terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Filhos do Bolsa Família rompem ciclo da pobreza, revela pesquisa

A maioria dos jovens que cresceu em famílias atendidas pelo Bolsa Família rompeu o ciclo da pobreza e deixou de depender do programa. É o que apontam os dados da pesquisa "Filhos do Bolsa Família: uma análise da última década do programa", divulgada pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV).

A pesquisa mostra que, na chamada segunda geração de beneficiários, sete em cada 10 adolescentes atendidos em 2014 não precisam mais do auxílio em 2025. Considerando todos os beneficiários daquele ano, 60,68% deixaram o programa.

Entre os mais jovens, a transformação aparece com ainda mais nitidez, 68,8% dos que tinham entre 11 e 14 anos e 71,25% dos de 15 a 17 anos conseguiram superar o patamar de renda que os mantinha no Bolsa Família. Os percentuais caem nas faixas etárias mais jovens: 41,3% entre crianças de até cinco anos e 55,2% entre aquelas de 6 a 10 anos.

Segundo o ministro Wellington Dias, a virada social das últimas gerações está diretamente ligada à frequência escolar, responsável por transformar trajetórias familiares de longo prazo. "Mais de 70% dos jovens que eram beneficiários entre 15 e 17 anos em 2014 ascendem quando chegam aos 20, 25 anos. Principalmente por causa dos estudos", disse o ministro durante a apresentação do estudo, no Rio de Janeiro.

Criado em outubro de 2003, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o programa de transferência de renda atravessou diferentes reformulações ao longo dos governos. Em 2021, na gestão de Jair Bolsonaro, deu lugar ao Auxílio Brasil. Dois anos depois, com a volta de Lula ao Planalto, o Bolsa Família foi restabelecido.

O estudo também traz dados sobre a saída do CadÚnico, que reúne a população de baixa renda e orienta o público-alvo das políticas sociais. Entre os jovens de 15 a 17 anos que foram beneficiados, em 2014, 52,67% deixaram o cadastro. Desse grupo, 28,4% estão empregados com carteira assinada em 2025. Na faixa de 11 a 14 anos, 46,95% saíram do CadÚnico, e 19,1% já estão inseridos no mercado de trabalho formal.

<><> Condicionalidades

A ascensão dos "filhos do Bolsa Família" é mais consistente quando a renda é combinada com educação e acesso a serviços públicos. As maiores taxas de saída estão em áreas urbanas e em famílias com melhor infraestrutura, emprego formal e maior escolaridade. Mas, mesmo nos contextos mais vulneráveis, mais da metade dos jovens deixou o programa.

O professor da Escola de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV EPGE) e autor do estudo, Valdemar Pinho Neto, destacou que os melhores resultados estão associados a contextos mais favoráveis. Segundo ele, oportunidades locais, especialmente em regiões urbanas e economicamente dinâmicas, somadas às condições socioeconômicas das famílias, ao nível de pobreza e à qualidade da moradia, influenciam diretamente as chances de ascensão dessa geração.

"Um dos pontos de atenção é que o tipo de ocupação faz muita diferença. Quando o jovem consegue um emprego formal, as chances de deixar o programa aumentam significativamente. Quase 80% dos filhos de famílias que recebiam o Bolsa Família em 2014 e conquistaram um trabalho com carteira assinada não dependem mais do benefício", explicou o pesquisador.

<><> Carteira assinada

A análise também reforça a importância da qualificação e do emprego formal. Wellington Dias destacou que os dados acompanham levantamentos recentes que apontam tendência semelhante, mostrando que jovens criados em lares pobres, mas amparados por políticas sociais contínuas, ampliam significativamente suas chances de mobilidade ao concluir o ensino médio e acessar serviços públicos básicos. "A meta de promover inclusão socioeconômica integrada ao desenvolvimento econômico começa enfim a aparecer nos indicadores", disse o ministro.

O documento destaca ainda que instrumentos recentes, como a Regra de Proteção e o Programa Acredita, fortalecem um modelo de política social que ultrapassa a simples transferência de renda. De acordo com o estudo, esses mecanismos "ajudam a abrir e sustentar caminhos de inclusão produtiva, empreendedorismo e desenvolvimento regional".

A pesquisa indica também que essa trajetória deve se fortalecer na próxima década, com mais famílias ganhando autonomia financeira e reduzindo a dependência de programas de transferência de renda. Os autores apontam que o grande desafio agora é ampliar a integração entre renda, trabalho e crédito produtivo, para que os avanços já observados cheguem a um número maior de famílias.

"Com base nos resultados apresentados, a tendência é que a próxima década aprofunde ainda mais esses bons resultados", diz o relatório, que projeta ganhos crescentes de mobilidade social, redução sustentável da pobreza e ampliação das oportunidades para beneficiários em todo o país.

<><> Bolsa Família reduz em 91,7% pobreza na primeira infância, mostra estudo

O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) divulgou um estudo que revelou que o Bolsa Família contribuiu para uma redução de 91,7% no percentual de crianças na primeira infância que vivem em famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza (renda mensal familiar de até R$ 218 por pessoa).

Intitulada “Perfil Síntese da Primeira Infância e Famílias no Cadastro Único”, a  publicação em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal é um diagnóstico do retrato das crianças na primeira infância e de seus cuidadores, e tem como referência as famílias de baixa renda registradas em outubro de 2023 (com renda mensal familiar de até meio salário-mínimo).

Segundo a pesquisa, há uma maior concentração de crianças de zero a seis anos em famílias de baixa renda do que na média da população brasileira. São 10 milhões de crianças na primeira infância em famílias com renda mensal per capita de até meio salário mínimo. Esse índice representa 55,4% de todas as 18,1 milhões de crianças de zero a seis anos registradas no país.

Neste contexto, 81% delas (8,1 milhões) estariam em situação de pobreza ou extrema pobreza. No entanto, levando em conta o Bolsa Família na composição da renda, o número cai para 6,7% (670,81 mil).

Em todos os 5.570 municípios brasileiros, cerca de 21 milhões de famílias recebem o auxílio. Como principal critério, a medida procura estabelecer que a renda de cada pessoa da família seja de, no máximo, R$ 218 por mês.

•        Especialistas refletem sobre caminhos para crescer com justiça social

As discussões sobre crescimento econômico com justiça social avançam em meio a diagnósticos que apontam a necessidade de políticas públicas mais efetivas, de acordo com especialistas.

O cientista social Luciano Gomes dos Santos, ressalta que "políticas públicas só conseguem distribuir resultados econômicos de maneira equilibrada quando combinam ações imediatas e estratégias estruturantes". Professor do Centro Universitário Arnaldo Janssen (UniArnaldo), ele lembra que programas de distribuição de renda, acesso à saúde e educação infantil reduzem desigualdades imediatas, mas investimentos em infraestrutura, qualificação e apoio a pequenos negócios é que ampliam oportunidades duradouras e ajudam a diminuir o fosso entre os mais ricos e os mais pobres de forma mais duradoura.

Contudo, o pesquisador reconhece que o financiamento dessas políticas depende de mudanças no sistema tributário. "Os governos precisam de um sistema mais progressivo e eficiente, capaz de combater a evasão fiscal e distribuir melhor o peso dos impostos", defende. Ele adiciona outro ponto que considera essencial: a adoção de políticas ativas de emprego, que conectem trabalhadores a vagas e ofereçam requalificação.

Em relação às desigualdades estruturais, o professor afirma que instrumentos fiscais e de crédito podem estimular a inclusão sem limitar a expansão produtiva. "É essencial combinar políticas fiscais progressivas, investimentos em infraestrutura social e ampliação do acesso a recursos produtivos como crédito, tecnologia e qualificação profissional. Isso é importante porque a desigualdade na região é estrutural e exige ações sobre múltiplas frentes, desde o mercado de trabalho até o sistema tributário", afirma.

Decisões do governo mais estratégicas sobre investimentos moldam diretamente o acesso da população às oportunidades econômicas e essas escolhas impactam, de forma direta, grupos mais vulneráveis e regiões com baixo dinamismo produtivo, na avaliação de Santos. Ele lembra que, conforme dados do Banco Mundial, investimentos direcionados à conectividade, à infraestrutura urbana, aos serviços públicos e à inovação ampliam a capacidade de as pessoas acessarem empregos melhores. Ele destaca que essas escolhas impactam de forma direta grupos mais vulneráveis e regiões com baixo dinamismo produtivo.

O professor ainda reforça que modelos de desenvolvimento que articulam inclusão e produtividade são aqueles que unem políticas industriais, inovação e ações voltadas a trabalhadores e segmentos historicamente marginalizados.

<><> Prioridades

A definição de prioridades em políticas de justiça social envolve a convergência de interesses do Estado, do setor privado e da sociedade civil organizada, destaca o economista Maurício F. Bento, professor de economia internacional na Hayek Global College. E, para isso, é importante embasamento em estudos de organismos multilaterais que destacam educação, inovação e sistemas tributários progressivos como bases para equilibrar competitividade e redução de desigualdades.

De acordo com Bento, políticas sociais focalizadas e políticas econômicas horizontais podem caminhar juntas, porque as horizontais melhoram as condições gerais para os negócios, enquanto políticas sociais focalizadas levam recursos a quem mais precisa com custos controlados. Além disso, ele enfatiza o papel dos investimentos públicos como catalisadores de inclusão econômica, além de elevar a qualidade da mão de obra e aumentar a produtividade. "Os modelos de desenvolvimento eficazes dependem de clareza institucional. O Estado precisa garantir segurança, justiça e serviços básicos, enquanto empresas e sociedade devem ter liberdade para empreender, investir e inovar", defende.

 

Fonte: Correio Braziliense/AlmaPreta

 

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