terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Leonardo Attuch: Trump recua e busca o controle das Américas para depois retomar a disputa com Rússia e China

A nova Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos, anunciada pelo presidente Donald Trump, oferece uma radiografia precisa do momento geopolítico. A superpotência que ainda detém os maiores instrumentos de poder global, seja no campo militar ou ideológico, reconhece algumas derrotas estratégicas e decide recuar taticamente para reorganizar suas forças. Esse recuo não significa fraqueza terminal, mas sim a tentativa de reconstruir capacidade de ação. E o ponto de partida escolhido por Washington nos afeta diretamente O foco é o chamado “Hemisfério Ocidental",  ou seja, as Américas, que são tratadas como uma zona de influência natural e, em grande medida, vulnerável. Um quintal.

A derrota na guerra por procuração na Ucrânia é o primeiro elemento dessa reorientação. A expectativa de desgastar a Rússia não se concretizou. Moscou preservou seu aparato militar, ampliou sua influência em regiões estratégicas e fortaleceu alianças com o Sul Global. Já a Europa pagou um preço econômico alto e saiu politicamente debilitada.

O segundo elemento é a constatação de que os EUA perderam a disputa da globalização. A transferência da base industrial para a Ásia, guiada por um capitalismo financeiro que fragilizou a base industrial estadunidense e classe média do País, permitiu que a China se tornasse a maior potência manufatureira do planeta. A guerra comercial, apresentada por Trump como resposta, não impediu o avanço chinês – que hoje disputa liderança tecnológica, financeira e diplomática.

O terceiro elemento é a erosão da hegemonia unipolar. A ascensão da China, o ressurgimento estratégico da Rússia, a articulação de novas coalizões globais e o fortalecimento de países emergentes tornaram o mundo muito mais complexo. Os Estados Unidos ainda são a potência dominante, mas já não têm a mesma capacidade de impor consensos apenas com seu soft power.

Diante desse cenário, Trump anuncia claramente suas novas prioridades. Se não pode, por ora, dominar o tabuleiro euroasiático, ele decide consolidar sua retaguarda. É nesse contexto que surge o chamado “Corolário Trump”, que nada mais é do que a Doutrina Monroe 2.0, que busca impedir que China e Rússia ampliem sua presença econômica, tecnológica ou militar na América Latina. Ou seja: a superpotência ferida reorganiza suas linhas antes de retomar disputas maiores.

Essa mudança coloca desafios imensos para o presidente Lula, cuja visão de mundo é diametralmente oposta à lógica imperialista. Lula é, hoje, um dos líderes globais mais claramente alinhados à multipolaridade, defensor da ascensão do Sul Global e construtor ativo de agendas de integração, soberania e cooperação internacional. Seu projeto de política externa busca ampliar margens de autonomia e evitar submissão a qualquer hegemonia.

Entretanto, a realidade interna do Brasil coloca limites duros ao exercício pleno dessa visão. O país carrega Forças Armadas estruturadas sob o modelo estadunidense, desde formação, doutrina e equipamentos. Convive com uma elite econômica profundamente conectada aos circuitos financeiros de Wall Street – circuitos que condicionam decisões de investimento, expectativas de mercado e orientações de política econômica. E enfrenta uma mídia hegemônica alinhada aos interesses históricos de Washington, que frequentemente questiona qualquer gesto de afirmação soberana.

Nessas circunstâncias, Lula terá que ser, mais do que nunca, um equilibrista excepcional. De um lado, precisa sustentar seu compromisso com a multipolaridade, com a integração latino-americana e com a construção de alternativas à dependência histórica. De outro, terá que navegar pragmática e cuidadosamente dentro de um sistema interno que resiste a mudanças profundas e que, em muitos momentos, atua como extensão informal das pressões geopolíticas externas.

Trump sabe dessas limitações. Sabe também que muitos governos latino-americanos são suscetíveis a agendas que combinam neoliberalismo, entreguismo e repressão interna – o tripé que Trump diz esperar dos parceiros latino-americanos. Ao reforçar sua presença no continente, o governo norte-americano tenta impedir que a região se transforme em base de projeção de potências rivais e busca conter qualquer projeto de autonomia.

Nos dias de hoje, o mundo vive uma disputa estrutural entre hegemonia e multipolaridade, entre a manutenção de um centro único de poder e a emergência de novas forças políticas e econômicas. Trump tenta reorganizar sua posição nesse cenário. Lula, por sua vez, representa uma das vozes mais consistentes do campo multipolar.

A diferença é que Trump opera a partir da potência militar mais robusta do planeta. Lula atua a partir de um país com fragilidades internas que não podem ser ignoradas. O futuro da esquerda e de projetos soberanos nas Américas dependerá, em grande medida, da capacidade de Lula de navegar neste mar turbulento.

¨      Estratégia de Trump resgata a Doutrina Monroe e reforça ambições militares no Hemisfério Ocidental

A nova Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos, divulgada nesta sexta-feira (5), apresenta uma guinada agressiva na política externa do presidente Donald Trump, reafirmando ambições históricas de supremacia norte-americana no continente americano. O documento, de 29 páginas, foi detalhado em reportagem da Reuters, que destacou a intenção explícita de recuperar a antiga Doutrina Monroe, concebida no século 19 para declarar o Hemisfério Ocidental como área de influência exclusiva de Washington.

O texto define o conceito de “realismo flexível” como eixo da visão estratégica de Trump e afirma que a política externa do presidente é “motivada acima de tudo pelo que funciona para a América”. Segundo o documento, os Estados Unidos devem “restaurar a preeminência americana” na região e colocar as Américas no topo das prioridades do governo.

 “Esse ‘Corolário Trump’ à Doutrina Monroe é uma restauração de bom senso e potência do poder americano, consistente com os interesses de segurança dos Estados Unidos”, afirma o documento, sinalizando que o robusto aumento da presença militar norte-americana no Caribe não será temporário.

<><> Presença militar crescente e histórico intervencionista reacendem temores na região

Desde que Trump assumiu o mandato, críticas se intensificaram diante de sua retórica considerada imperialista. Ele chegou a mencionar, de forma vaga, ideias como retomar o Canal do Panamá e anexar a Groenlândia e o Canadá. Mais recentemente, a mobilização militar na região reforçou preocupações: mais de 10 mil soldados foram enviados ao Caribe, acompanhados de porta-aviões, navios de guerra e jatos de combate, em meio a ameaças de ataques em países como Venezuela e outros afetados por operações de cartéis de drogas.

O analista Jason Marczak, do Atlantic Council, avaliou:

 “A nova Estratégia de Segurança Nacional deixa muito claro que não vamos voltar ao que era antes.”

O documento também destaca o avanço econômico da China na América Latina como preocupação crescente, retomando a lógica de disputa de influência que marcou a Guerra Fria.

<><> Indo-Pacífico: reforço militar para conter China e defender Taiwan

A estratégia amplia o foco militar dos EUA no Indo-Pacífico. O texto aponta que Washington buscará evitar um conflito direto com a China por meio do fortalecimento de capacidades militares próprias e de aliados.

 “Dissuadir um conflito sobre Taiwan, idealmente preservando a superioridade militar, é prioridade”, diz o documento.

A questão de Taiwan e do Mar do Sul da China tem sido um dos pontos mais sensíveis nas relações sino-americanas, e a formalização dessa diretriz eleva a tensão estratégica na região, especialmente diante do histórico de decisões imprevisíveis da administração Trump.

<><> Europa é alvo de ataques e advertências sobre “apagamento civilizacional”

Em tom duro, o texto coloca em xeque a relação com aliados históricos e afirma que a Europa corre o risco de enfrentar um “apagamento civilizacional”. Segundo o documento, vários países da OTAN poderiam se tornar “majoritariamente não europeus” nas próximas décadas — argumento semelhante ao utilizado por partidos de extrema direita no continente.

O governo Trump exige que a Europa reconstrua suas capacidades militares e assuma a maior parte das responsabilidades na defesa convencional da OTAN. A Reuters informa que Washington pressiona para que países europeus assumam desde sistemas de inteligência até capacidades de mísseis, em um cronograma considerado irrealista por autoridades europeias.

Ao mesmo tempo, o documento afirma que interessa aos EUA resolver rapidamente o conflito na Ucrânia e restabelecer “estabilidade estratégica” com a Rússia, ecoando críticas recorrentes de que Trump seria “brando com Moscou” devido às suas declarações elogiosas ao presidente Vladimir Putin.

<><> Nova hierarquia geopolítica: Américas e Pacífico como prioridades, Europa como perdedora

Brad Bowman, especialista da Foundation for Defense of Democracies, sintetizou o novo mapa de prioridades traçado pelo governo:

 “Vencedores na disputa por tempo, recursos e atenção? Hemisfério Ocidental e talvez o Pacífico. Perdedores? Europa. A definir? Oriente Médio. África? Boa sorte...”

A avaliação reforça que a estratégia de Trump abandona a ordem internacional construída após a Segunda Guerra Mundial, na qual alianças multilaterais — especialmente com a Europa — eram pilares centrais da política externa dos Estados Unidos.

¨      Estratégia de segurança dos EUA coloca China como rival central e amplia lógica de contenção global

A divulgação da Estratégia de Segurança Nacional (NSS) de 2025 pela Casa Branca expôs, segundo o analista político James Wood, a visão real de Washington sobre o mundo. Ele afirma que o texto é “uma das janelas mais claras até agora sobre como os Estados Unidos realmente enxergam o cenário internacional”.

Wood destaca que o documento abandona o discurso tradicional sobre uma “ordem baseada em regras” e adota um tom direto, “sem rodeios e extremamente revelador”.

<><> China é tratada como principal rival estratégico e potência de nível semelhante

Para o analista, o trecho mais significativo é o reconhecimento explícito de que China e Estados Unidos são agora “potências quase equivalentes”.

Segundo Wood, a NSS admite pela primeira vez que a antiga política de engajamento com a China “falhou”, porque Pequim não assumiu o papel subordinado que Washington imaginava.

A interpretação do especialista é clara: os EUA pretendem ampliar a contenção em várias frentes. Ele observa que a estratégia aponta para “mais dissuasão, mais pressão e mais expansão militar ao redor da China”, transformando a Primeira Cadeia de Ilhas em “uma muralha de força”, ao mesmo tempo em que exige que aliados arquem com parte crescente dos custos.

No campo econômico, Wood afirma que não há ruptura total, mas um engajamento controlado. Para ele, trata-se de cooperação apenas em áreas que não afetem o poder norte-americano, enquanto o restante será objeto de competição, restrição ou bloqueio. “Isso é contenção de longo prazo sob outro nome”, resume.

<><> Retorno explícito da Doutrina Monroe sob o chamado ‘corolário Trump’

Wood aponta que o documento também marca o retorno aberto da Doutrina Monroe, reformulada como um “corolário Trump”.

A mensagem é direta: a América Latina deve permanecer sob influência dos Estados Unidos, e a presença de potências externas — especialmente a China — passa a ser vista como indesejável.

Em sua leitura, isso significa mais atividade naval, mais pressão sobre governos latino-americanos e uma postura mais dura em relação a fronteiras e migrações. Wood define o movimento como “uma declaração muito explícita de dominação hemisférica”.

<><> Avaliação dos EUA sobre a Europa é severa e intervencionista

Um dos trechos mais surpreendentes para Wood é a análise da situação europeia.

O documento afirma que a Europa enfrenta “apagamento civilizacional” e pode se tornar “irreconhecível” em breve. Critica o excesso regulatório, a estagnação econômica, as mudanças demográficas e a fragmentação política.

Wood destaca especialmente a afirmação de que os EUA desejam “cultivar resistência” dentro dos países europeus para alterar sua direção política — algo que ele descreve como engenharia política aberta contra aliados.

A NSS também culpa líderes europeus pela prolongação da guerra na Ucrânia e alerta para o aumento da dependência europeia em relação à China e à Rússia. Para Wood, essa é “a postura mais confrontacional já registrada pelos EUA em um documento oficial sobre a Europa”.

Oriente Médio deixa de ser centro estratégico e passa a ser zona de investimentos

Segundo Wood, o Oriente Médio perdeu prioridade na política externa dos EUA. Ele afirma que Washington agora trata a região mais como uma área de investimento do que como um palco de disputas geopolíticas centrais.

Os EUA buscam cooperação em segurança, parcerias tecnológicas e operações de contraterrorismo, mas não pretendem repetir “outra geração de guerras longas e desordenadas”. Para o analista, essa abordagem é “notavelmente mais pragmática e menos ideológica”.

<><> África é vista sob ótica de recursos estratégicos, não de ajuda humanitária

A seção sobre África é curta, mas clara. Wood observa que os EUA querem acesso a minerais, energia e influência, sobretudo para conter a presença chinesa.

Segundo ele, os EUA estão substituindo o discurso humanitário por uma abordagem de “extração estratégica”. Como resume Wood, “não há nada de sutil nisso”.

<><> Doutrina real dos EUA é exposta de forma direta

Wood identifica uma frase que, em sua opinião, sintetiza toda a lógica da estratégia:

“Os Estados Unidos não podem permitir que qualquer nação se torne tão dominante a ponto de ameaçar nossos interesses.”

Para ele, essa é “a formulação mais clara da hegemonia americana que vi em anos” — sem ornamentações morais ou justificativas multilaterais.

<><> Clima deixa de ser prioridade e liderança é praticamente entregue à China

A NSS rejeita metas de emissões líquidas zero e políticas guiadas pela agenda climática.

Wood interpreta isso como um recuo definitivo da liderança climática norte-americana. Ele afirma que os EUA parecem confortáveis com a ideia de deixar a China ocupar esse espaço, especialmente porque Pequim já domina setores como energia solar, baterias, veículos elétricos e tecnologias de transição energética.

Para ele, essa posição equivale quase a admitir que os EUA “não conseguem acompanhar esse ritmo”.

<><> Rivalidade China–EUA torna-se permanente e independente de governos

Wood considera que a estratégia consolida uma competição estrutural de longo prazo. Os Estados Unidos, segundo ele, assumem compromisso de:

– intensificar a pressão militar ao redor da China
– coordenar aliados para resistir ao avanço econômico chinês
– disputar influência global da América Latina à África
– defender a supremacia tecnológica norte-americana a qualquer custo

Ele conclui que esta é “a estratégia mais adversarial já registrada contra a China em um documento oficial dos EUA”.

<><> Mudança de tom: fim do multilateralismo retórico e adoção explícita de esferas de influência

Wood avalia que a principal mudança não está apenas no conteúdo, mas no tom. Estratégias anteriores escondiam ambições de poder sob discursos de valores compartilhados. A NSS de 2025 não faz isso.

Em vez disso, adota abertamente a lógica das esferas de influência, transfere custos para aliados, incentiva resistência política dentro de países parceiros e afirma de forma direta a primazia norte-americana.

Para o analista, trata-se de uma “visão de mundo centrada na competição, não na coexistência”.

<><> EUA organizam sua estratégia global em torno da ascensão chinesa

Wood sintetiza o significado da NSS afirmando que ela projeta um mundo no qual:

– a China é o rival central
– a Europa está “derivando” e precisa ser corrigida
– a América Latina deve retornar ao controle dos EUA
– a África se torna campo de disputa por recursos
– o Oriente Médio é monetizado
– a responsabilidade climática é abandonada
– a hegemonia norte-americana governa toda a política externa

E, segundo ele, ao chamar a China de “potência quase equivalente”, os Estados Unidos finalmente admitem o que evitaram por anos: a ascensão chinesa é irreversível e agora reorganiza toda a estratégia global de Washington.

 

Fonte: Brasil 247

 

Nenhum comentário: