Novo
tratamento melhora vida de pacientes com leucemia mieloide crônica
Novo
tratamento aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pode
impactar diretamente a vida de pacientes que convivem com a leucemia mielóide
crônica, câncer que atinge o sistema hematopoiético, responsável pela produção
das células do sangue. O cloridrato de asciminibe já era aprovado no Brasil,
mas somente na terceira linha, quando os pacientes já haviam tentado outros
tipos de tratamento.
“Nessa
doença é muito importante a eficácia e não ser tóxico porque o paciente vai
usar por muito tempo”, explica o hematologista Dr. Jaisson Bortolin. Segundo o
médico, cerca de 70% dos pacientes continuam o tratamento ao longo de toda a
vida. “Então a longo prazo, principalmente, as toxicidades que esses remédios
causam são importantes, porque podem tirar a qualidade de vida do paciente”,
aponta.
Além de
uma menor toxicidade, o médico explica que o remédio tem uma maior eficácia, o
que viabiliza pausas do tratamento em casos específicos. “Mulheres que querem
engravidar algum momento da vida, por exemplo, não pode engravidar tomando
qualquer um desses inibidores”, exemplifica. “Então, se você usar um inibidor
mais potente, o paciente pode alcançar situação que a gente chama de resposta
molecular, aí a gente consegue parar o medicamento para a mulher poder
engravidar”.
Outros
grupos que podem se beneficiar da nova linha de tratamento são as pessoas
idosas ou com comorbidades. “Quanto mais comorbidade, maior o risco desse
remédio ser tóxico, então, se você pode dar uma droga menos tóxica, você
minimiza isso e aumenta a qualidade de vida”, pontua.
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Como funciona o tratamento
A
leucemia mieloide crônica é causada por uma mutação genética adquirida chamada
de “cromossomo Philadelphia". A origem desse cromossomo, ainda
desconhecida pelos cientistas, provoca o aumento na produção das células
sanguíneas, sobretudo dos glóbulos brancos. Por ter um início assintomático,
muitos pacientes demoram de receber o diagnóstico, e grande parte deles
descobrem após exames de hemograma. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 80%
dos diagnosticados tem mais de 45 anos.
Diferente
das leucemias agudas, a leucemia mieloide crônica não é tratada com
quimioterápicos. O tratamento da doença é geralmente feito com medicamentos
denominados inibidores da tirosina quinase, remédios que bloqueiam a
multiplicação das células que originam o câncer.
Artigo
publicado no New England Journal of Medicine mostrou maior eficácia em relação
aos outros medicamentos. Estudo com apoio da Novartis, mesmo farmacêutica que
solicitou liberação do medicamento junto à Anvisa, mostrou que 67,7% dos
pacientes tratados com o asciminibe apresentaram Resposta Molecular Maior (MMR)
na 48º semana, em comparação a 49% entre os que utilizaram outros medicamentos.
O índice é um dos maiores medidores de sucesso das terapias e mostra a redução
no número de células com gene cancerígeno em relação com o total.
• Terapia CAR-T brasileira alcança
remissão em 72% dos pacientes
A
terapia CAR-T é um tratamento avançado no qual células de defesa do próprio
paciente são coletadas, modificadas em laboratório para reconhecer e atacar
células do câncer, posteriormente reinfundidas no organismo. Pela primeira vez,
essa tecnologia foi inteiramente desenvolvida e produzida no Brasil, marcando
um passo histórico para a ciência nacional.
Um
projeto do Einstein Hospital Israelita, realizado em parceria com o Ministério
da Saúde, mostrou resultados expressivos: 81% dos pacientes com linfomas e
leucemias de células B, já resistentes a terapias tradicionais, responderam
positivamente ao tratamento, e 72% alcançaram remissão completa. Além de
representar um avanço inédito para a oncologia na América Latina, a produção
local reduz custos, amplia o acesso e diminui a dependência tecnológica,
fortalecendo a capacidade do país de oferecer terapias de ponta a mais
pacientes.
O
produto final surgiu como forma de combate ao desafio de acesso à terapia em
países de média renda, onde os produtos comerciais são de alto custo, conforme
explica Nelson Hamerschlak, coordenador do departamento de Hematologia do
Einstein. O diferencial do programa contempla: fabricação point-of-care dentro
do próprio hospital, usando a plataforma CliniMACS Prodigy, reduzindo tempo e
custo; primeiro ensaio acadêmico fase I aprovado pela ANVISA em CAR-T no
Brasil, trazendo marcos regulatórios inéditos; e integração com programas
nacionais que visam transformar o Brasil em produtor soberano de terapias
avançadas.
Hamerschlak
destaca a demonstração de viabilidade regulatória e científica da manufatura
nacional proporcionada pelo projeto, bem como a formação de profissionais em
terapia celular avançada. “Eu diria que é um marco histórico para a oncologia e
a hematologia brasileiras”, opina. “Deixamos de ser apenas compradores de
tecnologia importada e passamos a produzir conhecimento e produtos de alto
valor agregado. Mostramos que é possível fazer CAR-T com qualidade, segurança e
eficácia em um sistema de saúde com recursos limitados.”
O
médico ainda cita iniciativas brasileiras complementares ao projeto do
Einstein: USP Ribeirão Preto – Projeto multicêntrico fase I/II chamado
Carthedral; Instituto Butantan – Programa de CAR-T para Mieloma Múltiplo
(BCMA); Estudo Mandacarú da Universidade Federal do Cerá; e Projeto de
fabricação de vetor triplo para doenças linfoides da FIOCRUZ com cooperação do
INCA e EINSTEIN.
Para
alcançar a taxa de resposta de 81% e remissão completa de 72%, Hamerschlak
selecionou criteriosamente os pacientes: “Todos tinham doença B-cell
refratária, mas com condição clínica que permitia receber linfodepleção e
CAR-T. Tivemos 100% de sucesso de fabricação e um tempo “vein-to-vein” em torno
de 22 dias, o que é excelente para uma plataforma acadêmica
point-of-care.Utilizamos um CAR anti-CD19 com domínio 4-1BB, que favorece
expansão sustentada e perfil funcional de memória central, predominante entre
os dias 7–21.”
Além
disso, profissionais do hospital já tinham experiência em terapia celular. “O
fato de o hospital já ter tradição em transplante e UTI onco-hematológica
facilitou o manejo de CRS, ICANS e infecções”, acrescenta o coordenador.
Durante a análise, a monitorização foi intensiva, contribuindo para que
toxicidades fossem reversíveis.
A
produção brasileira de CAR-T enfrenta cinco desafios centrais: garantir
infraestrutura em padrão GMP, com laboratórios qualificados, salas limpas e
controle de qualidade rigoroso; manter uma cadeia de insumos estável para
vetores virais, reagentes e consumíveis ainda majoritariamente importados;
organizar toda a logística de coleta, transporte, processamento e possível
criopreservação de células de pacientes que vêm de diferentes regiões; formar
recursos humanos especializados em um campo novo, envolvendo equipes de
hematologia, biotecnologia, enfermagem, farmácia e biologia molecular; e
integrar centros de coleta e infusão a uma ou mais plantas de manufatura,
seguindo modelos como o da FIOCRUZ, que atua como “reference facility” para
apoiar centros de tratamento.
Embora
a redução dos custos dependa de políticas públicas, Hamerschlak está otimista:
“O efeito direto é ampliar o número de pacientes elegíveis e reduzir
desigualdades de acesso, especialmente em doenças em que o CAR-T pode ser
curativo ou modificar profundamente o curso clínico.”
Para
pacientes que não alcançaram melhora com terapias convencionais, o CAR-T
oferece uma segunda chance. “Antes, pessoas com LLA ou linfoma B refratários,
já sem opções após quimioterapia, anticorpos e transplante, tinham expectativa
de vida muito curta. Com o CAR-T, observam-se respostas profundas e, em alguns
casos, duradouras, mesmo em tratamentos de 3ª, 4ª ou 5ª linha, alterando o
prognóstico individual”, argumenta o médico.
O
próximo passo para ampliar o acesso à terapia e consolidar o Brasil como
referência na América Latina envolve, além de dialogar com órgãos públicos,
consolidar os resultados clínicos com mais pacientes. “O acompanhamento
prolongado gera dados sólidos de eficácia, segurança e custo-efetividade”,
esclarece Hamerschlak.
A
equipe pretende expandir a terapia para diversos tipos de cânceres
hematológicos e tumores sólidos. “No campo hematológico, há desenvolvimento
pré-clínico de CAR-T anti-BCMA para mieloma múltiplo na plataforma do Einstein,
com vetores B4C e B4CI apresentando boa atividade in vitro e em modelos
murinos; no Instituto Butantan, avança uma parceria com a China”, conta o
médico.
“Também
há interesse em novos alvos para outras neoplasias B, como CD22 e combinações
duplas CD19/CD20 ou CD19/CD22. Em tumores sólidos, apesar dos desafios maiores
— como microambiente imunossupressor e heterogeneidade antigênica — já existem
pesquisas em câncer de pulmão, gliomas e tumores pediátricos. A expansão será
gradual e baseada em segurança e racional biológico, mas a infraestrutura
criada coloca o país em boa posição”, completa.
Por
fim, Hamerschlak ressalta a produção do CAR-T de alto nível em um país de renda
média, com resultados comparáveis aos de grandes centros internacionais — desde
que exista integração entre academia, governo, agência reguladora e parceiros
tecnológicos. “O sucesso depende da seleção correta dos pacientes, do timing,
do suporte intensivo, do controle de infecções e da monitorização de
toxicidades”, resume.
Fonte:
Correio Braziliense

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