem, estimula os alunos a se conectarem com o que ele está
aprendendo.
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Modelo ideal
Desde a
década de 1990, alguns estados apostam nas escolas cívico-militares. Paraná é o
estado que mais concentra unidades deste modelo, com 196 colégios da PM no
total.
Mas a
presidente do Conselho Administração do Cenpec, Anna Helena Altenfelder,
ressalta que a superioridade destes colégios nunca foi comprovada.
“Não
temos nenhuma pesquisa, nenhuma evidência de que essas escolas trazem
resultados de aprendizagem. Ahn superiores ou diferentes das outras escolas,
né? É na verdade sim. Essa é uma agenda que surgiu com muita força, não no
governo Bolsonaro e no meu ponto de vista é um dimensionismo. Vamos dizer
assim, né? Era tirar o foco das questões importantes e fundamentais da educação
e prioridades que temos de apostar no modelo”, diz a presidente do Cenpec.
Do
ponto de vista pedagógico, o modelo também não traz avanços segundo a pedagoga,
já que não traz soluções para nenhum dos reais problemas da educação pública no
Brasil. A questão da disciplina e da uniformização dos alunos são questões
periféricas e que não dizem respeito à qualidade pedagógica das escolas
brasileiras.
“Muito
pelo contrário. Sabemos é fundamental um trabalho pedagógico que integra as
questões culturais, emocionais e cognitivas do aluno. Então, achar que os
militares podem tomar conta da disciplina de uma escola revela uma falta de
conhecimento do fazer da escola, do dia a dia da escola. É porque, na verdade,
os profissionais quem têm de cuidar da disciplina da escola são os formados com
conhecimento específicos para esse fim, né? Temos problemas e desafios imensos
em relação à disciplina e violência física nas escolas. Mas são questões muito
complexas e que precisam se analisadas com muito cuidado”, pondera a
especialista.
Anna
observa que a violência nas escolas deriva de uma sociedade violenta como um
todo. E não será a presença ostensiva de militares que vai melhorar este
ambiente, mas sim a melhoria do clima escolar.
Assim,
o modelo ideal de escola é composto por um clima acolhedor, em que os alunos
não abandonem os estudos, estejam na na faixa etária adequada para o
aprendizado, em que os docentes consigam garantir o aprendizado e o engajamento
dos discentes e que conte, ainda, com a participação dos pais na comunidade
escolar.
Outra
questão importante é que pesquisas da Cenpec mostram que a grande maioria dos
pais, ao contrário do que dizem os gestores públicos, sequer demandam escolas
militares: 72% dos entrevistados afirmaram que confiam mais em professores do
que em militares para atuar nas escolas; já 46,10% defendem que os maiores
problema da escola pública são a falta de investimento dos governos e os baixos
salários dos professores.
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Outra proposta sem fundamento
Uma das
justificativas para o fim do Pecim pelo governo Lula foi a abrangência: o
modelo atendia a apenas 0,1% das escolas públicas brasileiras. Mas para tal
questão, surgiu uma alternativa de escolas de contraturno que prometem preparar
crianças a partir de 5 anos para a carreira militar.
Conhecida
como Fope (Força Pré-Militar), a instituição tem ganhado popularidade nas redes
sociais pela divulgação frequente de vereadores a favor da militarização do
ensino.
A Fope,
porém, não é uma instituição de ensino regular, mas sim de contraturno, em que
as crianças e adolescentes costumam passar os sábados para aprender atividades
disciplinares, sobrevivência na selva e trato de animais selvagens.
“Não
vejo, assim a princípio, nenhum valor pedagógico para que crianças de 5 e 6
anos frequentem espaços educativos que estão formando elas por uma futura
carreira militar 20 anos depois. Até porque cada criança é uma criança, tem
seus interesses suas necessidades”, aponta Anna Helena Altenfelder.
O GGN
entrou em contato com a Fope por e-mail, a fim de saber qual é o modelo
pedagógico do curso, quais são as temáticas, mensalidades, entre outras
informações. Porém, não obteve resposta.
A
empresa também não disponibiliza no site qualquer informação sobre a
instituição, contato, carreira ou demais informações ao público que não os
meios de se inscrever em uma das unidades da franquia.
Fonte:
Jornal GGN

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