terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Novo tratamento melhora vida de pacientes com leucemia mieloide crônica

Novo tratamento aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pode impactar diretamente a vida de pacientes que convivem com a leucemia mielóide crônica, câncer que atinge o sistema hematopoiético, responsável pela produção das células do sangue. O cloridrato de asciminibe já era aprovado no Brasil, mas somente na terceira linha, quando os pacientes já haviam tentado outros tipos de tratamento.

“Nessa doença é muito importante a eficácia e não ser tóxico porque o paciente vai usar por muito tempo”, explica o hematologista Dr. Jaisson Bortolin. Segundo o médico, cerca de 70% dos pacientes continuam o tratamento ao longo de toda a vida. “Então a longo prazo, principalmente, as toxicidades que esses remédios causam são importantes, porque podem tirar a qualidade de vida do paciente”, aponta.

Além de uma menor toxicidade, o médico explica que o remédio tem uma maior eficácia, o que viabiliza pausas do tratamento em casos específicos. “Mulheres que querem engravidar algum momento da vida, por exemplo, não pode engravidar tomando qualquer um desses inibidores”, exemplifica. “Então, se você usar um inibidor mais potente, o paciente pode alcançar situação que a gente chama de resposta molecular, aí a gente consegue parar o medicamento para a mulher poder engravidar”.

Outros grupos que podem se beneficiar da nova linha de tratamento são as pessoas idosas ou com comorbidades. “Quanto mais comorbidade, maior o risco desse remédio ser tóxico, então, se você pode dar uma droga menos tóxica, você minimiza isso e aumenta a qualidade de vida”, pontua.

<><> Como funciona o tratamento

A leucemia mieloide crônica é causada por uma mutação genética adquirida chamada de “cromossomo Philadelphia". A origem desse cromossomo, ainda desconhecida pelos cientistas, provoca o aumento na produção das células sanguíneas, sobretudo dos glóbulos brancos. Por ter um início assintomático, muitos pacientes demoram de receber o diagnóstico, e grande parte deles descobrem após exames de hemograma. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 80% dos diagnosticados tem mais de 45 anos.

Diferente das leucemias agudas, a leucemia mieloide crônica não é tratada com quimioterápicos. O tratamento da doença é geralmente feito com medicamentos denominados inibidores da tirosina quinase, remédios que bloqueiam a multiplicação das células que originam o câncer.

Artigo publicado no New England Journal of Medicine mostrou maior eficácia em relação aos outros medicamentos. Estudo com apoio da Novartis, mesmo farmacêutica que solicitou liberação do medicamento junto à Anvisa, mostrou que 67,7% dos pacientes tratados com o asciminibe apresentaram Resposta Molecular Maior (MMR) na 48º semana, em comparação a 49% entre os que utilizaram outros medicamentos. O índice é um dos maiores medidores de sucesso das terapias e mostra a redução no número de células com gene cancerígeno em relação com o total.

•        Terapia CAR-T brasileira alcança remissão em 72% dos pacientes

A terapia CAR-T é um tratamento avançado no qual células de defesa do próprio paciente são coletadas, modificadas em laboratório para reconhecer e atacar células do câncer, posteriormente reinfundidas no organismo. Pela primeira vez, essa tecnologia foi inteiramente desenvolvida e produzida no Brasil, marcando um passo histórico para a ciência nacional.

Um projeto do Einstein Hospital Israelita, realizado em parceria com o Ministério da Saúde, mostrou resultados expressivos: 81% dos pacientes com linfomas e leucemias de células B, já resistentes a terapias tradicionais, responderam positivamente ao tratamento, e 72% alcançaram remissão completa. Além de representar um avanço inédito para a oncologia na América Latina, a produção local reduz custos, amplia o acesso e diminui a dependência tecnológica, fortalecendo a capacidade do país de oferecer terapias de ponta a mais pacientes.

O produto final surgiu como forma de combate ao desafio de acesso à terapia em países de média renda, onde os produtos comerciais são de alto custo, conforme explica Nelson Hamerschlak, coordenador do departamento de Hematologia do Einstein. O diferencial do programa contempla: fabricação point-of-care dentro do próprio hospital, usando a plataforma CliniMACS Prodigy, reduzindo tempo e custo; primeiro ensaio acadêmico fase I aprovado pela ANVISA em CAR-T no Brasil, trazendo marcos regulatórios inéditos; e integração com programas nacionais que visam transformar o Brasil em produtor soberano de terapias avançadas.

Hamerschlak destaca a demonstração de viabilidade regulatória e científica da manufatura nacional proporcionada pelo projeto, bem como a formação de profissionais em terapia celular avançada. “Eu diria que é um marco histórico para a oncologia e a hematologia brasileiras”, opina. “Deixamos de ser apenas compradores de tecnologia importada e passamos a produzir conhecimento e produtos de alto valor agregado. Mostramos que é possível fazer CAR-T com qualidade, segurança e eficácia em um sistema de saúde com recursos limitados.”

O médico ainda cita iniciativas brasileiras complementares ao projeto do Einstein: USP Ribeirão Preto – Projeto multicêntrico fase I/II chamado Carthedral; Instituto Butantan – Programa de CAR-T para Mieloma Múltiplo (BCMA); Estudo Mandacarú da Universidade Federal do Cerá; e Projeto de fabricação de vetor triplo para doenças linfoides da FIOCRUZ com cooperação do INCA e EINSTEIN.

Para alcançar a taxa de resposta de 81% e remissão completa de 72%, Hamerschlak selecionou criteriosamente os pacientes: “Todos tinham doença B-cell refratária, mas com condição clínica que permitia receber linfodepleção e CAR-T. Tivemos 100% de sucesso de fabricação e um tempo “vein-to-vein” em torno de 22 dias, o que é excelente para uma plataforma acadêmica point-of-care.Utilizamos um CAR anti-CD19 com domínio 4-1BB, que favorece expansão sustentada e perfil funcional de memória central, predominante entre os dias 7–21.”

Além disso, profissionais do hospital já tinham experiência em terapia celular. “O fato de o hospital já ter tradição em transplante e UTI onco-hematológica facilitou o manejo de CRS, ICANS e infecções”, acrescenta o coordenador. Durante a análise, a monitorização foi intensiva, contribuindo para que toxicidades fossem reversíveis. 

A produção brasileira de CAR-T enfrenta cinco desafios centrais: garantir infraestrutura em padrão GMP, com laboratórios qualificados, salas limpas e controle de qualidade rigoroso; manter uma cadeia de insumos estável para vetores virais, reagentes e consumíveis ainda majoritariamente importados; organizar toda a logística de coleta, transporte, processamento e possível criopreservação de células de pacientes que vêm de diferentes regiões; formar recursos humanos especializados em um campo novo, envolvendo equipes de hematologia, biotecnologia, enfermagem, farmácia e biologia molecular; e integrar centros de coleta e infusão a uma ou mais plantas de manufatura, seguindo modelos como o da FIOCRUZ, que atua como “reference facility” para apoiar centros de tratamento.

Embora a redução dos custos dependa de políticas públicas, Hamerschlak está otimista: “O efeito direto é ampliar o número de pacientes elegíveis e reduzir desigualdades de acesso, especialmente em doenças em que o CAR-T pode ser curativo ou modificar profundamente o curso clínico.”

Para pacientes que não alcançaram melhora com terapias convencionais, o CAR-T oferece uma segunda chance. “Antes, pessoas com LLA ou linfoma B refratários, já sem opções após quimioterapia, anticorpos e transplante, tinham expectativa de vida muito curta. Com o CAR-T, observam-se respostas profundas e, em alguns casos, duradouras, mesmo em tratamentos de 3ª, 4ª ou 5ª linha, alterando o prognóstico individual”, argumenta o médico.

O próximo passo para ampliar o acesso à terapia e consolidar o Brasil como referência na América Latina envolve, além de dialogar com órgãos públicos, consolidar os resultados clínicos com mais pacientes. “O acompanhamento prolongado gera dados sólidos de eficácia, segurança e custo-efetividade”, esclarece Hamerschlak.

A equipe pretende expandir a terapia para diversos tipos de cânceres hematológicos e tumores sólidos. “No campo hematológico, há desenvolvimento pré-clínico de CAR-T anti-BCMA para mieloma múltiplo na plataforma do Einstein, com vetores B4C e B4CI apresentando boa atividade in vitro e em modelos murinos; no Instituto Butantan, avança uma parceria com a China”, conta o médico.

“Também há interesse em novos alvos para outras neoplasias B, como CD22 e combinações duplas CD19/CD20 ou CD19/CD22. Em tumores sólidos, apesar dos desafios maiores — como microambiente imunossupressor e heterogeneidade antigênica — já existem pesquisas em câncer de pulmão, gliomas e tumores pediátricos. A expansão será gradual e baseada em segurança e racional biológico, mas a infraestrutura criada coloca o país em boa posição”, completa.

Por fim, Hamerschlak ressalta a produção do CAR-T de alto nível em um país de renda média, com resultados comparáveis aos de grandes centros internacionais — desde que exista integração entre academia, governo, agência reguladora e parceiros tecnológicos. “O sucesso depende da seleção correta dos pacientes, do timing, do suporte intensivo, do controle de infecções e da monitorização de toxicidades”, resume.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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